Meningite Tuberculosa
A minoria dos pacientes com tuberculose tem manifestações no sistema nervoso central (SNC), porém essa apresentação tem mortalidade elevada e incide em uma população vulnerável. Em outubro de 2023, foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo avaliando a dexametasona na meningite tuberculosa em pessoas com HIV [1]. Esse tópico revisa o tema e traz os resultados do estudo.
Tuberculose no sistema nervoso central
Apesar de incomum, o acometimento do SNC por tuberculose tem prognóstico ruim, com mortalidade que pode passar de 50% e morbidade significativa [2]. O HIV é um importante fator de risco, especialmente quando a contagem de células T CD4 está abaixo de 100 células/microL [3].
Algumas expressões clínicas mais bem caracterizadas de tuberculose no SNC são a meningite, o tuberculoma, a aracnoidite e a mielite transversa. A meningite é a mais comum e será abordada no restante do tópico [4].
- O tuberculoma é um agregado granulomatoso que pode crescer silenciosamente no encéfalo ou exercer efeito de massa. O aspecto radiológico é de uma lesão com realce em anel tanto na tomografia de crânio quanto na ressonância magnética [5]. Edema perilesional pode estar presente.
- A aracnoidite espinhal ocorre por degeneração de um foco granulomatoso na medula ou por extensão de um foco de espondilite tuberculosa adjacente. O resultado é um processo inflamatório local com efeito compressivo nas raízes nervosas e medula (mielorradiculopatia) em um ou em vários níveis [6].
- Outra expressão clínica é a mielite transversa, com paraparesia ou quadriparesia, disfunção sensitiva (com nível sensitivo na maioria dos pacientes) e alterações esfincterianas.
Meningite tuberculosa: manifestações e diagnóstico
Entre as causas de meningite bacteriana no Brasil, o M. tuberculosis é o terceiro agente mais identificado, atrás apenas de S. pneumoniae e N. meningitidis (tabela 1). De 2017 até 2022, a tuberculose esteve implicada entre 250 a 450 casos de meningite todos os anos.
Apesar de ter sinais sugestivos, não existe apresentação clínica típica o suficiente para definir o diagnóstico de meningite tuberculosa sem exames complementares. Além do quadro comum a todas as meningites, como cefaleia, febre e náuseas, existem duas características que ajudam a suspeitar da etiologia. A primeira é a evolução subaguda, já que a maior parte dos pacientes procura a assistência após a primeira semana do início dos sintomas [7]. A segunda é o acometimento de nervos cranianos, sendo mais comum a disfunção do sexto par (abducente) [8]. Além disso, o AVC é uma complicação comum, com estimativas de 30 a 50% dos casos em alguns estudos [9].
Exames de imagem podem ajudar no diagnóstico. Um achado comum é a hidrocefalia, ocorrendo em mais da metade dos casos [10]. Deve ser suspeitada em pacientes que evoluem com rebaixamento do nível de consciência e alterações visuais, com indicação de imagem de crânio imediata. Outros achados de imagem, mais bem caracterizados na ressonância, são infartos periventriculares, tuberculomas e realce leptomeníngeo basal (tabela 2) [11].
O líquor típico de meningite tuberculosa é de uma meningite linfocítica. Hipercelularidade às custas de linfócitos, elevação de proteínas entre 100 a 500 mg/dL e consumo de glicose são achados comuns. O bacilo é pesquisado tradicionalmente com microscopia e cultura do líquor, porém esses métodos têm sensibilidade variável, sendo importante enviar volumes maiores de amostra. Métodos moleculares de amplificação de ácido nucléico (NAAT) como Xpert MTB/RIF estão disponíveis no SUS e podem ser utilizados no líquor quando validados pelo laboratório. A quantificação de adenosina deaminase (ADA) no líquor pode auxiliar o diagnóstico , mas pode estar elevado no liquor em outras condições [12-14].
Meningite tuberculosa: manejo
Pelo Ministério da Saúde, o esquema de tratamento de tuberculose meningoencefálica é com as drogas habituais - rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol (esquema RHZE ou RIPE). As quatros drogas são administradas por dois meses e a partir do terceiro mês permanecem apenas rifampicina e isoniazida por mais dez meses, totalizando 12 meses de tratamento.
O Ministério recomenda também o uso de corticoides. Em pacientes com doença leve, pode ser feito prednisona 1 a 2 mg/kg por quatro semanas. Em casos graves, recomenda-se dexametasona 0,3 a 0,4 mg/kg por quatro a oito semanas com redução gradual da dose [15].
A neurocirurgia deve ser convocada em casos de hidrocefalia. Na coinfecção pelo HIV, recomenda-se o início de terapia antirretroviral após dois meses do início do tratamento para meningite tuberculosa.
O estudo ACT HIV
O ACT HIV avaliou a segurança e eficácia dos corticoides no tratamento da meningite tuberculosa em pacientes com HIV. O estudo foi um ensaio clínico randomizado envolvendo 520 pacientes do Vietnã e da Indonésia, todos com HIV e meningite tuberculosa.
Os pacientes foram randomizados para dexametasona por seis a oito semanas ou placebo. Todos recebiam terapia para tuberculose por 12 meses. O desfecho primário foi morte por qualquer causa em até 12 meses após a randomização.
A mediana de idade foi de 36 anos e metade dos pacientes tinham CD4 menor que 50 células/mm3. A maior parte dos pacientes (86%) tinha doença leve (Glasgow 15) ou moderada (Glasgow de 11 a 14).
Não houve diferença clinicamente significativa no desfecho primário entre os grupos (44% grupo dexametasona vs 49% grupo placebo). Também não foi observada diferença significativa em nenhum subgrupo ou em desfechos secundários.
Em relação aos eventos adversos, ocorreram menos eventos adversos neurológicos no grupo dexametasona do que no grupo placebo (36% vs 44%). Esses eventos foram, principalmente, rebaixamento do nível de consciência de déficit neurológico focal. Eventos adversos que poderiam ter alguma relação com corticoides foram iguais entre os grupos.
Apesar do desfecho negativo, destaca-se:
- Estudos anteriores encontraram diminuição da mortalidade em população não exclusivamente vivendo com HIV [16, 17]
- O poder do estudo foi desenhado para detectar uma redução de mortalidade de aproximadamente 30%, uma meta difícil de alcançar para uma única intervenção. Em uma doença com alta mortalidade, reduções menores de mortalidade podem ser consideradas clinicamente significativas.
Como um benefício menor não pode ser descartado e não ocorreram malefícios, é possível que muitos ainda continuem prescrevendo até que surjam alternativas.
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