Características e Manejo de Pneumonia no Paciente Imunossuprimido
Pneumonia é a principal causa de morte causada por infecções e pacientes imunossuprimidos apresentam piores desfechos e maior mortalidade. Apesar disso, dados epidemiológicos e prognósticos em imunossuprimidos são escassos na literatura. Em janeiro de 2024, foi publicada uma coorte prospectiva na Open Forum Infectious Disease sobre pneumonia nessa população [1].
Quais pacientes devem ser considerados imunossuprimidos?
Aproximadamente 10% dos pacientes internados por pneumonia são imunossuprimidos. Este número tende a aumentar com a maior sobrevida de pacientes com câncer, pessoas vivendo com HIV e com o advento de terapias imunes e uso de inibidores de checkpoint. Considerando esses novos tratamentos, a definição de pacientes imunossuprimidos vem se expandindo nos últimos anos, sendo difícil uma definição única que englobe todos os pacientes.
A coorte em questão utilizou as definições do CDC para definir pacientes imunossuprimidos, semelhante às definições do Consenso de Tratamento de Pneumonia em Imunocomprometidos de 2020 (veja tabela 1) [2].

O risco de infecções associado ao corticoide é dose dependente. Doses acima de 10 mg ao dia estão associadas a aumento de risco de pneumonia com microrganismos habituais [3]. Doses de 20 mg/dia por quatro semanas, principalmente em associação com outros imunossupressores, aumentam o risco de pneumocistose.
As causas mais comuns de imunossupressão na coorte foram: neoplasia em estágio avançado (53%), uso de quimioterapia (23%) e corticoides em doses altas (20%). Metade dos casos de neoplasia era de origem pulmonar, que mesmo na ausência de outra imunossupressão está associada a maior risco de pneumonia e piores desfechos [4]. A associação de neoplasia avançada e uso de quimioterapia ou corticoterapia foi frequente.
Etiologias e investigação de pneumonia em imunossuprimido
Os principais microrganismos causadores de pneumonia no imunossuprimido são os mesmos que em pacientes imunocompetentes (veja tabela 2) [2, 5]. Na tentativa de identificar o agente causador, exames como cultura de escarro, testes de antígeno urinário e painel viral devem ser considerados nestes pacientes.

Na coorte em questão, 24% dos pacientes imunossuprimidos com pneumonia tiveram patógenos identificados. O principal material encaminhado para análise foram hemoculturas (91% dos casos), que apresentam sensibilidade baixa no contexto de pneumonia sem sepse e choque séptico [5]. Cultura de secreção respiratória foram enviadas em apenas um terço dos casos. Testes urinários para pneumococo e Legionella foram feitos em 15 e 14% dos casos, respectivamente.
Imunossupressão isoladamente não indica tratamento com antibioticoterapia de amplo espectro para bactérias resistentes, exceto se [2]:
- Neutropenia febril
- Colonização prévia por germes multirresistentes nos últimos 12 meses
- Hospitalização com exposição a antibióticos de amplo espectro nos últimos 3 meses
- Risco de infecção por Pseudomonas: bronquiectasia, fibrose cística, DPOC com uso crônico de corticoide.
Microrganismos oportunistas devem ser considerados em pacientes imunossuprimidos de forma individualizada e principalmente com base na história clínica, tipo e grau de imunossupressão. Na tabela 3, apresentamos microrganismos associados a determinados tipos de imunossupressão. Com relação a história clínica, algumas situações devem ser consideradas para infecções oportunistas:
- Ausência de resposta à antibioticoterapia por 48 a 72 horas.
- Presença de nódulos com sinal do halo em tomografia de tórax, principalmente em pacientes com neutropenia grave e prolongada - apesar de não ser específico de fungos, considerar o diagnóstico de aspergilose invasiva, podendo também estar presente em mucormicose [6].
- Infiltrado intersticial difuso em pacientes com HIV e CD4 < 200 células/mL ou em pacientes em uso de corticoterapia em alta dose associada a agentes citotóxicos (ex.: ciclofosfamida) - considerar investigação e tratamento empírico para pneumocistose.

Para mais detalhes sobre a investigação de doenças fúngicas com biomarcadores, veja o tópico sobre Biomarcadores de Infecções Fúngicas.
Resposta ao tratamento e prognóstico de pneumonia em imunossuprimido
Nesta coorte, a mediana de tempo para estabilidade clínica foi de dois dias (paciente afebril, com melhora da dispneia e do hemograma), tempo semelhante à resposta em pacientes não imunossuprimidos. Após o segundo dia, os pacientes imunossuprimidos apresentaram uma probabilidade menor de atingirem estabilidade clínica. Estes dados reforçam a necessidade de investigação de diagnóstico diferencial (como infecções oportunistas) e complicações de forma precoce na falha de terapia nestes pacientes.
A mortalidade intra-hospitalar em um ano foi maior em pacientes imunossuprimidos. Aproximadamente metade dos pacientes imunossuprimidos morreram em um ano após hospitalização por pneumonia. Pacientes com neoplasia pulmonar avançada apresentaram o maior risco de morte na coorte (4 a cada 5 morreram em 1 ano). Nesse caso, a pneumonia pode ser um marcador de progressão de doença. Contudo, a própria evolução da doença de base pode ser confundida com uma nova pneumonia, justificando a maior mortalidade neste grupo.
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