Hiperuricemia Assintomática e Alopurinol

Criado em: 13 de Junho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Alopurinol para controle de ácido úrico em pacientes com gota é bem estabelecido. A controvérsia começa no controle da hiperuricemia em pacientes assintomáticos. Pegando carona em um estudo recente sobre o tema, vamos revisar as evidências sobre esse tópico [1].

O que é hiperuricemia assintomática?

De maneira geral, a hiperuricemia assintomática (HA) é definida por níveis de ácido úrico maiores que 7 mg/dL, na ausência de gota ou doença renal por ácido úrico. HA está associada com doenças renais, cardiovasculares e metabólicas. Apesar da associação, não é possível afirmar com certeza que o ácido úrico causa ou agrava essas condições.

Tabela 1
Causas de aumento de ácido úrico
Causas de aumento de ácido úrico

Há também uma possível relação inversa entre hiperuricemia e doenças neurológicas degenerativas (doença de Parkinson e Alzheimer).

Causas de hiperuricemia podem ser vistas na tabela 1.

Como fazer a Investigação?

Dosagem de ácido úrico não deve ser feita de rotina como rastreio populacional. Contudo, é frequente encontrar pacientes com ácido úrico elevado na prática ambulatorial. O primeiro passo é realizar uma nova dosagem com intervalo de pelo menos uma semana para confirmar a alteração.

História e exame físico devem procurar manifestações de doenças por urato (gota e nefropatia) e causas de hiperuricemia. A maioria dos pacientes tem um dos fatores da tabela 1. Doenças linfoproliferativas podem elevar a uricemia. É importante atentar para essa possibilidade em níveis bastante elevados sem uma clara explicação.

Em homens com menos de 25 anos e mulheres antes da menopausa com níveis elevados sem uma explicação clara, a investigação pode prosseguir. A determinação da fração de excreção de ácido úrico na urina (FEur) auxilia na determinação do mecanismo da elevação. FEur alta (> 10%) sugere excesso de produção, já FEur baixa (< 6%) indica redução da excreção.

Como é o Manejo?

Todos os pacientes com hiperuricemia devem ser informados sobre medidas não farmacológicas que reduzem os níveis de ácido úrico. As medidas são:

  • Redução do índice de massa corporal
  • Redução da ingestão de álcool
  • Evitar bebidas adoçadas artificialmente
  • Realizar exercícios regulares

Ao escolher anti-hipertensivos, levar em consideração os que reduzem a uricemia. Anti-hipertensivos que reduzem a uricemia são losartana e bloqueadores dos canais de cálcio. Outros bloqueadores do receptor de angiotensina II, excetuando a losartana, não reduzem a uricemia.

De maneira geral, terapia hipouricemiante com alopurinol não é recomendada para pessoas com HA. Um estudo de 2017 não encontrou benefício de terapia hipouricemiante no manejo da pressão arterial. Na mesma linha, dois ensaios clínicos publicados no New England Journal of Medicine em 2020 foram negativos. Os estudos CKD-FIX e PERL utilizaram alopurinol em pacientes com doença renal crônica (DRC) e não conseguiram reduzir a progressão da DRC [2, 3].

Particularidades do alopurinol

O alopurinol é a droga mais utilizada para manejo dos níveis de ácido úrico. A medicação reduz a produção de AU inibindo a enzima xantina oxidase. Apesar de não ser recomendada para pessoas com HA, é comum encontrar pacientes em uso da medicação sem uma indicação clara. Assim, é importante conhecer algumas peculiaridades da medicação.

Alopurinol deve ser iniciado em baixa dosagem (100 mg), com incrementos ao longo das semanas. Em pacientes com DRC, a dose inicial deve ser menor.

Efeitos colaterais graves são descritos com alopurinol, apesar de incomuns. Lesões cutâneas, trombocitopenia, leucopenia e diarréia ocorrem em 3 a 5% dos pacientes. Reações cutâneas graves, incluindo a síndrome DRESS (rash por droga, eosinofilia e sintomas sistêmicos), ocorrem com mais frequência em pessoas com o alelo HLA B*58:01. Pacientes chineses, tailandeses, coreanos e negros americanos tem maior chance de possuírem esse alelo. Várias sociedades recomendam rastrear esses pacientes para a presença do alelo antes de iniciar a medicação. Diuréticos e DRC também são fatores de risco para lesões cutâneas graves.

Alopurinol intensifica o efeito imunossupressor de azatioprina e aumenta a chance de lesão cutânea por ampicilina.

Aproveite e leia:

19 de Maio de 2025

Vaginose Bacteriana: Diagnóstico, Manejo e Tratamento do Parceiro

Queixas de corrimento vaginal são comuns e podem estar associados ao aumento do risco de infecções sexualmente transmissíveis e complicações na saúde reprodutiva. Um ensaio clínico publicado no New England Journal of Medicine em 2025 encontrou benefícios no tratamento do parceiro sexual masculino para reduzir a recorrência da vaginose nas mulheres. Esse tópico revisa o tema e traz os resultados do estudo.

30 de Janeiro de 2023

Atualização KDIGO 2022 de Manejo de Diabetes na Doença Renal Crônica

Em novembro de 2022, o Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO) publicou uma diretriz sobre manejo de diabetes mellitus em pessoas com doença renal crônica. Dividimos os principais pontos práticos dessa atualização em três categorias: medicações de primeira linha, controle glicêmico e controle de proteinúria.

1 de Maio de 2023

Anticoagulação na Síndrome Antifosfolípide

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença autoimune caracterizada por eventos trombóticos recorrentes e uma das bases do manejo é a anticoagulação. Em 2022 foi publicada uma metanálise no Journal of the American College of Cardiology sobre o uso de anticoagulantes diretos na SAF. Nesse tópico revisamos o tema e trazemos o que esse estudo acrescentou.

13 de Abril de 2022

Diretriz de Insuficiência Cardíaca AHA 2022

Em primeiro de abril foi divulgada a nova diretriz de Insuficiência Cardíaca (IC) da American Heart Association (AHA). O documento consolida várias descobertas recentes e traz nova ótica sobre pontos antigos. Aqui vão quatro tópicos de destaque do documento:

16 de Outubro de 2023

Reposição de Potássio

A hipocalemia é uma alteração eletrolítica frequente e que pode causar repercussões graves. A reposição de potássio exige cuidados para ser segura e efetiva. Este tópico revisa o tema.