Transfusão de Plaquetas Antes do Acesso Venoso Central
A garantia da agregação plaquetária é essencial para a segurança de procedimentos como a passagem de cateter venoso central. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em maio de 2023 avaliou a transfusão de plaquetas antes da punção de um cateter venoso central [1]. Este tópico revisa as indicações e orientações na transfusão de plaquetas e traz os resultados do estudo.
Indicações da transfusão de plaquetas
As orientações para transfusão de plaquetas organizam as indicações de acordo com três cenários: pacientes com sangramento ativo; antes de procedimentos invasivos ou para prevenir sangramento espontâneo (veja tabela 1) [2-6].
Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) e trombocitopenia induzida por heparina (HIT) são situações que consomem plaquetas aumentando o risco de sangramento. Ao mesmo tempo, o consumo de plaquetas nessas situações aumenta o risco de tromboses. A transfusão de plaquetas pode elevar o risco de tromboses nessas doenças, motivo pelo qual é relativamente contra-indicada. Se o paciente tem um sangramento ativo e plaquetopenia, mesmo nessas situações a transfusão está indicada e o auxílio de especialistas é recomendado [4].
Orientações para transfusão de plaquetas
O banco de sangue pode obter as plaquetas por aférese ou pelo derivado de sangue total. A capacidade hemostática é semelhante entre os métodos; a vantagem da aférese é receber de um único doador, reduzindo os riscos de incompatibilidade e reações transfusionais [6].
Ao solicitar a transfusão de plaquetas, a quantidade é estabelecida pelo método que as plaquetas foram coletadas. Nas plaquetas adquiridas por aférese, uma unidade é a dose habitual. Quando as plaquetas são retiradas do sangue total, a dose é de uma unidade do derivado de sangue total a cada 10 kg de peso corporal. Isso corresponde a 4 a 6 unidades de plaquetas [2, 4].
Nos dois métodos, os leucócitos estão juntos das plaquetas. Isso propicia a transmissão do citomegalovírus (CMV), reação transfusional febril não hemolítica e aloimunização de anticorpos por incompatibilidade do antígeno leucocitário humano (HLA). Para minimizar esses riscos, pode-se realizar a filtragem do componente, reduzindo a quantidade de leucócitos (leucorredução) [7, 8]. Mesmo com a filtragem, alguns leucócitos permanecem e podem causar doença do enxerto versus hospedeiro - leucócitos do doador reagindo com o paciente que recebeu o componente. A irradiação do componente reduz esse risco e está indicada para pacientes imunossuprimidos [9].
O estudo PACER
O risco de sangramento na punção de cateter venoso central (CVC) reduziu após a adoção do ultrassom para guiar o procedimento, mas ele ainda existe, especialmente quando há plaquetopenia. Recomenda-se transfusão profilática de plaquetas antes da punção quando a plaquetometria é menor que 20.000 a 50.000/microL, porém com evidência de baixa qualidade.
O estudo PACER avaliou se evitar a transfusão profilática antes de um CVC em pacientes com plaquetopenia resultaria em um aumento significativo de sangramentos. O trabalho foi de não inferioridade, recrutando pacientes em dez hospitais dos Países Baixos [1]. Os pacientes estavam internados em UTI ou na enfermaria de hematologia e deviam ter plaquetometria entre 10.000 e 50.000/microL. Os participantes eram randomizados para receber ou não concentrado de plaquetas antes da punção de CVC. Todos os procedimentos foram guiados por ultrassonografia e os médicos deviam ter histórico de pelo menos 50 inserções de CVC.
O desfecho primário avaliado foi sangramento graus 2 a 4 (vide tabela 2) dentro das 24 horas após a colocação do CVC. A margem de não inferioridade proposta foi de um aumento de 2,5% absoluto no risco de sangramento, o que determina um risco relativo de até 3,5. Essa margem de não inferioridade de 3,5 foi proposta com base em um trabalho de transfusão profilática de plasma [10].
A análise final foi com 373 passagens de CVC. O desfecho primário ocorreu em 4,8% no grupo transfusão e 11,9% no grupo sem transfusão, com risco relativo de 2,45 (intervalo de confiança 1,27 a 4,70). Como a margem superior do intervalo de confiança (4,7) ultrapassou a margem de não inferioridade de 3,5, não foi possível estabelecer a não inferioridade da estratégia de evitar transfusões profiláticas.
Não houve sangramento grau 4 em nenhum grupo. Sangramentos grau 3 ocorreram menos no grupo transfusão (2,1% vs. 4,9%) com risco relativo de 2,43 (IC 0,75 a 7,93). A mortalidade foi semelhante entre os grupos.
Mais de um terço das punções foram feitas na veia subclávia, um sítio costumeiramente evitado em pacientes com coagulopatia. Pelos resultados, esse sítio parece ter tido uma influência importante nos sangramentos. Não foram necessários procedimentos cirúrgicos ou radiológicos para conter os sangramentos grau 3. Outro ponto é a análise conjunta de pacientes da hematologia e UTI, sendo que pacientes da hematologia tendem a sangrar com níveis plaquetários mais altos por conta de outros distúrbios hemostáticos.
Os autores sugerem cautela ao interpretar os resultados. Recomendam transfusão profilática em plaquetometria menor que 30.000/microL, especialmente nos pacientes da hematologia. Já nos pacientes de UTI, níveis de plaquetometria mais baixos podem ser tolerados, já que sangram menos e estão em um ambiente mais observado. A passagem de cateteres tunelados (por exemplo permcath) exige níveis mais altos, já que tendem a sangrar mais.
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