Diretriz de Alergia a Penicilina
Alergia a penicilina pode levar a prescrição de antibióticos mais tóxicos e menos efetivos, podendo dificultar o tratamento de infecções graves. Em abril de 2023 foi publicada no Clinical Microbiology and Infection uma diretriz para abordagem de alergia a penicilina [1]. Este tópico revisa o assunto e traz a abordagem da diretriz.
Diferença entre reação adversa e alergia a medicamento
As reações adversas a medicamentos podem ser divididas em dois tipos principais [2]:
- Tipo A: reações previsíveis, relacionadas à dose e tempo de exposição à droga, específicas de cada medicação. Alguns exemplos são diarreia com amoxicilina, nefrotoxicidade com aminoglicosídeo e prolongamento de intervalo QT com macrolídeos.
- Tipo B: reações imprevisíveis que não são diretamente associadas ao mecanismo de ação do medicamento. Também são conhecidas como reações de hipersensibilidade. Exemplos dessa categoria são anafilaxia, DRESS (sigla para drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms) e nefrite intersticial alérgica.
As reações adversas do tipo B que são imunomediadas são chamadas de alérgicas. Já as reações do tipo B não imunomediadas são chamadas de pseudoalérgicas. Exemplos de reações pseudoalérgicas são a síndrome de infusão de vancomicina (conhecida como síndrome do homem vermelho) e a rinossinusite e asma induzidas por anti-inflamatórios não esteroidais.
As reações alérgicas podem ser divididas em imediatas e tardias, conforme a velocidade do início dos sintomas:
- Imediatas: sintomas surgem em até uma hora do uso da medicação. Algumas reações podem ocorrer um pouco depois de uma hora, especialmente com medicações administradas por via oral. Considerando essa variação, alguns trabalhos estendem o tempo para até seis horas. Neste grupo estão as reações de hipersensibilidade do grupo I de Gell e Coombs. A anafilaxia é um exemplo de reação alérgica imediata
- Tardias: sintomas surgem após uma hora do uso da medicação, mas podem ocorrer após vários dias ou semanas. Nessa categoria são incluídas as reações de hipersensibilidade dos grupos II, III e IV de Gell e Coombs. A DRESS é um exemplo de reação tardia.
Alergia a penicilina
Alergia a penicilina é a alergia medicamentosa mais comum em estudos com a população dos Estados Unidos, identificada em 6% a 25% dos prontuários [3]. Dos pacientes com rótulo de alergia a penicilina, apenas 2% a 10% tem a alergia confirmada em testes cutâneos [4, 5]. O rótulo de alergia a penicilina está associado ao uso de antibióticos de amplo espectro de forma desnecessária, aumento de resistência antimicrobiana, uso de tratamentos menos eficazes e mais efeitos adversos [5].
Mesmo em pacientes que tiveram reação alérgica a penicilinas, há diminuição da reatividade com o tempo. Após cinco anos de uma reação à penicilina, apenas 33% dos pacientes mantém teste cutâneo positivo e 22% mantém após dez anos [6, 7]. Um fenômeno semelhante é visto com as cefalosporinas [8].
Em 2020 foi publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) a ferramenta clínica PEN-FAST com a proposta de identificar alergia a penicilina [9]. A ferramenta é composta de dois critérios maiores e um critério menor (tabela 1).

A PEN-FAST foi validada em estudos retrospectivos em populações da Austrália, EUA e França. O corte de < 3 pontos para considerar baixo risco de alergia a penicilina apresentou sensibilidade de 56 a 100% e valor preditivo negativo de 84,9 a 100% [9-11]. Atualmente há um estudo clínico multicêntrico internacional e randomizado em curso para avaliar a ferramenta [12].
Reação cruzada com outros beta-lactâmicos
O grupo dos beta-lactâmicos inclui as penicilinas, as cefalosporinas, os carbapenêmicos e os monobactâmicos (aztreonam). Em pacientes com alergia a um beta-lactâmico, a chance de uma reação cruzada com outro beta-lactâmico está relacionada à similaridade de uma estrutura química chamada cadeia R1. Em pacientes com alergia a penicilina, a probabilidade de reação cruzada com cefalosporinas com similaridade na cadeia R1 é de 5% a 17%, comparada a menos que 1% com cefalosporinas de cadeias diferentes [1, 13]. A frequência de reação cruzada com carbapenêmicos é menor que 1% e com aztreonam é de 0%. Esses dados são de estudos que avaliaram principalmente reações imediatas e reações tardias leves.

Como exemplo, em um paciente com alergia a amoxicilina, há risco de reação cruzada com cefalexina e cefadroxila, mas cefazolina e ceftriaxona não têm cadeia semelhante. Na tabela 2 estão listadas as reações cruzadas.
Algoritmo de alergia a penicilina
Em 2023 foi publicado no Clinical Microbiology and Infection uma diretriz holandesa sobre alergia a penicilina [1]. Nessa publicação foi proposto um algoritmo de como lidar com pacientes com histórico de alergia a penicilina. O fluxograma 1 expõe esse algoritmo.

A primeira etapa do algoritmo é avaliar o histórico da reação alérgica. O objetivo nessa etapa é descartar as reações tipo A, caracterizar as reações tipo B em imediatas ou tardias e classificar a gravidade. Um exemplo de reação grave imediata é a anafilaxia, já de reação grave tardia alguns exemplos são DRESS, Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica. A tabela 3 lista critérios para considerar uma reação alérgica como grave.

Em pacientes com histórico de reação imediata grave, a recomendação é evitar penicilinas e cefalosporinas de cadeia semelhante. Para reações imediatas não graves que ocorrem há menos de cinco anos, a recomendação é a mesma, e as penicilinas e cefalosporinas de cadeia semelhante também devem ser evitadas. Em reações imediatas não graves que ocorreram há mais de cinco anos, penicilinas e cefalosporinas semelhantes podem ser usadas em ambiente controlado. Outros beta-lactâmicos podem ser utilizados.
Em pacientes com reações tardias graves a recomendação é evitar todos os beta-lactâmicos. Em pacientes com reações tardias não graves que ocorreram há menos de um ano, deve-se evitar penicilinas e cefalosporinas com cadeia similar. Em pacientes com reações tardias não graves há mais de um ano, qualquer beta-lactâmico pode ser usado.
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