Betabloqueadores para Hipertensão Arterial
Um dos pontos mais polêmicos do tratamento de hipertensão arterial é o uso de betabloqueadores. Inspirados pela nova diretriz da Sociedade Europeia de Hipertensão Arterial (ESH), disponível em novembro de 2023, trazemos hoje uma revisão sobre o tema [1]. Será que tem evidência para usar betabloqueadores na hipertensão?
O que é ser de primeira linha no tratamento da hipertensão arterial (HAS)?
Medicamentos considerados de primeira linha são aqueles que:
- Reduzem a pressão arterial (PA) em monoterapia.
- Têm evidência de redução de eventos cardiovasculares e mortalidade em ensaios clínicos randomizados.
- Têm equivalência em desfechos clínicos em comparação com outras drogas comprovadamente eficazes.
- Têm perfil de tolerabilidade e segurança favorável.
Outros critérios clinicamente relevantes também são levados em consideração, como evidências sobre a adesão ao tratamento.
Evidências do betabloqueador na hipertensão arterial
Betabloqueadores reduzem eventos cardiovasculares em comparação com placebo no tratamento de HAS. Há evidências conflitantes quanto aos benefícios cardiovasculares em comparação com outros antihipertensivos. A interpretação das metanálises desses estudos é desafiadora, pois foram realizados em épocas diferentes, com variações no manejo desses pacientes particulares de cada momento [2].
Metanálises indicam que betabloqueadores foram inferiores a outros anti-hipertensivos como bloqueadores de canais de cálcio (BCC), diuréticos e iECA/BRA na prevenção de eventos cardiovasculares. Particularmente, betabloqueadores foram inferiores para prevenção de AVC. O estudo ASCOT identificou menos AVC no grupo anlodipino em comparação com o atenolol [3].
Há também evidências de piores desfechos na prevenção de outros eventos cardiovasculares e mortalidade em geral. Apesar disso, diante da eficácia na redução de eventos em comparação com placebo, betabloqueadores podem ser usados em associação com outros anti hipertensivos para pacientes que não atingiram metas pressóricas [4-7].
Betabloqueadores estão entre as drogas menos toleradas pelos pacientes. Para cada paciente em que um infarto ou AVC foi prevenido, três tiveram disfunção erétil e oito tiveram fadiga suficiente para levar à suspensão da terapia [8].
Há aumento do risco de diabetes e dislipidemia com uso de betabloqueadores, como o atenolol. Carvedilol, nebivolol e labetalol, que têm ação vasodilatadora, não têm impacto negativo, mas não foram testados para desfechos cardiovasculares no tratamento de HAS.
A maior parte dos achados sobre betabloqueadores para HAS são com atenolol. Mais estudos devem ser realizados para entender as diferenças entre subtipos de betabloqueadores e entre as populações que mais poderiam se beneficiar dessa classe de medicamentos.
Quando usar beta-bloqueador no paciente hipertenso?
Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFER) é a principal indicação para uso de betabloqueadores em pacientes hipertensos.
Há outras condições em que os betabloqueadores são indicados:
- Pós-infarto agudo do miocárdio
- Angina estável
- Para o controle da frequência cardíaca
- Em mulheres com potencial de engravidar
Para pacientes com ICFER, betabloqueadores reduzem mortalidade, hospitalizações e gravidade dos sintomas.
São indicados como primeira linha para pacientes com doença coronariana isquêmica que infartaram ou que têm angina estável. Algumas diretrizes recomendam o uso por três anos, considerando razoável a manutenção da droga além desse período. Outras recomendam o uso por até um ano [2, 6].
Recomenda-se também os betabloqueadores para tratamento de doença aórtica torácica e dissecção crônica de aorta. Não devem ser utilizados nos pacientes com insuficiência aórtica pelo risco de piora do quadro.
Betabloqueadores são uma opção segura para mulheres férteis ou gestantes. Para pacientes com asma, os betabloqueadores de escolha são atenolol, bisoprolol e metoprolol [2].
O que as diretrizes dizem?
É consenso que os benefícios e os riscos são similares entre iECA, BRA, bloqueadores de canais de cálcio e diuréticos tiazídicos. Por isso, são considerados de primeira linha por todas as diretrizes avaliadas nesta revisão.
As últimas diretrizes americanas de hipertensão da AHA/ACC destacam que betabloqueadores são inferiores aos tiazídicos, iECA, BRA e BCC. Consideram inadequado o uso de betabloqueadores para tratamento inicial de HAS na ausência de comorbidades específicas que os indiquem [2].
As diretrizes brasileiras de hipertensão de 2020 apontam que devem ser utilizados quando há condições clínicas específicas que indiquem seu uso [9]. Também não são considerados de primeira linha pelas diretrizes da OMS de 2021, Veterans Affairs de 2020 e NICE de 2022 [6, 10, 11].
As novas diretrizes da ESH de 2023, trouxeram como recomendação forte as cinco classes de drogas, gerando uma interpretação de que os betabloqueadores seriam considerados de primeira linha [1]. Uma carta ao Lancet critica o documento, mencionando que os autores optaram por uma mensagem mais direta e simplificada, mas falharam no apontamento da inferioridade dos betabloqueadores em relação aos outros anti-hipertensivos [8]. A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) não esteve presente no documento, diferentemente de 2018, quando os betabloqueadores não foram colocados na primeira linha.
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