Tratamento de Hiponatremia e Mielinólise Pontina

Criado em: 11 de Dezembro de 2023 Autor: Lucca Cirillo

Hiponatremia grave sintomática pode ocasionar complicações ameaçadoras à vida através de edema cerebral. Elevações acima de 12 mEq/L em 24 horas foram classicamente associadas com o surgimento da síndrome de desmielinização osmótica e mielinólise pontina [1]. Em setembro de 2023, um estudo retrospectivo lançado na revista NEJM Evidence comparou diferentes estratégias de correção e avaliou mortalidade, tempo de hospitalização e ocorrência de mielinólise pontina [2]. Este tópico revisa o tratamento de hiponatremia grave, mielinólise pontina e os resultados deste estudo.

Definições

A hiponatremia pode ser classificada conforme três parâmetros: valor do sódio, tempo de desenvolvimento e gravidade dos sintomas. Utilizando como parâmetro os valores de sódio no momento do diagnóstico, a classificação é a seguinte [3]:

  • Leve: Na entre 130 - 135 mEq/L
  • Moderada: Na entre 125 - 129 mEq/L
  • Profunda: Na < 125 mEq/L

Quanto menor o valor, maior a mortalidade no paciente hospitalizado e maior o risco para síndrome de desmielinização osmótica no momento da correção.

A classificação por tempo se baseia na duração da hiponatremia:

  • Aguda: duração menor que 48 horas
  • Crônica: duração maior que 48 horas ou tempo indeterminado
Tabela 1
Causas de hiponatremia aguda (< 48h)
Causas de hiponatremia aguda (< 48h)

Se a história clínica e anamnese sugerirem uma causa aguda, deve-se considerar classificar o paciente como hiponatremia aguda. Essa diferenciação é feita porque os distúrbios agudos têm maior risco de edema cerebral e sintomas. Na tabela 1, encontra-se um resumo das principais causas de hiponatremias agudas.

Tabela 2
Achados clínicos na hiponatremia
Achados clínicos na hiponatremia

Em relação à gravidade dos sintomas, a diretriz europeia divide os sintomas em moderadamente graves e graves. A tabela 2 resume os principais achados clínicos conforme a gravidade. A presença de vômitos é um marcador de gravidade e alerta para o desenvolvimento de edema cerebral.

Tratamento de hiponatremia grave

O tratamento de hiponatremia pode ser guiado pela presença de sintomas e pelo tempo de desenvolvimento. Tanto a diretriz europeia quanto a norte-americana não recomendam a correção de sódio por fórmulas de estimativa de água corporal total, como a fórmula de Adrogue-Madias [4-6]. É proposto uma abordagem mais pragmática, com infusão de bolus de solução NaCl a 3% em casos sintomáticos, principalmente graves, para reversão rápida dos sintomas. A infusão de bolus de NaCl deve ser acompanhada de aferições frequentes dos níveis de sódio.

Fluxograma 1
Manejo de hiponatremia
Manejo de hiponatremia

O fluxograma 1 traz um resumo das abordagens comuns a ambas as diretrizes para tratamento de hiponatremias agudas sintomáticas. Em casos de hiponatremia grave, é recomendado consultar um especialista para auxílio na condução do caso. Veja mais sobre abordagem de hiponatremia na emergência em Hiponatremia na Emergência.

Síndrome de desmielinização osmótica e mielinólise pontina

A taxa de correção do sódio está historicamente associada ao risco de síndrome de desmielinização osmótica - definição que inclui tanto mielinólise pontina como extra-pontina [7].

Taxas de correção que excedem 10 a 12 mEq/L nas primeiras 24 horas são consideradas fatores de risco para mielinólise pontina. A maior parte da literatura do tema vem de estudos experimentais em animais e estudos observacionais. Outros fatores de risco implicados no desenvolvimento da síndrome, inclusive em cenários onde não há hipercorreção, estão na tabela 3 [8].

Tabela 3
Fatores de risco para síndrome de desmielinização osmótica
Fatores de risco para síndrome de desmielinização osmótica

A manifestação da síndrome é tipicamente tardia, entre o 2º e o 7º dia após a correção do sódio. Os sinais incluem encefalopatia e confusão mental, que progridem para sintomas motores como paraparesia, quadriparesia, disartria e disfagia. A clínica pode ser variada, com descrição de ataxias, sintomas parkinsonianos e até quadros mais graves, como a síndrome de locked-in e coma.

