Tratamento da Coronária Não Culpada no Infarto Agudo do Miocárdio
O tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM) envolve a revascularização da coronária acometida. Ainda há dúvidas sobre o manejo de estenoses em coronárias não envolvidas no IAM. O congresso da European Society of Cardiology (ESC) de 2023 trouxe resultados de dois estudos sobre esta situação [1, 2]. Este tópico revisa o tema e traz um resumo dos estudos.
O que é a coronária não culpada?
Na avaliação de uma síndrome coronariana aguda, o cateterismo busca encontrar uma estenose na artéria responsável pela irrigação da área isquêmica (coronária culpada). No paciente com infarto agudo do miocárdio (IAM), podem ser encontradas estenoses em coronárias não envolvidas na área isquêmica (coronária não culpada). Em geral, lesões causando estenose de pelo menos 50% são consideradas significativas, especialmente valores acima de 70%.
Além da avaliação visual durante o cateterismo, métodos fisiológicos podem ser usados para avaliar a estenose coronariana. O fractional flow reserve (FFR) é o método fisiológico mais usado, que considera a pressão pré e pós estenose. A razão estimada pelo FFR abaixo de 0,80 indica que a estenose está causando isquemia. A evidência para uso do FFR é maior na doença coronariana crônica e sua aplicação no contexto de síndrome coronariana aguda não é consensual.
O trabalho COMPLETE sugeriu que o tratamento de todas as coronárias doentes reduz eventos cardiovasculares [3]. Neste estudo, foram randomizados 4041 pacientes com IAM com supra de ST, hemodinamicamente estáveis, para a estratégia de tratamento de todas as lesões ou exclusivamente da coronária culpada.
Em pacientes instáveis, com choque cardiogênico, o CULPRIT-SHOCK encontrou resultados diferentes do COMPLETE [4]. Os desfechos foram melhores no grupo que tratou apenas a lesão culpada no primeiro momento.
Uma subanálise do estudo FAME usou o FFR para avaliar o significado clínico das estenoses encontradas no cateterismo [5]. As lesões de 50 a 70% no cateterismo foram consideradas significativas em apenas 35% dos casos após análise do FFR. Das obstruções de 71 a 90% ao cateterismo, 80% foram consideradas significativas.
O melhor momento para o tratamento da estenose de coronária não culpada e o benefício desta intervenção em populações específicas (como os idosos) foram estudados recentemente.
MULTISTARS AMI: qual é o melhor momento para tratar a coronária não culpada?
O estudo MULTISTARS AMI avaliou a melhor estratégia de angioplastia em pacientes estáveis com IAM com supra de ST associado a estenose maior que 70% em coronária não culpada [1].
Foram randomizados 840 pacientes para dois grupos. No grupo imediato, as lesões eram tratadas no mesmo momento da coronária culpada. O segundo grupo recebeu tratamento em etapas, inicialmente tratando a coronária culpada e, 19 a 45 dias após, as demais lesões.
O desfecho primário foi um composto de mortalidade, IAM, acidente vascular cerebral, revascularização coronariana não planejada e hospitalização por insuficiência cardíaca, avaliado em até um ano após a randomização.
A média de tempo para o tratamento da coronária não culpada no segundo grupo foi de 37 dias. Dois por cento desses pacientes já haviam recebido alta quando receberam a segunda intervenção.
O desfecho primário ocorreu em 16% dos pacientes tratados em duas etapas, em comparação a 8% no grupo de tratamento imediato, uma diferença que teve significância estatística. Os principais eventos foram infarto e revascularização não planejada. Os primeiros 45 dias de intervenção foram determinantes para esta diferença. Após esse período, a incidência do desfecho primário foi semelhante entre os grupos.
O estudo reforça o benefício de tratamento da coronária não culpada o mais rápido possível. Ainda resta dúvida se a intervenção imediata é ideal, uma vez que 37 dias pode ser considerado um intervalo grande para a segunda abordagem.
FIRE trial: a coronária não culpada deve ser tratada na população idosa?
Pacientes acima de 75 anos são pouco representados nos estudos de infarto agudo do miocárdio. O COMPLETE foi o estudo com maior população avaliada e encontrou benefício em tratar as lesões não culpadas em pacientes com infarto agudo [3]. No entanto, a média de idade dos pacientes estudados era de 61 anos, o que pode limitar a extrapolação dos resultados para pacientes mais idosos.
O trabalho FIRE avaliou o benefício do tratamento de coronárias não culpadas em pacientes com idade superior a 75 anos após infarto agudo do miocárdio [2]. Foram incluídos indivíduos com IAM com ou sem supra de ST associados a uma estenose de 50 a 99% de uma coronária não culpada.
A decisão de tratar a coronária não culpada foi guiada por estudos fisiológicos. A intervenção dos vasos não culpados era feita no mesmo tempo do tratamento da lesão culpada ou em um segundo momento, na mesma internação. Apenas 45% das lesões avaliadas foram consideradas significativas após estudo fisiológico.
Os pacientes foram randomizados para dois grupos: tratamento completo (angioplastia em coronárias culpadas e não culpadas) ou tratamento exclusivo da coronária culpada. O desfecho estudado foi um composto de morte, infarto agudo do miocárdio, AVC ou necessidade de reperfusão coronariana em um ano. A amostra final foi de 1445 pacientes, com média de idade de 80 anos.
A incidência do desfecho foi significativamente menor no grupo que realizou tratamento completo (21% versus 15%). O NNT foi de 19. Não houve diferença em relação aos desfechos de segurança, como sangramento ou lesão renal aguda associada a contraste.
Os achados do FIRE corroboram estudos anteriores, reforçando que as lesões em coronária não culpada devem ser tratadas mesmo em população mais idosa.
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