Transtornos de Personalidade
Pessoas com padrões de comportamento extremos e disfuncionais podem ter um transtorno de personalidade. Nos últimos 6 meses, foram publicadas duas revisões sobre o tema no New England Journal of Medicine (NEJM) e no Journal of The American Medical Association (JAMA) [1, 2]. Esse tópico traz um resumo das principais informações sobre esse tema.
O que é um transtorno de personalidade?
Tendências cognitivas, emocionais e comportamentais de um indivíduo constituem o caráter único de uma pessoa, chamado de personalidade. Algumas pessoas têm padrões de comportamento extremos e disfuncionais, com dificuldades na autorregulação. Essas pessoas têm dificuldades de desempenho no trabalho, na escola e em relacionamentos. Do ponto de vista psiquiátrico, isso configura um transtorno de personalidade [3].
Para caracterizar o diagnóstico, é obrigatório que o padrão se desvie muito em relação ao que é esperado culturalmente e que cause prejuízo funcional ou sofrimento significativos. Além disso, o comportamento precisa ser estável e de longa duração. Ocorrência concomitante de outros transtornos mentais é comum e precisa ser avaliada.
É importante coletar informações junto aos familiares e pessoas que convivem com o paciente, pois em algumas situações o paciente pode não perceber que certos comportamentos são um problema e não relatá-los durante as consultas.
Quais são os transtornos de personalidade?
Existem duas formas de abordar os transtornos de personalidade.
A abordagem categórica classifica os transtornos em síndromes clínicas distintas. O DSM-5 descreve 10 categorias que podem ser vistas na tabela 1.
O problema com essa abordagem é que os critérios são arbitrários e não levam em consideração a diversidade e a gravidade dos sintomas. Muitos pacientes podem apresentar sintomas que se encaixam em mais de um transtorno ou apresentar traços de personalidade disfuncionais que não se encaixam em nenhuma das categorias existentes. Além disso, essa classificação tem uma capacidade limitada de prever a eficácia do tratamento a partir do diagnóstico do transtorno.
A abordagem dimensional é a segunda forma de classificação. Essa abordagem leva em consideração que há um espectro entre personalidades normais e anormais e descreve os funcionamentos da personalidade em um gradiente de gravidade. Os transtornos são caracterizados por prejuízos no funcionamento e por traços de personalidade patológicos (tabela 2).
O DSM-5 traz um sistema diagnóstico novo, chamado de alternativo, que combina as duas abordagens, categórica e dimensional. O CID-11 segue a linha desse modelo, mas descarta todas as categorias de transtornos, menos o transtorno de personalidade borderline.
Transtorno de personalidade borderline
Esse é o transtorno de personalidade mais diagnosticado no cenário clínico e o que tem a melhor qualidade de evidência na literatura.
Esse transtorno é caracterizado por um padrão persistente de mudanças abruptas na autoimagem, relações interpessoais e afetos, além de impulsividade acentuada. O paciente tem autoimagem, metas de vida e valores instáveis. Há comprometimento na habilidade de reconhecer sentimentos e necessidades dos outros (empatia) e os relacionamentos são conflituosos, instáveis e intensos.
O padrão mais comum é o de instabilidade crônica no início da vida adulta, com episódios graves de descontrole afetivo e impulsivo. Há uma oscilação entre extremos de idealização (visões positivas de si e dos outros) e desvalorização (visões negativas de si e dos outros).
Tipicamente a pessoa tem intensa ansiedade e irritabilidade. Outros sintomas são raiva intensa, sentimento de vazio crônico, comportamento suicida recorrente, automutilação, esforços extremos para evitar ser abandonado e, transitoriamente, ideação paranóide ou sintomas dissociativos graves relacionados a estresse.
É comum o paciente manifestar outros transtornos mentais como ansiedade, transtornos do humor, transtorno do uso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático.
A tabela 3 traz sugestões do artigo do JAMA de como abordar a condição na atenção primária e a tabela 4 algumas perguntas que auxiliam no diagnóstico.
A prevalência de transtorno de personalidade borderline é estimada em torno de 2% da população. O impacto na vida das pessoas é muito grande. Apenas 16% das pessoas com borderline relataram ter um parceiro e somente 35% tinham bom desempenho no trabalho ou escola. A taxa média de suicidio é de 4% e mais de 75% dos pacientes com o transtorno tentaram se suicidar.
Não existe um modelo neurobiológico que explique o transtorno de personalidade borderline. Parece haver interações entre fatores genéticos e ambientais, como negligência emocional, maus tratos na infância e educação dura e insensível dos pais.
O tratamento deve ser feito com psicoterapia, que parece ser efetiva, segundo revisão recente da Cochrane [4]. Existem diversos protocolos desenvolvidos e os mais utilizados são a terapia comportamental dialética e a terapia baseada na mentalização. Medicamentos não são eficazes para esse transtorno. Os medicamentos devem ser indicados apenas para tratar sintomas ou outros transtornos coexistentes como depressão, ansiedade, impulsividade e psicose.
A gravidade do quadro tende a diminuir com o tempo, com taxas de remissão em torno de 50% a 60%.
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