Antibiótico em Infusão Estendida versus Intermitente

Criado em: 11 de Setembro de 2023 Autor: Frederico Amorim Marcelino

Este tópico foi atualizado com as informações do estudo BLING-III, veja uma discussão completa do estudo em "Atualização sobre Antibiótico em Infusão Estendida: Estudo BLING III".

Infusão estendida e contínua são estratégias para potencializar o efeito dos antibióticos beta-lactâmicos. Em junho de 2023 no Journal of the American Medical Association (JAMA) foi publicado um estudo que compara o uso contínuo de meropenem com uso intermitente em pacientes com sepse [1]. Esse tópico revisa o tema.

Infusão estendida e contínua de beta-lactâmicos

Estudos in vitro sobre farmacocinética e farmacodinâmica de antibióticos mostram que a eficácia pode depender do tempo em que a medicação é administrada. Aminoglicosídeos, por exemplo, têm melhor ação quando se garante um pico de concentração sérica (figura 1).

Figura 1
Efeito otimizado por pico de concentração máxima
Efeito otimizado por pico de concentração máxima

Para beta-lactâmicos, o que mais se correlaciona com ação antimicrobiana é o tempo em que a concentração sérica da medicação se mantém acima da concentração inibitória mínima (MIC) conforme figura 2 [2, 3]. A infusão por períodos prolongados poderia ser mais eficaz, especialmente em pacientes graves ou com infecções causadas por bactérias resistentes [4]. Esses conceitos foram discutidos em detalhes na revisão 9 sobre Vancomicina e MRSA.

Figura 2
Efeito otimizado por tempo acima da concentração inibitória mínima (MIC ou CIM)
Efeito otimizado por tempo acima da concentração inibitória mínima (MIC ou CIM)

Ao usar meropenem para uma infecção por Klebsiella pneumoniae com MIC de 2 mg/L, a concentração sérica de meropenem deveria estar acima de 2 mg/L durante todo o tratamento para obter o melhor efeito. O meropenem é comumente infundido em 30 a 60 minutos (infusão intermitente), mas na infusão estendida seria administrado em 3 a 4 horas ou em infusão contínua. A infusão intermitente pode levar a picos e vales na concentração, enquanto as infusões estendida e contínua mantêm o nível sérico mais estável.

Apesar do embasamento teórico, muitos parâmetros associados a maior eficácia in vitro não se replicaram em estudos clínicos, especialmente na infectologia. Um exemplo é a diferenciação entre drogas bactericidas e bacteriostáticas [5]. Embora existam diferenças laboratoriais na velocidade de eliminação de bactérias, parece não haver diferença significativa nos desfechos clínicos entre pacientes tratados com drogas bactericidas e bacteriostáticas. Outro exemplo é a via de administração de antimicrobianos, com estudos indicando que não há diferença entre a via endovenosa e a via oral [6].

Evidência clínica antes do estudo

Estudos observacionais e estudos clínicos randomizados que avaliaram a estratégia de infusão estendida chegaram em resultados diferentes. Uma meta-análise e revisão sistemática publicada no Lancet em 2018 avaliou a infusão estendida de beta-lactâmicos anti-pseudomonas (principalmente cefepime, ceftazidima, piperacilina/tazobactam e meropenem), em pacientes com sepse [7]. Foram incluídos apenas ensaios clínicos randomizados, totalizando 1876 pacientes. A infusão estendida foi associada à diminuição de mortalidade no grupo estudado. Esse trabalho e uma meta-análise de 2016 embasaram a recomendação da diretriz da Surviving Sepsis Campaign de 2021 para o uso de infusão estendida de beta-lactâmicos em pacientes com sepse ou choque séptico [4, 8].

Outros estudos randomizados não mostraram esse efeito. Um destes foi o estudo BLING II, que avaliou 432 pacientes com sepse e não encontrou diferença significativa nos desfechos clínicos entre o uso de beta-lactâmicos anti-pseudomonas em infusão intermitente versus infusão estendida [9].

O estudo MERCY

O MERCY foi um ensaio clínico duplo-cego, randomizado e multicêntrico que comparou o uso de meropenem em infusão intermitente versus infusão contínua em pacientes com sepse e choque séptico [1]. Foram incluídos 607 pacientes e o desfecho primário foi um composto de mortalidade e surgimento de resistência bacteriana em 28 dias.

Não houve diferença significativa entre os dois grupos. Os desfechos secundários, que incluíam dias livres de UTI, dias livres de antibióticos e mortalidade em 90 dias, também não apresentaram diferença relevante.

Uma das críticas ao trabalho foi referente à escolha do desfecho primário. O estudo foi desenhado para ser estatisticamente relevante caso a intervenção atingisse 12% de redução absoluta de mortalidade ou surgimento de resistência bacteriana. Em UTI é difícil encontrar diferença significativa nesse desfecho. A amostra estudada era composta de 61% de pacientes com choque séptico, internados há 8 a 9 dias da randomização, sugerindo uma infecção de origem hospitalar e aumentando a gravidade do quadro.

Outra crítica é direcionada à etiologia das infecções. Um terço dos pacientes tinham infecções por gram-positivos, nas quais o meropenem não desempenha um papel expressivo. Nos pacientes com infecção por gram-negativos, uma parte era resistente a carbapenêmicos.

Existem dúvidas sobre a possibilidade de extrapolar os resultados do MERCY para outros beta-lactâmicos. Estudos anteriores sugerem que o benefício da infusão estendida pode ser específico para certas drogas como a piperacilina/tazobactam, não sendo aplicável às cefalosporinas e carbapenêmicos [10, 11].

Com essas ressalvas, o estudo parece não ser suficiente para contrariar as recomendações atuais, especialmente considerando que não foram identificados malefícios da estratégia em ensaios clínicos. Novas respostas podem surgir de um estudo em andamento (BLING III) com 7.000 pacientes avaliando a infusão estendida de beta-lactâmicos em pacientes com sepse [12].

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