Intoxicação por Antidepressivos e Síndrome Serotoninérgica
Um medo nos pacientes que ingerem altas doses de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) é a ocorrência de síndrome serotoninérgica. Um estudo publicado em novembro de 2022 da revista Clinical Toxicology avaliou o desenvolvimento de síndrome serotoninérgica após a ingestão de elevadas doses de ISRS [1]. Este tópico revisa o tema e traz os resultados do estudo.
Intoxicação por inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS)
Os ISRS raramente causam complicações mesmo quando ingeridos em altas doses. A intoxicação intencional costuma ser mais grave que acidental, particularmente quando há coingestão de outras substâncias.
As complicações mais graves são síndrome serotoninérgica, alargamento do intervalo QT e convulsões. O citalopram parece ser o ISRS mais tóxico quando ingerido em altas doses, especialmente pela maior chance de alargar o QT e causar distúrbios de condução [2].
Apesar de seguros, a incidência de síndrome serotoninérgica pode passar de 10% na overdose de ISRS [2]. Sinais de síndrome serotoninérgica sempre devem ser procurados nesse cenário e sua ausência/presença documentada em prontuário. Todos os pacientes com overdose de ISRS devem ter um eletrocardiograma com medição do intervalo QT no pronto-socorro.
O alargamento do intervalo QT pode ser tratado com a infusão de bicarbonato de sódio. Se houver estreitamento do intervalo após a infusão rápida de 1 a 2 mEq/kg, recomenda-se manter uma infusão contínua de bicarbonato. Sulfato de magnésio está indicado se ocorrer torsades de pointes.
Síndrome serotoninérgica
Síndrome serotoninérgica (SS) é uma consequência de excesso de agonismo serotoninérgico no sistema nervoso central e na periferia. Um caso mundialmente conhecido de provável síndrome serotoninérgica letal é o da paciente Libby Zion, que impactou nas residências médicas de vários países.
Atualmente, os ISRS são os medicamentos mais implicados no desenvolvimento da síndrome. Essa complicação pode ocorrer em três situações principais:
- Durante uso terapêutico, após um aumento de dose
- Após interações medicamentosas
- Após ingestão intencional de altas doses
O potencial de interações medicamentosas é maior em idosos, que comumente usam muitas medicações contínuas. O tramadol possui ação serotoninérgica e pode causar síndrome serotoninérgica isoladamente ou em combinação [3]. Uma lista com medicações serotoninérgicas pode ser vista na tabela 1.

A maior parte dos casos é precoce, ocorrendo em até 24 horas de mudança de dose ou início de alguma droga. Alterações laboratoriais inespecíficas podem ocorrer, como leucocitose (dificultando a diferenciação com sepse, especialmente se houver hipertermia), elevação de creatinofosfoquinase e redução de bicarbonato.
O diagnóstico de síndrome serotoninérgica é clínico. Não existe exame laboratorial para o diagnóstico e dosagem sérica de serotonina ou de ISRS não são úteis. O subdiagnóstico é comum, podendo ser confundida com encefalopatias metabólicas e síndromes infecciosas [4]. O algoritmo utilizado para o diagnóstico é o do critério de Hunter (fluxograma 1).

O tratamento se baseia em:
- Suspender e evitar qualquer substância com potencial serotoninérgico
- Tratamento de suporte para complicações (intubação, correção de sinais vitais, tratamento de rabdomiólise)
- Sedação com benzodiazepínicos
- Administração de antagonista serotoninérgico - ciproeptadina
Não existe comprovação rigorosa de ensaios clínicos da eficácia de ciproeptadina, porém múltiplos relatos de caso e evidência indiretas favorecem o uso [5-7]. O momento de iniciar ciproeptadina não é definido, mas pode ser utilizada se não houver resposta com terapia de suporte e benzodiazepínicos. Pode ser feita uma dose inicial de 12 mg seguida por doses adicionais de 2 mg a cada duas horas até uma resposta adequada.
O que o estudo encontrou?
O estudo foi uma coorte retrospectiva de um centro de toxicologia. Foram analisados dados de 23 anos, incluindo 1978 overdoses por antidepressivos ISRS e duais.
A síndrome serotoninérgica ocorreu em 13% dos episódios de overdose. A probabilidade de síndrome serotoninérgica aumenta se a dose de antidepressivo for maior e aumenta levemente se forem utilizados duais. A probabilidade da síndrome é menor em pacientes mais jovens e quando há coingestão com os antipsicóticos olanzapina e risperidona.
Os resultados mostram que síndrome serotoninérgica é relativamente comum após overdose de antidepressivos e deve ser ativamente procurada nesse cenário.
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