Tratamento da Hipercalcemia da Malignidade

Criado em: 06 de Fevereiro de 2023 Autor: Marcela Belleza

A hipercalcemia é uma complicação de diversas neoplasias, determinando pior prognóstico. Uma diretriz sobre o manejo dessa complicação foi publicada pela Endocrine Society em dezembro de 2022 e aproveitamos para revisar as possibilidades terapêuticas [1].

Mecanismo da hipercalcemia da malignidade e aspectos gerais

Hipercalcemia da malignidade (HCM) é a segunda causa mais comum de hipercalcemia, atrás apenas do hiperparatireoidismo. A HCM é uma complicação relativamente frequente de diversas neoplasias, ocorrendo em 20% a 30% dos pacientes com câncer [2].

Os principais mecanismos que explicam essa entidade estão detalhadas na tabela 1.

Tabela 1
Fisiopatologia da hipercalcemia da malignidade
Fisiopatologia da hipercalcemia da malignidade

Independente da etiologia da HCM, o manejo deve incluir  [3, 4]:

  • Tratamento da neoplasia de base. A terapia oncológica reduz a incidência de HCM.
  • Correção da depleção de volume. Desidratação é comum na HCM. A HCM causa diabetes insipidus nefrogênico, anorexia e vômitos. Recomenda-se hidratação venosa com NaCl 0,9%. Atenção para a monitorização do débito urinário, sinais de congestão e distúrbios hidroeletrolíticos.

O uso de diuréticos de alça não é obrigatório. Estas drogas devem ser reservadas para pacientes com congestão após a expansão volêmica. Mesmo nos que evoluem com congestão, a hidratação deve ser mantida [3].

Se houver urgência dialítica (lesão renal aguda acompanhada de congestão ou hipercalemia refratárias), a diálise com níveis reduzidos de cálcio no dialisato é uma opção terapêutica [3].

Manejo de hipercalcemia da malignidade

Na HCM moderada (cálcio total de até 14mg/dL) ou sintomática, a diretriz recomenda uso de antirreabsortivos. As opções de antirreabsortivos são denosumabe ou bisfosfonatos (BF) intravenosos - como ácido zoledrônico e pamidronato.

A preferência é pelo denosumabe em relação aos BF por sua superioridade nos estudos de profilaxia da HCM e prevenção de desfechos como fraturas, compressão medular ou necessidade de cirurgia [5-7]. Estes achados também permitem extrapolar a ideia de que, em pacientes com HCM refratária aos BF, o denosumabe pode ser tentado.

Pacientes com HCM grave (cálcio total > 14 mg/dL) podem ser manejados com a associação de antirreabsortivos e calcitonina injetável. A calcitonina tem tempo para início de ação mais rápido, porém a droga perde efeito com doses consecutivas, implicando em um período de eficácia entre 48 e 72 horas (fenômeno conhecido como taquifilaxia) [8]. A comercialização de calcitonina foi descontinuada no Brasil.

Manejo de hipercalcemia da malignidade em contextos específicos

Níveis elevados de calcitriol - forma ativa de vitamina D3:

Algumas neoplasias causam hipercalcemia através de níveis elevados de calcitriol.

Os corticóides são a droga de escolha para estes casos, pois inibem a absorção intestinal de cálcio e a enzima 1-α-hidroxilase, responsável pela formação de 1,25 dihidroxi-vitamina D. Em pacientes refratários, a diretriz recomenda associação do corticoide a um antirreabsortivo (denosumabe ou BF) [4, 9].

Carcinoma de paratireoide:

A ressecção cirúrgica é a base do tratamento.

Em pacientes que possuem contraindicação à cirurgia ou que mantêm hipercalcemia mesmo após o procedimento, sugere-se um antirreabsortivo ou um calcimimético. Calcimimético é uma droga que aumenta a sensibilidade do receptor de cálcio da paratireóide ao cálcio, reduzindo a secreção de paratormônio (PTH). Um exemplo de calcimimético é o cinacalcete [10].

A escolha entre essas opções é guiada pela gravidade da hipercalcemia. Há preferência por antirreabsortivos em pacientes sintomáticos ou com cálcio total > 12mg/dL, pois tem ação mais rápida e são melhor tolerados. Existe a possibilidade de associação entre calcimimético e BF se houver refratariedade com a terapia isolada [4, 9].

Tabela 2
Opções terapêuticas na hipercalcemia da malignidade
Opções terapêuticas na hipercalcemia da malignidade

Veja um resumo das opções terapêuticas na tabela 2.

Aproveite e leia:

5 de Agosto de 2024

Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos

Os principais distúrbios eletrolíticos que afetam o eletrocardiograma (ECG) são os distúrbios do potássio, cálcio e magnésio. Essas alterações vão desde achados clinicamente insignificantes até arritmias ameaçadoras à vida. O ECG fornece informações imediatas e respalda condutas de emergência, sem necessidade de aguardar os resultados laboratoriais. O tópico Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos revisa os principais achados eletrocardiográficos nestas condições.

10 de Outubro de 2022

Reposição de Vitamina D

Em julho de 2022, um grande ensaio clínico randomizado sobre vitamina D e desfechos ósseos foi publicado no New England Journal of Medicine. Esse tópico aborda as evidências de reposição de vitamina D e os resultados do estudo VITAL.

12 de Dezembro de 2022

Antibióticos Anti-Anaeróbios e Piores Desfechos Hospitalares

A microbiota intestinal tem um papel de proteção contra os germes patogênicos. O uso de antibióticos contra anaeróbios pode comprometer a microbiota nativa. Nessa linha, esse trabalho de outubro de 2022 publicado no European Respiratory Journal avaliou se a exposição a antibióticos anti-anaeróbios poderia levar a piores desfechos.

13 de Março de 2023

Nefropatia por Contraste

Há décadas, a infusão de contraste iodado tem sido associada a lesão renal aguda. Em janeiro de 2023, a Intensive Care Medicine publicou um estudo sobre nefropatia induzida por contraste em pacientes com lesão renal aguda pré-existente. Aproveitamos a publicação para revisar e atualizar o tema neste tópico.

10 min
Ler Tópico
6 de Junho de 2022

Lesão Renal Aguda Induzida por Drogas

Medicamentos são uma das principais causas de lesão renal aguda, podendo corresponder de 14 a 26% de todas as causas, a depender da coorte. Essa revisão traz as principais drogas, divididas em 3 principais mecanismos: Lesão Tubular, Nefritite Intersticial e Nefropatia por Cristais. Vamos ver os pontos principais: