Hidroxicloroquina nas Doenças Reumatológicas
Em janeiro de 2023, o Annals of Internal Medicine publicou uma coorte de pacientes que utilizam hidroxicloroquina cronicamente e avaliou a incidência de retinopatia [1]. Este tópico traz os achados do estudo e revisa as indicações dessa droga nas doenças reumatológicas e seus eventos adversos.
Quais são as indicações de hidroxicloroquina nas doenças reumatológicas?
A hidroxicloroquina (HCQ) é um dos pilares do tratamento do lúpus. Existe evidência de que a HCQ melhora a sobrevida dos pacientes com lúpus, reduz atividade de doença, diminui dano renal, melhora lesões cutâneas e sintomas articulares e diminui o risco de trombose. Pra saber mais sobre tratamento de lúpus, veja "Nova Medicação para Lúpus Eritematoso Sistêmico".
Para artrite reumatóide, a HCQ é considerada uma droga modificadora de doença (DMARD), conseguindo melhora clínica e laboratorial. A Liga Europeia contra o Reumatismo (EULAR) indica o medicamento em pacientes com formas leve e moderada da doença e que não podem utilizar os três DMARDs principais - metotrexato, leflunomida e sulfassalazina [2].
A droga também tem aplicação em outras doenças reumatológicas. Na dermatomiosite leve, a HCQ pode melhorar sintomas. Em pacientes com síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF), a droga pode ser acrescentada quando ocorre trombose em vigência de anticoagulação. Na síndrome de Sjogren, a HCQ pode ser utilizada para dor articular refratária ao tratamento inicial.
Os comprimidos de HCQ são encontrados na apresentação de 200 a 400mg. A HCQ é a versão hidroxilada da cloroquina, que também está no mercado. Entre as duas, a HCQ possui preferência devido ao menor risco de toxicidades.
Quais são os cuidados?
Dentre os eventos adversos, o mais comum é a retinopatia associada à HCQ, que pode causar perda da visão. Em formas avançadas, o dano costuma ser irreversível. A orientação é manter a dose abaixo de 5 mg/kg e realizar rastreio anual para retinopatia. Essa recomendação é baseada em trabalhos transversais que encontraram maior incidência de retinopatia em quem usava doses superiores a 5mg/kg.
Os principais fatores de risco para a retinopatia descritos pela Sociedade Americana de Oftalmologia (SAO) são:
- Doses altas - especialmente maiores do que 5 mg/kg
- Duração do uso - em doses de 4 a 5 mg/kg, o uso por 10 anos está associado a prevalência de retinopatia de 2%, enquanto o uso por 20 anos está associado a prevalência de 20% [3]
- Disfunção renal
- Uso concomitante de tamoxifeno
- Maculopatia ou retinopatia prévia
Recomenda-se que todo paciente faça uma avaliação oftalmológica no início do tratamento para avaliar a presença de retinopatia prévia. Em pacientes sem fatores de risco, o rastreio de retinopatia deve começar no máximo até 5 anos após o início da HCQ. Em pacientes com fatores de risco, o rastreio deve começar em 1 ano do início do tratamento. Os métodos preferenciais de rastreio são a tomografia de coerência óptica de domínio espectral (OCT) e a campimetria computadorizada [4]. Uma vez iniciado, o rastreio deve ser repetido anualmente.
A cardiotoxicidade da cloroquina/HCQ é manifestada principalmente através de arritmias (como prolongamento do QT ou arritmia ventricular), porém também pode causar cardiomiopatia resultando em insuficiência cardíaca e morte súbita. É um evento adverso raro e a maior preocupação é com pacientes que utilizam outros medicamentos que também podem prolongar o QT ou que já possuem cardiopatias, QT longo ou histórico de arritmia.
A HCQ também pode causar eventos adversos dermatológicos. Uma revisão sistemática encontrou que os eventos adversos cutâneos mais comuns foram rash cutâneo, prurido, pustulose exantemática generalizada aguda (PEGA), síndrome de Stevens-Johnson ou necrólise epidérmica tóxica, perda de cabelo e estomatite [5].
O que o estudo encontrou?
Essa coorte retrospectiva selecionou pacientes em uso de HCQ para lúpus ou outras doenças reumatológicas e que utilizaram a droga por pelo menos 5 anos. O desfecho primário foi a presença de retinopatia por HCQ, diagnosticado pela OCT.
O estudo avaliou 3325 pacientes, a maioria usando HCQ por lúpus ou artrite reumatóide. A incidência cumulativa de retinopatia por HCQ foi de 2,5% em 10 anos de uso e 8,6% em 15 anos de uso.
Analisando pela dose, a incidência aumenta sensivelmente conforme o cálculo por peso: em 15 anos, a incidência cumulativa de retinopatia por hidroxicloroquina foi de 2,7% em quem usava doses menores que 5 mg/kg, chegando a 21,6% em quem usava acima de 6 mg/kg.
Em análise de subgrupo, a incidência também foi maior em pacientes com doença renal crônica e naqueles com mais de 55 anos.
A maior parte dos casos de retinopatia era leve e assintomática. A rara ocorrência da forma grave da doença se deve ao método sensível de rastreio.
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