Demências Rapidamente Progressivas
As demências rapidamente progressivas (DRP) são um grupo heterogêneo de doenças que inclui condições infecciosas, autoimunes, metabólicas e neurodegenerativas. Em maio de 2022, o Lancet lançou uma revisão sobre o assunto e trazemos aqui os principais pontos [1].
O que é demência rapidamente progressiva (DRP)?
O termo é utilizado para descrever um declínio cognitivo de rápida progressão que evolui para síndrome demencial em menos de um a dois anos. O diagnóstico diferencial da síndrome é amplo, envolvendo subtipos rapidamente progressivos de demências comuns como a Doença de Alzheimer (DA) até doenças causadas por príons.
As doenças priônicas são um exemplo típico de DRP. Os príons são partículas infecciosas proteicas sem DNA ou RNA, sendo por isso diferentes de vírus. Em bovinos, são responsáveis pela encefalopatia espongiforme bovina, a doença da vaca louca. Em humanos, causam várias encefalopatias, sendo a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) a mais conhecida.
A definição de DRP é variável na literatura, o que torna difícil mensurar a prevalência. Em um estudo brasileiro, observou-se uma prevalência de 3,7% em pacientes internados em unidades neurológicas de um hospital terciário [2].
Quais etiologias considerar em uma DRP?
Existem várias causas de DRP, podendo ser divididas em (figura 1):
- Demência neurodegenerativa rapidamente progressiva - as doenças priônicas.
- Demência neurodegenerativa lentamente progressiva - subtipos rapidamente progressivos de demências comuns ou com complicações secundárias.
- Patologias do SNC - Doenças inflamatórias, cerebrovasculares, encefalopatias tóxico-metabólicas ou outros mímicos.
Destas causas, as mais comuns são: doenças inflamatórias do SNC, doença cerebrovascular e Alzheimer [3], com variações importantes na prevalências destas etiologias na literatura. Estes dados reforçam a importância de considerarmos etiologias potencialmente reversíveis (ex.: doenças inflamatórias e metabólicas) no diagnóstico diferencial.
Encefalites imuno-mediadas estão entre os principais diagnósticos diferenciais de DRP. Isso inclui encefalites paraneoplásicas ou manifestações neurológicas de doenças autoimunes sistêmicas.
Das causas infecciosas, vale ressaltar as seguintes:
- Neurosífilis - além do acometimento meningovascular, casos não tratados de sífilis podem evoluir com demência e outros sintomas neuropsiquiátricos.
- Encefalite por herpes simples ou varicela - uma das causas mais prevalentes de encefalite infecciosa que, apesar de seu curso agudo com alteração do estado mental e convulsões, podem também progredir para declínio cognitivo rapidamente progressivo.
- Causas mais raras - HIV, Doença de Whipple, Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva (LEMP - reativação do vírus JC em pacientes imunocomprometidos).
Das etiologias tóxico-metabólicas, destacam-se:
- Demência associada ao uso do álcool
- Encefalopatia de Wernicke
- Hiponatremia crônica
- Hipotireoidismo
O que são as doenças priônicas?
Grupo de doenças neurodegenerativas de incubação prolongada e evolução irreversível após o aparecimento de sintomas. São chamadas assim por apresentarem proteínas priônicas com mudanças conformacionais que se acumulam e geram dano neuronal. Essas mudanças na proteína podem ocorrer de forma esporádica, por mutações genéticas ou por infecção. São doenças raras, mas de importância no contexto das DRP.
A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) é a doença priônica mais comum. Deve-se suspeitar de DCJ em pacientes com DRP acompanhada de ataxia, mioclônus e/ou alterações visuais. Outras alterações são possíveis, como afasia, insônia e sintomas extrapiramidais. Apesar dos achados típicos, sabe-se que a DCJ apresenta um espectro amplo com relação a idade de apresentação, sintomas associados e tempo de progressão.
O acometimento predominante de nervos cranianos e do sistema nervoso periférico deve levantar a suspeita de outra causa, apesar de poder ocorrer na DCJ.
Como fazer o diagnóstico de doença de Creutzfeldt-Jakob?
Ressonância magnética é o exame de imagem mais sensível nas fases iniciais de doença [4]. O achado característico são lesões com hipersinal em T2, FLAIR e difusão, afetando predominantemente o córtex (sinal da fita cortical ou cortical ribboning), corpo caudado e putamen. Essas alterações não são específicas, podendo ocorrer em doenças como encefalite auto-imune e fases precoces de crises focais. Em fases mais tardias da doença, pode-se ver atrofia generalizada e dilatação ventricular.
O eletroencefalograma também pode ajudar, sendo característico a presença de complexos de ondas agudas periódicas.
Alterações de proteínas no líquor também podem auxiliar no diagnóstico. As proteínas 14-3-3 e tau estão presentes em até 90% dos pacientes com doenças priônicas. O Real-Time Quaking-Induced Conversion, ou RT-Quic, é um exame laboratorial realizado no líquor capaz de detectar a proteína priônica patológica. Esse exame tem alta acurácia para o diagnóstico de DCJ.
O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) apresenta critérios diagnósticos para DCJ provável conforme a tabela 1.
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