Volume no Choque Séptico
Quanto e qual fluido fazer é uma pergunta que o clínico faz todos os dias. O estudo CLASSIC avaliou uma estratégia de fluidos restritiva versus a estratégia padrão no choque séptico [1]. Aqui revisamos o tema e resumimos essa nova evidência.
O que já sabemos de volume e sepse
Os fluidos intravenosos são um dos pilares do pacote de medidas (bundle) da sepse. Apesar de ser uma prática universal, o papel dos fluidos na sepse está sendo questionado nos últimos anos.
A terapia com fluidos intravenosos foi impulsionada pelo estudo de Rivers et al. publicado em 2001 [2]. Após a instituição da terapia precoce guiada por metas (early goal directed therapy, EGDT), os pesquisadores encontraram redução significativa de mortalidade em pacientes com sepse. Um dos passos da estratégia implementada foi a expansão volêmica. No estudo, a média de volume após 72 horas foi de 13,3 litros.
Mais de uma década após o estudo do Rivers, grandes artigos não conseguiram comprovar o benefício da EGDT (ARISE, ProCESS e ProMISe) [3]. Algumas etapas da estratégia carecem de fundamentação, sendo o volume uma intervenção com baixa qualidade de evidência científica.
No Surviving Sepsis Campaing de 2016, recomenda-se 30 ml/kg de volume na ressuscitação inicial de pacientes com hipoperfusão induzida por sepse [4]. Contudo, a definição de hipoperfusão não é clara. A diretriz argumenta que essa foi a média de volume feita nos estágios iniciais da ressuscitação nos estudos ARISE, ProCESS e ProMISe.
A questão foi retomada na atualização de 2018 [5]. Nesse documento, indicou-se que o bundle de sepse deve ser iniciado, não necessariamente completado, em até uma hora. O volume deve ser iniciado caso o paciente apresentar hipotensão ou lactato acima de 36 mg/dL.
Na atualização de 2021, a recomendação do fluido intravenoso passou de forte para fraca [6]. Essa mudança foi reforçada pela publicação de uma meta-análise que mostrou maior número de dias livres de ventilador em pacientes que realizaram uma estratégia de fluidos mais conservadora [7]. O efeito na mortalidade foi incerto, o que só aumentou as perguntas em torno da quantidade de volume em um paciente séptico.
O que o estudo CLASSIC procurou?
O trial CLASSIC é um estudo randomizado europeu que incluiu 1554 pacientes com choque séptico. Choque séptico foi definido como processo infeccioso suspeito ou confirmado associado a lactato sérico maior igual à 18mg/dl (ou 2 mmol), recebendo agente inotrópico ou vasopressor, tendo sido feito pelo menos 1 litro de fluido intravenoso nas últimas 24 horas.
Os pacientes foram randomizados para estratégias de infusão de volume restritiva ou padrão. No grupo restritivo, fluidos só eram administrados em quatro situações:
- Sinais claros de hipoperfusão: lactato acima de 36 mg/dL, pressão arterial média abaixo de 50 mmHg apesar de vasopressores ou inotrópicos, escore de moteamento acima de 2, ou débito urinário menor que 0,1 ml/kg/hora nas primeiras duas horas após randomização
- Reposição de perdas gastrointestinais documentadas, como vômitos e diarreia
- Correção de distúrbios eletrolíticos ou desidratação em pacientes que não podem realizar correção por via enteral
- Pacientes que não conseguem atingir o mínimo de 1 litro de volume diário, incluindo o volume de dieta e de medicação
Os pacientes recebiam bolus de 250 a 500 ml de cristalóides. O grupo padrão utilizava uma estratégia mais liberal.
A hipótese dos pesquisadores era identificar uma diferença de mortalidade em 90 dias.
O que o estudo CLASSIC encontrou?
O estudo não encontrou diferença de mortalidade entre os grupos. Houve uma diferença expressiva na mediana de volume intravascular infundido - o grupo restritivo recebeu 1798 ml e o grupo padrão 3811 ml durante todo o período que estavam na unidade de terapia intensiva (UTI). Apesar da diferença, o total de volume foi bem abaixo do praticado no estudo do Rivers.
Demonstrando que choque séptico é um evento grave, a mortalidade foi de 42,3% no grupo intervenção e de 42,1% no grupo padrão.
Em 90 dias, também não houve diferença nos desfechos secundários como dias sem aparelhos de suporte ou alta hospitalar.
As principais ressalvas desse estudo são:
- Os pacientes recebiam volume antes de entrar no protocolo, o que não foi controlado.
- Houve uma taxa de violação de protocolo maior nos pacientes que estavam no grupo de restrição de volume quando comparados a estratégia padrão - 21,5% vs. 13%.
- Apenas UTI da Europa participaram do estudo.
Uma força desse estudo é o número de pacientes. Na metanalise de 2020, que incluiu 9 estudos, o total de pacientes foi de 637, menos da metade do que o estudo CLASSIC [8].
Estudar volume no paciente séptico não é uma tarefa fácil. Diferente de quando testamos um medicamento versus placebo, aqui os dois grupos recebem a mesma intervenção, diferindo apenas na intensidade. O grupo controle recebe a intervenção de maneira livre, o que pode variar bastante dependendo do local. Será que em um ambiente menos controlado, a diferença de volume seria maior, levando a maiores consequências nos desfechos? Essa pergunta ainda fica.
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