Reposição de Potássio
A hipocalemia é uma alteração eletrolítica frequente e que pode causar repercussões graves. A reposição de potássio exige cuidados para ser segura e efetiva. Este tópico revisa o tema.
Princípios da reposição
Após a identificação de hipocalemia, o manejo consiste em:
- Diagnosticar e abordar a causa
- Prevenir complicações do distúrbio (arritmias, fraqueza muscular e rabdomiólise)
- Repor o déficit corporal
Os pacientes com maior risco de evento adverso por hipocalemia são idosos, pacientes com cardiopatia estrutural e aqueles em uso de antiarrítmicos ou digoxina.
A reposição deve ser cautelosa, pois alguns pacientes podem evoluir com hipercalemia. Um estudo encontrou que um em seis pacientes com hipocalemia desenvolveram hipercalemia após a reposição [1]. Nutrição parenteral, excesso de magnésio e redução da taxa de filtração glomerular podem contribuir com esse fenômeno. Pacientes com hipocalemia por redistribuição dos estoques corporais têm maior chance de evoluir com essa complicação, o que pode ser fatal em alguns casos [2].
O objetivo da reposição em pacientes com perdas renais ou gastrointestinais é rapidamente levar a concentração de potássio para um nível seguro e mais lentamente repor os estoques corporais. Na hipocalemia crônica, a estimativa é de que uma redução de 1 mEq/L corresponde a um déficit de 200 a 400 mEq. Essa estimativa é imprecisa e não se aplica a hipocalemia por redistribuição. Recomenda-se vigilância dos níveis de potássio durante a reposição.
Um valor de potássio sérico entre 3,0 e 3,5 mEq/L geralmente não produz sintomas e pode ser manejado com reposição oral. Em um nível sérico inferior a 2,5 a 3,0 mEq/L, está indicada a reposição intravenosa e correção mais rápida, pelos riscos relacionados ao distúrbio [3].
Reposição oral de potássio
Diante de uma hipocalemia leve (K+ 3,5-3,0 mEq/L), a reposição oral é recomendada na dose de 10 a 20 mEq, 2 a 4x/dia. As formulações de potássio não são muito palatáveis e a dose pode ser ajustada levando em conta a aceitação.
A formulação de potássio (tabela 1) utilizada pode ser escolhida pela etiologia da hipocalemia: o cloreto de potássio é uma boa alternativa nas situações de alcalose metabólica associada; já o citrato ou o bicarbonato de potássio são melhores na acidose metabólica, seja de origem renal (acidose tubular renal) ou não renal (diarreia por exemplo) [4].
Reposição intravenosa de potássio
A reposição intravenosa de potássio está indicada nas seguintes situações:
- Hipocalemia grave ( < 3,0 mEq/L)
- Sintomática
- Impossibilidade de uso da via oral
A infusão do potássio IV (tabela 2) pode causar flebite em um fluxo maior que 10 mEq/hora. Recomenda-se uma velocidade de reposição de até 10 mEq/hora em veia periférica e 20 mEq/h em veia central. Em caso de dor durante a infusão, pode-se reduzir a velocidade ou diluir mais a solução [5, 6]. O recomendado é administrar utilizando bomba de infusão para evitar a infusão inadvertida e rápida do potássio. Deve-se também fazer a reposição com monitorização eletrocardiográfica e vigilância para alterações musculares.
De uma maneira geral, a concentração da solução deve ser de 20 a 60 mEq/L, preferencialmente em solução salina. Não se deve diluir em soluções glicosadas, pois a glicose estimula a liberação de insulina e desloca o potássio para o intracelular. Em uma veia periférica, muitas referências sugerem não ultrapassar 40 mEq/L e, em veia central, 60 mEq/L.
