Tratamento de Esofagite Eosinofílica

Criado em: 13 de Março de 2023 Autor: Joanne Alves Moreira

Em dezembro de 2022, o New England Journal of Medicine (NEJM) publicou um trabalho de fase 3 com o dupilumabe para o tratamento de esofagite eosinofílica [1]. Vamos revisar esofagite eosinofílica e ver o que o estudo acrescenta.

Entendendo a esofagite eosinofílica

A esofagite eosinofílica (EE) é uma doença crônica, caracterizada por inflamação eosinofílica. A patogênese não é completamente compreendida, mas sabe-se que envolve fatores genéticos, ambientais e imunes.

A EE deve ser considerada em adultos com histórico de sensação de impacção alimentar, disfagia persistente, dor em abdome superior ou com doença de refluxo gastroesofágico que não responde à terapia inicial.

Para fazer o diagnóstico de EE é necessário a presença de sintomas e de achados histológicos, além de excluir outras causas que possam ser responsáveis ou contribuir para os sintomas. Assim, para confirmar o diagnóstico é necessário uma endoscopia digestiva alta com 2 a 4 biópsias tanto do esôfago proximal quanto distal [2]. Não é necessário um teste terapêutico com inibidores de bomba de prótons (IBP).

Tabela 1
Achados endoscópicos e histológicos sugestivos de esofagite eosinofílica
Achados endoscópicos e histológicos sugestivos de esofagite eosinofílica

As alterações endoscópicas e histopatológicas comumente encontradas estão na tabela 1. Dentre os achados, a presença de ≥ 15 eosinófilos por campo é um marcador avaliado em vários estudos.

Como é a abordagem inicial?

Existem três opções para o tratamento inicial da EE: terapia dietética, IBP e corticóides tópicos.

Dieta

A dieta é uma opção inicial de tratamento da EE em adultos e crianças. Baseia-se na observação de que os pacientes com EE têm altas taxas de alergias alimentares e que essas alergias podem contribuir para o desenvolvimento da condição.

Orienta-se encaminhar esses pacientes para um alergologista com experiência na avaliação de alergias alimentares. O alergologista deve orientar a terapia dietética, ajudar no tratamento da EE e identificar e tratar condições atópicas extra esofágicas. Sugere-se evitar o consumo dos alimentos alergênicos detectados durante a avaliação.

Existem alguns obstáculos para a restrição dietética. Essa terapia pode levar a problemas psicológicos e aversão desnecessária a alimentos, pode ser difícil de manejar e aumentar os custos. Além disso, é comum os sintomas recidivarem após a descontinuação da dieta.

Inibidor de bomba de prótons (IBP)

Quanto aos IBP, sugere-se o tratamento inicial por 8 semanas. Pode-se iniciar na dose padrão, uma vez ao dia, e em caso de refratariedade após 4 semanas, sugere-se aumentar a dose para 2 vezes ao dia.

Os pacientes são avaliados quanto à melhora sintomática após o curso de 8 semanas de tratamento. Naqueles com boa resposta, continua-se o IBP com a menor dose em que se obteve controle dos sintomas.

Para saber mais sobre indicações de manutenção e desprescrição de IBPs leia o tópico "Desprescrição de inibidores de bomba de prótons".

Corticóides tópicos

A terapia com corticóides também é uma escolha inicial no manejo da EE, porém ressalta-se que aqui são corticóides de ação tópica . Dentro desse grupo, as medicações com maior evidência são a fluticasona e a budesonida [3-5]. Ambas têm eficácia semelhante no tratamento [6].

A fluticasona é administrada utilizando um inalador sem espaçador, sendo pulverizado na boca do paciente e depois engolido. Não deve-se inalar quando o medicamento estiver sendo administrado nem se alimentar por 30 minutos após a administração. Em adultos, recomenda-se a dose de 880 a 1760 mcg ao dia, preferencialmente dividido em 2 tomadas [2].

A budesonida pode ser utilizada por via oral na dose de 2mg ao dia em doses divididas em adultos [2]. Deve-se manter o jejum por 30 minutos após o uso. O tratamento de indução é geralmente realizado por 12 semanas, seguida pela avaliação da resposta clínica.

A dose é reduzida gradualmente após a remissão, com monitorização dos sintomas. Como muitos recorrem, deve-se considerar a terapia de manutenção com os corticoides tópicos ou dieta para todos, principalmente aqueles com disfagia severa ou impactação alimentar, anéis esofágicos de alto grau (“traquealização”) e recaída sintomática/histológica rápida após a terapia inicial [2]. A ausência de sintomas não prevê com segurança a ausência de atividade da doença [7-9].

Os efeitos colaterais relatados com os corticóides tópicos são candidíase esofágica e esofagite herpética.

O que o trabalho acrescenta?

O artigo investigou o dupilumabe no manejo da EE. O dupilumabe é um anticorpo monoclonal humano que bloqueia a sinalização das interleucina-4 e interleucina-13, que têm papéis-chave na EE e também na asma e dermatite atópica.

O estudo foi randomizado e de fase 3, avaliando dois desfechos principais: remissão histológica na semana 24 e mudança de sintomas pelo questionário de sintomas de disfagia (QSD). Adultos e adolescentes foram incluídos.

O trabalho foi realizado em três partes:

  • Parte A: pacientes eram randomizados na proporção 1:1 para receberem dupilumabe subcutâneo 300 mg semanalmente ou placebo.
  • Parte B: pacientes eram randomizados na proporção 1:1:1 para receber ou dupilumabe 300 mg semanalmente ou dupilumabe 300mg a cada 2 semanas ou placebo semanal. Todos os pacientes foram avaliados até a semana 24.
  • Parte C: todos os pacientes que concluíram a parte A passaram a receber dupilumabe 300mg semanal até a semana 52 (parte A-C). A parte C em relação aos pacientes da parte B ainda está em andamento e não foi incluída nesta publicação atual.

Na parte A, a remissão histológica ocorreu em 25 dos 42 pacientes (60%) que receberam dupilumabe semanal e em 2 dos 39 pacientes (5%) que receberam placebo. Na parte B, a remissão histológica ocorreu em 47 de 80 pacientes (59%) com dupilumabe semanal, em 49 de 81 pacientes (60%) com dupilumabe a cada 2 semanas, e em 5 de 79 pacientes (6%) com placebo.

Houve redução significativa do QSD nas partes A e B nos pacientes em uso de dupilumame semanal quando comparados ao placebo. Contudo, não houve mudança significativa no QSD do dupilumabe a cada 2 semanas versus placebo.

Os eventos adversos ocorreram em 10 pacientes. O efeito mais comum foi reação no local de injeção e conjuntivite. Não houve mortes.

Este estudo de fase 3 mostrou que o tratamento semanal com dupilumabe subcutâneo melhorou os resultados histológicos e aliviou os sintomas de esofagite eosinofílica em adultos e adolescentes. A droga é uma opção ainda mais interessante se o paciente possui asma ou dermatite atópica.

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