Abstinência Alcoólica em Pacientes Internados: 3 Clinicagens Essenciais

Abstinência Alcoólica em Pacientes Internados: 3 Clinicagens Essenciais
08/09/2024
7 min

A abstinência alcoólica é uma condição clínica que pode surgir durante a internação hospitalar. Neste artigo, discutiremos a apresentação clínica, os diagnósticos diferenciais e o seu tratamento.


1ª Clinicagem: Apresentação Clínica e Diagnóstico

O diagnóstico da abstinência alcoólica é realizado com base nos critérios do quinto Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V).

Para confirmá-lo, é necessário que tenha ocorrido uma redução ou cessação do consumo prolongado de álcool, além de pelo menos dois dos seguintes sintomas:

  • tremores nas mãos,
  • náuseas ou vômitos,
  • hiperatividade autonômica (exemplo: taquicardia, sudorese),
  • insônia,
  • agitação psicomotora,
  • ansiedade,
  • alucinações ou ilusões transitórias (visuais, auditivas ou sensoriais),
  • convulsões tônico-clônicas generalizadas.

Classificação pelo DSM-V

Abstinência Leve

Os sintomas começam entre 6 e 36 horas após a última ingestão de álcool, com quadros leves de insônia, ansiedade moderada, taquicardia e sudorese.

Geralmente, desaparecem em 1 a 2 dias.

Abstinência Moderada

Ocorre cerca de 12 a 24 horas após a última ingestão de álcool, com alucinações visuais, táteis e auditivas.

A condição tende a se resolver em até 24 horas com tratamento adequado.

Abstinência Severa

Manifesta-se com convulsões ou Delirium Tremens.

As convulsões podem ocorrer entre 6 a 48 horas após a última ingestão, sendo classicamente tônico-clônicas generalizadas e múltiplas nas primeiras 6 horas.

O Delirium Tremens, a forma mais grave, surge entre 72 e 92 horas após a última ingestão, com confusão, desorientação e alucinações acompanhadas de hiperatividade autonômica.

As complicações podem incluir pneumonia aspirativa, arritmias, infarto agudo do miocárdio e distúrbios hidroeletrolíticos graves, podendo levar ao óbito.

2ª Clinicagem: Diagnósticos Diferenciais

Os sintomas da abstinência alcoólica são inespecíficos e podem se assemelhar a outras condições.

É essencial considerar o tempo de início para um diagnóstico preciso.

  • Hiperatividade autonômica: Semelhança com intoxicação por substâncias simpaticomiméticas (cocaína, anfetaminas).
  • Alucinações: Diferenciar de patologias psiquiátricas, na abstinência a orientação e atenção do paciente permanecem preservadas.
  • Convulsões: Excluir hipoglicemia, hiponatremia ou uso de medicamentos. As convulsões da abstinência são breves e, geralmente, não evoluem para status epiléptico.
  • Delirium Tremens: Atenção e consciência preservados. Não costuma ocorrer nas primeiras 48 horas. Diagnóstico diferencial com sepse ou síndrome coronariana aguda, especialmente se houver febre, sudorese e alterações de pressão arterial.

3ª Clinicagem: Tratamento no Contexto Hospitalar

O tratamento divide-se em dois cenários:

Risco de abstinência alcoólica

Para pacientes internados por outros motivos, mas com risco de abstinência alcoólica, recomenda-se o uso do escore PAWSS (Prediction of Alcohol Withdrawal Severity Scale).

Se o escore for ≥ 4, há alta probabilidade de desenvolver quadro grave, sendo indicado tratamento profilático com Clordiazepóxido 25 a 100 mg a cada 6 horas no primeiro dia, reduzindo a dose para 25 a 50 nos próximos dois dias.

Síndrome de abstinência já instalada

Nesse cenário, o paciente apresenta sintomas e o manejo inicial envolve a avaliação ABCDE, monitoramento contínuo de sinais vitais e busca de disfunções orgânicas.

A gravidade deve ser avaliada pelo escore CIWA-Ar, com indicação de início de benzodiazepínicos em pacientes com escore superior a 8.

Nestes casos, Diazepam e Lorazepam são os fármacos de primeira linha.

Delirium Tremens Refratário

Por definição, trata-se do uso de mais de 50 mg de Diazepam ou 100 mg de Lorazepam durante a primeira hora de tratamento, ou 200 mg de diazepam durante as primeiras quatro horas.

Nesse caso, é necessário associar Fenobarbital 130 - 260 mg EV e manejar o paciente na UTI.

Um ponto importante é que a fenitoína, medicamento utilizado em quadros refratários de crise convulsiva, não demonstrou eficácia no contexto de abstinência alcoólica.

Terapia Adjuvante

Pacientes com abstinência alcoólica têm risco de desenvolver Encefalopatia de Wernicke, justificando o uso profilático de Tiamina.

A hidratação e a nutrição devem ser otimizadas devido ao risco de desidratação e desnutrição.

Após 24 horas, o tratamento pode ser transicionado para a via oral conforme o controle dos sintomas.

Para saber mais

Ouça nosso episódio sobre o tema:

Referências

  1. JESSE, Sarah et al. Alcohol withdrawal syndrome: mechanisms, manifestations, and management. Acta Neurologica Scandinavica, v. 135, n. 1, p. 4-16, 2017.
  2. WOOD, Evan et al. Will this hospitalized patient develop severe alcohol withdrawal syndrome?: The rational clinical examination systematic review. Jama, v. 320, n. 8, p. 825-833, 2018.
  3. MALDONADO, José R. et al. The “Prediction of Alcohol Withdrawal Severity Scale”(PAWSS): systematic literature review and pilot study of a new scale for the prediction of complicated alcohol withdrawal syndrome. Alcohol, v. 48, n. 4, p. 375-390, 2014.
  4. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.
  5. SCHUCKIT, Marc A. Recognition and management of withdrawal delirium (delirium tremens). New England Journal of Medicine, v. 371, n. 22, p. 2109-2113, 2014.
  6. AMATO, Laura et al. Benzodiazepines for alcohol withdrawal. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 3, 2010.
  7. PACE, Christine. Alcohol withdrawal: Epidemiology, clinical manifestations, course, assessment, and diagnosis. UptoDate, v. 28, p. 2020, 2020.
  8. HOFFMAN, Robert S. et al. Management of moderate and severe alcohol withdrawal syndromes. UpToDate. Waltham (MA): UpToDate, 2011.
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