Fibrilação Atrial Durante Hospitalização

Criado em: 23 de Outubro de 2023 Autor: Kaue Malpighi

Fibrilação atrial no paciente internado é comum e o manejo tem particularidades quando comparado ao de pacientes ambulatoriais ou em sala de emergência. Em março de 2023, a American Heart Association publicou um posicionamento sobre fibrilação atrial nova em pacientes hospitalizados. Este tópico resume as principais recomendações do documento [1].

Definição e precipitantes

Fibrilação atrial (FA) aguda é definida como a ocorrência de um primeiro episódio de FA em paciente internado por um motivo diferente da arritmia.

A incidência é maior em pacientes com fatores de risco tradicionais para FA, como insuficiência cardíaca, cardiomiopatia, hipertensão, doença renal crônica ou história de cirurgia cardíaca. Estas alterações podem causar remodelamento estrutural cardíaco que predispõe a FA na presença de um precipitante.

Os precipitantes mais comuns em pacientes hospitalizados são infecções e cirurgias não cardíacas (veja figura 1).

Figura 1
Precipitantes e fatores de risco para fibrilação atrial aguda em pacientes hospitalizados
Precipitantes e fatores de risco para fibrilação atrial aguda em pacientes hospitalizados

Pacientes com sepse têm maior incidência de FA aguda durante hospitalização, podendo chegar até 44% em pacientes com choque séptico. A ocorrência de FA durante a sepse está associada a maior tempo de hospitalização, mortalidade e recorrência da arritmia.

No pós operatório de cirurgia não cardíaca, a FA aguda acontece em 3% a 16% dos pacientes e também se associa com piores desfechos. Após cirurgias cardíacas, a FA é ainda mais frequente e pode estar associada a fatores precipitantes ou à própria manipulação cirúrgica. O manejo da FA aguda após cirurgia cardíaca é diferente de outros casos.

Risco tromboembólico versus risco de sangramento

Pacientes com FA aguda durante sepse ou após cirurgia não cardíaca têm risco tromboembólico a longo prazo semelhante aos pacientes com FA paroxística prévia [2, 3].

O início da anticoagulação nesta população deve ser individualizado considerando o escore CHA2DS2-VASc e a duração do episódio de FA.

O risco de sangramento é avaliado clinicamente. Ferramentas como o HAS-BLED podem auxiliar a tomada de decisão, mas isoladamente não contraindicam a anticoagulação.

Pós operatório de cirurgias não cardíacas

O início da anticoagulação depende de três fatores: risco de sangramento associado à cirurgia (veja tabela 1), qual anticoagulante será utilizado e avaliação da equipe cirúrgica.

Tabela 1
Risco de sangramento associado a procedimentos e cirurgias
Risco de sangramento associado a procedimentos e cirurgias

Uma diretriz publicada na CHEST em 2022 sobre terapia antitrombótica no perioperatório recomenda retorno da anticoagulação no paciente estável e sangramento da seguinte forma [4]:

  • Anticoagulantes orais diretos (DOAC) ou enoxaparina: iniciar 24 horas após o ato cirúrgico se cirurgia de baixo a moderado risco de sangramento e iniciar 48 a 72 horas após o ato cirúrgico se cirurgia de alto risco de sangramento [5].
  • Varfarina: iniciar após 12 a 24 horas do ato cirúrgico.

Sepse

Pacientes com sepse e FA aguda apresentam risco semelhante de eventos tromboembólicos a curto prazo quando comparados com pacientes com FA pré-existente. Porém, o uso de anticoagulantes em pacientes ainda sépticos não parece estar associado a redução do risco tromboembólico e está associado a aumento do risco de sangramento [6].

Assim, recomenda-se observar até a recuperação do quadro séptico antes de considerar o início de anticoagulação em pacientes com FA aguda e alto risco tromboembólico.

Controle de FA em paciente críticos

Uma dúvida frequente em pacientes hospitalizados é sobre o controle da FA em pacientes críticos que estão instáveis por outros motivos. Um cenário comum é o de um paciente séptico com episódios de FA de alta resposta.

