Como Fazer

Controle Farmacológico de Frequência Cardíaca na Fibrilação Atrial

Criado em: 07 de Agosto de 2023 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno

O controle da frequência cardíaca na fibrilação atrial é parte essencial do manejo. O controle de frequência reduz a incidência de taquicardiomiopatia e diminui sintomas. Esse tópico do "como fazer" revisa o controle farmacológico de frequência cardíaca na fibrilação atrial.

Abordagem Inicial

O manejo do paciente com fibrilação atrial (FA) e taquicardia passa por três etapas:

  1. Definição da necessidade de urgência do tratamento
  2. Escolha entre controle de frequência cardíaca ou controle de ritmo
  3. Avaliação da existência de pré-excitação ventricular

A urgência do tratamento pode ser dividida em três cenários: instabilidade hemodinâmica; sem sinais de instabilidade, mas frequência cardíaca (FC) maior que 120 bpm; sem sinais de instabilidade e FC menor que 120 bpm. Nos pacientes instáveis, o tratamento é a cardioversão sincronizada. Aqueles com frequência maior que 120 bpm ou com sintomas devem ser medicados na emergência. Pacientes com frequência abaixo de 120 bpm podem ser tratados ambulatorialmente.

A longo prazo, a FA pode ser tratada com duas estratégias: controle de frequência ou controle de ritmo. A primeira opção tem como objetivo reduzir a frequência cardíaca do paciente, sem tentar ativamente reverter o ritmo para sinusal. Em pacientes estáveis que se apresentam na emergência, pode ser optado inicialmente pelo controle de frequência e em um segundo momento avaliar a transição para controle de ritmo. Alguns pacientes revertem para ritmo sinusal espontaneamente. O controle de ritmo irá modificar o ritmo do paciente de FA para sinusal. Essa mudança aumenta transitoriamente o risco de fenômenos embólicos, como AVC.

A ocorrência de FA deve motivar uma procura ativa de sinais de pré-excitação ventricular. Medicamentos usados para controle de ritmo ou frequência na FA podem causar aumento paradoxal da frequência ventricular em pacientes com pré-excitação, como na síndrome Wolff-Parkinson-White. Isso ocorre por bloqueio do nó atrioventricular, com a condução passando a ocorrer pelo feixe acessório. O feixe acessório tem um período refratário menor que o nó atrioventricular, permitindo a passagem de mais estímulos atriais aos ventrículos. Nesses pacientes, a cardioversão pode ser utilizada.

Controle da frequência na emergência: primeira escolha

As três opções para controle de frequência da FA na emergência são betabloqueadores (BB), bloqueadores de canal de cálcio não diidropiridínicos (BCC) e digitálicos (como digoxina e deslanosídeo). Pacientes sem insuficiência cardíaca (IC) têm como escolha os BB e BCC. Possuem efeito em menos de dez minutos, enquanto o início de ação da digoxina demora cerca de uma hora. A tabela 1 reúne as doses dessas medicações.

Tabela 1
Opções para controle farmacológico de frequência cardíaca na fibrilação atrial
Opções para controle farmacológico de frequência cardíaca na fibrilação atrial

Uma metanálise de 2022 comparou metoprolol e diltiazem intravenosos para o controle de FA de alta resposta ventricular [1]. Nessa análise, o diltiazem teve maior eficácia de controle de frequência e atingiu esse desfecho em menor tempo. Não foi observada diferença em eventos adversos.

A presença de IC com fração de ejeção reduzida limita o uso de BCC e na IC descompensada os BB são contraindicados. Nesses casos, os digitálicos são uma opção. Pacientes com disfunção renal têm maior risco de intoxicação por digitálicos.

Controle da frequência na emergência: não respondedores

Cerca de 20% dos pacientes podem não responder à terapia única e necessitam de combinação de medicações. Associar BB e BCC é uma opção. Outras alternativas são os digitálicos, amiodarona e sulfato de magnésio.

A amiodarona é um antiarrítmico utilizado no controle de ritmo, mas pode ser utilizada para redução de frequência. A European Society of Cardiology (ESC) cita a amiodarona para controle de frequência apenas como última estratégia [2].

O sulfato de magnésio para controle de FC na FA foi avaliado no estudo LOMAGHI [3]. Os pacientes foram randomizados para receber sulfato de magnésio em dose alta (9 g), dose baixa (4,5 g) ou placebo. A maioria recebeu outros medicamentos para controle de frequência, escolhidos pelo médico assistente. As duas doses de magnésio foram similares entre si e superiores ao placebo no controle de FC. A dose de 4,5 g teve menos eventos adversos, como hipotensão e flush transitório. Foram excluídos pacientes com IC classe funcional III e IV e aqueles com hipotensão.

Na FA permanente, pode-se tolerar FC de até 110 bpm na maioria dos pacientes. Esse alvo é baseado no trabalho RACE II [4]. No estudo, foram avaliadas estratégias de controle de FC mais intensivas (abaixo de 80 bpm) e mais permissivas (abaixo de 110 bpm). Não houve diferença entre os grupos nos desfechos analisados de mortalidade, AVC e complicações de arritmias.

A diretriz da ESC sugere a escolha pelo controle mais intensivo em três populações: pacientes com taquicardia sintomática; em uso de terapia de ressincronização miocárdica; pacientes com diagnóstico de taquicardiomiopatia [2].

Controle da frequência ambulatorial

Para controle ambulatorial de FC podem ser usados BB, digitálicos ou BCC. O estudo AFFIRM comparou a estratégia de controle de ritmo versus controle de frequência na FA e uma análise post-hoc desse trabalho avaliou apenas as medicações utilizadas na estratégia de controle de FC [5, 6]. O controle de FC foi atingido em 59% dos pacientes em uso de BB, 58% no grupo com digitálicos e 38% com BCC. Após cinco anos de acompanhamento, a necessidade de troca de classe medicamentosa foi menor no grupo com BB.

Os BB são os medicamentos de escolha em pacientes com antecedente de infarto agudo do miocárdio ou IC devido aos benefícios estabelecidos nessas condições.

Em pacientes que não toleram BB, pode-se tentar os BCC. Duas situações devem ser monitoradas com o uso de BCC: taquicardia reflexa, por causa do efeito vasodilatador, e piora de débito cardíaco em pacientes hipotensos ou com IC, pelo efeito inotrópico negativo. Por esse motivo, BCC não devem ser usados em pacientes com IC com classe funcional NYHA III e IV.

Caso a FC não seja controlada com um dos medicamentos acima, as seguintes estratégias podem ser usadas:

  • Combinação das drogas (BB e BCC). Essa opção pode ser limitada pelas comorbidades do paciente.
  • Associação a digoxina. Bradicardia, hipotensão e intoxicação devem ser monitoradas.
  • Troca de estratégia, para controle de ritmo. Podem ser necessárias técnicas invasivas de controle de ritmo, como ablação.

O uso isolado de amiodarona ou digitálico é possível, mas deve ser reservado como última linha no controle ambulatorial da frequência cardíaca na FA.

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