Existem estudos com reposição de potássio utilizando concentrações maiores [7, 8]. Nos dois estudos citados, concentrações de 20 mEq em 100 ml ou maiores foram infundidas em um hora, sem eventos adversos graves. As recomendações de soluções mais diluídas tem como objetivo reduzir a chance de eventos adversos. Para evitar complicações, o que as revisões enfatizam é respeitar a velocidade de infusão [9-11]. Assim, se houver alguma restrição para o uso de soluções mais diluídas, a infusão de soluções mais concentradas é possível. Contudo, algumas condições sempre devem ser seguidas:
- Respeitar a velocidade de infusão (10 mEq/h em periférico e 20 mEq/h em veia central)
- O paciente deve estar monitorizado
- Deve-se utilizar bomba de infusão
- Aferições frequentes de potássio devem ser feitas
- Iniciar reposição oral para evitar a necessidade de reposições intravenosas
Alguns exemplos de soluções mais concentradas são duas ampolas de 25 mEq em 500 ml ou uma ampola de 25 mEq em 250 ml, ambas gerando uma concentração de 100 mEq/L. A gravidade do quadro também influencia na velocidade da reposição. Em pacientes com arritmias, velocidades maiores (40 mEq/L ou maiores) podem ser consideradas [9].
Situações especiais
Algumas etiologias de hipocalemia, como o uso de diuréticos, também causam hipomagnesemia. O déficit de magnésio gera abertura de canais secretores de potássio luminal (ROMK) piorando a hipocalemia [12]. Se a hipomagnesemia não for corrigida, a hipocalemia pode recorrer ou ser refratária à reposição.
Duas situações de manejo cuidadoso do potássio são a cetoacidose diabética e o estado hiperosmolar hiperglicêmico. A deficiência de insulina nesse contexto desloca o potássio para o extracelular. A aferição inicial da concentração de potássio será mais elevada. O cuidado deve ocorrer durante o tratamento, pois a reposição de fluidos e administração de insulina induzem hipocalemia. Se o nível de potássio for ≤ 3,3 mEq/L, indica-se reposição de potássio antes de administrar insulina. Se a concentração estiver entre 3,4 e 5,0 mEq/L, mesmo estando em níveis aparentemente normais, deve-se administrar insulina e potássio ao mesmo tempo.
Causas de hipocalemia crônica como o hiperaldosteronismo primário ou uso crônico de diuréticos requerem uso de diuréticos poupadores de potássio para correção do distúrbio. Os antagonistas da aldosterona espironolactona e eplerenona são a escolha no tratamento do hiperaldosteronismo primário. Além de elevarem a concentração de potássio para níveis normais, revertem os efeitos do hiperaldosteronismo no coração e normalizam a pressão arterial [13].
Aproveite e leia:
Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos
Os principais distúrbios eletrolíticos que afetam o eletrocardiograma (ECG) são os distúrbios do potássio, cálcio e magnésio. Essas alterações vão desde achados clinicamente insignificantes até arritmias ameaçadoras à vida. O ECG fornece informações imediatas e respalda condutas de emergência, sem necessidade de aguardar os resultados laboratoriais. O tópico Eletrocardiograma nos Distúrbios Eletrolíticos revisa os principais achados eletrocardiográficos nestas condições.
Uso de Cateter Nasal de Alto Fluxo (CNAF) na Insuficiência Respiratória Aguda
A pandemia de COVID-19 causou um aumento no uso do cateter nasal de alto fluxo (CNAF) na insuficiência respiratória aguda. Apesar disso, a disponibilidade desse recurso ainda é reduzida. Em 2023, duas revisões sobre uso do CNAF foram publicadas na Intensive Care Medicine e aproveitamos para revisar o tema neste tópico.
Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose
Cirrose é uma condição grave e com muitas complicações próprias do quadro. A ocorrência de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes tem particularidades que tornam o manejo minucioso. O New England Journal of Medicine (NEJM) trouxe uma revisão sobre o tema em 2023 e aproveitamos para revisar também aqui neste tópico.
Controle Farmacológico de Sintomas
O tema da revisão do mês é controle farmacológico dos principais sintomas do dia a dia: dor, dispneia, náuseas e vômitos. Trazemos para você um manual de prescrição de medicamentos para esses problemas!
Antibiótico em Infusão Estendida versus Intermitente
Infusão estendida e contínua são estratégias para potencializar o efeito dos antibióticos beta-lactâmicos. Em junho de 2023 no Journal of the American Medical Association (JAMA) foi publicado um estudo que compara o uso contínuo de meropenem com uso intermitente em pacientes com sepse. Esse tópico revisa o tema.