A ressonância magnética é o exame de escolha para diagnóstico. Os achados característicos envolvem lesões hipointensas em T1 e hiperintensas em T2 e FLAIR, que acometem a região central da ponte, que pode progredir para o sinal da asa de morcego [9]. O acometimento extra-pontino ocorre na região de núcleo caudado e putâmen bilateralmente, poupando o globo pálido. Os achados de imagem são tardios, geralmente se apresentando após a primeira semana do quadro, mas podem permanecer ocultos por até quatro semanas.

Uma vez com a síndrome instalada, não há evidências fortes de terapias para além do suporte clínico. Os sintomas podem apresentar melhora clínica, porém algumas alterações podem ser irreversíveis [10].

A prevenção dessa complicação envolve identificar os pacientes com alto risco de correção e desenvolvimento da síndrome, onde a terapia de correção do sódio deve ser cautelosa e monitorada frequentemente. Em casos de hipercorreção (> 10-12 mEq/L em 24h) é sugerido iniciar terapia de redução do sódio com o uso de desmopressina ou soro glicosado 5%.

Resultados do estudo

Esse estudo de coorte retrospectiva selecionou 3274 pacientes que apresentavam um sódio admissional menor que 120 mEq/L. Os pesquisadores avaliaram a associação entre a taxa de correção da hiponatremia em 24 horas com mortalidade, tempo de internação e incidência de mielinólise pontina em até 90 dias da hospitalização.

Os pacientes foram divididos em três grupos conforme a velocidade de correção em 24 horas:

  • Menos que 6 mEq/L
  • Entre 6 e 10 mEq/L
  • Mais que 10 mEq/L

O grupo de correção lenta (< 6 mEq/L) teve maior mortalidade dentre os três. Já o grupo com correção mais rápida (> 10 mEq/L) teve menor mortalidade quando comparado ao grupo 6 - 10 meq/L/ e < 6 mEq/L.

A ocorrência de mielinólise pontina foi verificada em sete pacientes (0,2% da coorte). Quatro tinham sódio admissional menor que 110 mEq/L e apenas dois pacientes apresentaram taxas de correções maiores que 10 mEq/L em 24 horas. Seis dos sete pacientes com diagnóstico analisado apresentavam alguma combinação de desnutrição, etilismo, cirrose, hipocalemia e hipofosfatemia.

Os resultados do estudo questionam a força de associação entre a velocidade de correção do sódio e a ocorrência de mielinólise pontina. A menor mortalidade associada aos grupos com maiores taxas de correção do sódio está em concordância com achados de estudos prévios [11-13]. O trabalho enfatiza o papel dos outros fatores de risco (etilismo, desnutrição, distúrbios hidroeletrolíticos concomitantes e cirrose) no surgimento de mielinólise pontina durante o tratamento de hiponatremias.

Aproveite e leia:

22 de Agosto de 2022

Interpretação do Base Excess

A Intensive Care Medicine publicou nesse ano um artigo rápido sobre Base Excess, explorando suas origens, nomenclatura, usos e armadilhas. Trouxemos isso tudo para você nesse tópico.

11 de Setembro de 2023

Antibiótico em Infusão Estendida versus Intermitente

Infusão estendida e contínua são estratégias para potencializar o efeito dos antibióticos beta-lactâmicos. Em junho de 2023 no Journal of the American Medical Association (JAMA) foi publicado um estudo que compara o uso contínuo de meropenem com uso intermitente em pacientes com sepse. Esse tópico revisa o tema.

25 de Janeiro de 2024

Caso Clínico #16

Mulher de 59 anos com fala desconexa e mutismo há 1 dia.

3 de Abril de 2023

Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose

Cirrose é uma condição grave e com muitas complicações próprias do quadro. A ocorrência de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes tem particularidades que tornam o manejo minucioso. O New England Journal of Medicine (NEJM) trouxe uma revisão sobre o tema em 2023 e aproveitamos para revisar também aqui neste tópico.

16 de Dezembro de 2024

Diretriz de Infecção do Trato Urinário

Uma nova diretriz de infecção do trato urinário do grupo WikiGuidelines foi publicada em novembro de 2024. A imprecisão no diagnóstico e a evolução da resistência bacteriana dificultam o manejo dessa condição. O documento contou com 54 especialistas de 12 países diferentes, incluindo médicos e farmacêuticos com especialização em medicina interna, infectologia, pediatria e microbiologia. Essa revisão aborda o tema com base na diretriz.