Nestes casos, o documento orienta as seguintes medidas (veja o fluxograma 1):

  1. Tratar a doença desencadeante.
  2. Descontinuar beta-adrenérgicos se possível. Por exemplo, trocar drogas vasoativas para vasopressina e reduzir ou suspender beta-agonistas inalatórios [7].
  3. Corrigir distúrbios eletrolíticos - principalmente hipo e hipercalemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia.
  4. Considerar controle medicamentoso do episódio de alta resposta.
Fluxograma 1
Tratamento de fibrilação atrial nova em pacientes críticos
Tratamento de fibrilação atrial nova em pacientes críticos

Pode ser adequado aguardar o controle inicial da doença crítica para iniciar tratamento medicamentoso para controle da frequência cardíaca (FC). O episódio de FA de alta frequência pode ser uma resposta compensatória em casos de choque, da mesma maneira que uma taquicardia sinusal secundária à hipotensão.

Por outro lado, frequências muito altas podem gerar um desacoplamento atrioventricular e piorar hemodinâmica. Não há consenso sobre alvo de FC nesse contexto. Alguns especialistas sugerem tolerar FC de até 140 a 150 bpm. Acima destes valores, a frequência deve ser controlada de maneira mais ativa. Se optado pelo controle medicamentoso, manter a FC acima de 100 bpm parece adequado para garantir o balanço hemodinâmico em choques distributivos [8].

A amiodarona é uma das medicações mais utilizadas para controle de frequência no contexto de doenças críticas. Achados observacionais sinalizam uso promissor dos betabloqueadores, com possível melhor do controle de FC e menor mortalidade quando comparado à amiodarona [9, 10]. O esmolol é uma opção adequada de betabloqueador por sua rápida ação e curta duração. Bloqueadores de canal de cálcio (diltiazem) e a digoxina também são opções para controle de frequência (veja tabela 2). O sulfato de magnésio também pode ser usado como adjuvante no controle de frequência.

Tabela 2
Medicamentos para controle de frequência e de ritmo em doença crítica
Medicamentos para controle de frequência e de ritmo em doença crítica

O controle de ritmo é indicado para pacientes com refratariedade ao controle de frequência ou quando a FA é interpretada como a principal causa da instabilidade, especialmente naqueles sem cardiopatia estrutural. A recorrência de episódios de FA é frequente após a cardioversão elétrica em pacientes sépticos. Após o procedimento, é comum iniciar amiodarona ou sulfato de magnésio para tentar evitar a recorrência da arritmia e manter o ritmo.

Aproveite e leia:

6 de Maio de 2024

Varfarina: Bulário e Quando Preferir em Relação aos DOACs

A varfarina é um anticoagulante antagonista da vitamina K. Ela atua inibindo os fatores de coagulação dependentes desse nutriente: proteína C, proteína S e fatores de coagulação II, VII, IX e X. Os anticoagulantes orais diretos (DOAC) são a primeira escolha em muitas situações, mas a varfarina ainda tem espaço na prática. Uma recente revisão do Journal of the American College of Cardiology avaliou essa questão e um ensaio clínico de janeiro de 2024 publicado no Circulation estudou a varfarina em indivíduos frágeis. Este tópico revisa o uso atual de varfarina.

22 de Abril de 2024

Uso de Drogas Vasoativas e Albumina na Cirrose

Pacientes com cirrose podem ter complicações que necessitam de tratamento com drogas vasoativas (DVA) e albumina. Em janeiro de 2024, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou uma atualização sobre o uso de DVA e albumina nesse contexto. Neste tópico são revisadas as recomendações para as principais descompensações de cirrose.

3 de Abril de 2023

Tratamento de Tromboembolismo Pulmonar de Alto Risco

Até 5% dos pacientes com tromboembolismo pulmonar agudo (TEP) evoluem com instabilidade hemodinâmica, com uma mortalidade que pode chegar a 20%. Em agosto de 2022, saiu uma revisão e atualização sobre o tratamento de pacientes com TEP de alto risco no Journal of Clinical Medicine. Aproveitamos para revisar os principais pontos dessa condição neste tópico.

22 de Abril de 2024

Profilaxia de Sangramento Gastrointestinal Durante a Internação

O sangramento gastrointestinal é uma complicação frequente em pacientes hospitalizados, sendo a úlcera de estresse uma causa relevante de morbimortalidade em pacientes críticos. Este tópico aborda a incidência, fatores de risco e indicações de profilaxia de úlcera de estresse.

8 de Janeiro de 2024

Antibióticos Inalatórios

Em novembro de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo que avaliou a amicacina inalatória para prevenção de pneumonia associada à ventilação. Este tópico aborda o uso de antibióticos por via inalatória em diversos cenários, incluindo este.