Finerenona na Nefropatia Diabética

Criado em: 04 de Março de 2024 Autor: Ênio Simas Macedo

Uma série de ensaios clínicos a partir de 2020 ajudaram a entender o papel da finerenona no tratamento da doença renal crônica diabética. Este tópico revisa a definição de doença renal crônica, a farmacologia dos antagonistas mineralocorticoides e os ensaios clínicos e recomendações sobre a finerenona.

Qual é a definição de doença renal crônica?

A doença renal crônica (DRC) é definida pela alteração renal estrutural ou funcional persistente por mais de três meses.

A dosagem de creatinina sérica é usada para calcular a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe). A fórmula recomendada é a CKD-EPI, veja a calculadora CKD-EPI aqui. Uma TFGe menor que 60 mL/min/1,73 m² por mais de três meses caracteriza o diagnóstico de DRC. É de uma TFGe de 60 mL/min para baixo que existe uma associação mais forte com desfechos negativos, por isso esse limiar. A classificação de DRC contempla estágios com TFG maior que 60 mL/min na ideia de identificar pacientes com dano renal inicial e implementar medidas precocemente.

Além da TFGe reduzida, outras alterações pode caracterizar DRC como albuminúria, proteinúria e hematúria persistentes, distúrbios hidroeletrolíticos (especialmente em tubulopatias) e alterações renais radiológicas ou histopatológicas [1].

Qual é o papel dos antagonistas mineralocorticoides?

Os mineralocorticoides fazem parte do grupo dos hormônios esteroides, juntamente com glicocorticoides e hormônios sexuais. Cada hormônio esteroide tem afinidade maior por seu próprio receptor, porém ainda assim podem ligar-se a outros receptores esteroidais [2].

A espironolactona, um antagonista mineralocorticoide (AM), foi desenvolvida na década de 60 a partir da progesterona, na tentativa de explorar o efeito diurético dos mineralocorticoides. Nos anos seguintes, ensaios clínicos demonstraram a utilidade da droga em alguns cenários:

  • Redução de mortalidade em insuficiência cardíaca (IC) de fração de ejeção reduzida (estudo RALES) [3]
  • Redução de hospitalização em IC de fração de ejeção preservada (estudo TOPCAT) [4]
  • Hipertensão arterial resistente [5]
  • Hiperaldosteronismo primário [6]
  • Ascite em cirrose hepática [7]
  • Acne vulgar [8, 9] - veja mais no tópico Tratamento de Acne e Uso de Espironolactona
  • Alopécia androgenética feminina [10]
  • Sinais e sintomas de hiperandrogenismo indesejados (geralmente em mulheres ou pessoas transsexuais) [11, 12].
Tabela 1
Antagonistas mineralocorticoides
Antagonistas mineralocorticoides

Alguns efeitos adversos dos AM ficaram evidentes desde os primeiros estudos, como hipercalemia e ações antiandrogênicas - ginecomastia dolorosa, disfunção erétil e redução de libido. Para diminuir os efeitos adversos, foram desenvolvidos outros AM (tabela 1). Hoje, essa classe pode ser dividida em dois subgrupos [2]:

  • AM esteroidais: representados por espironolactona (Aldactone®) e eplerenona (Inspra®).
  • AM não-esteroidais: representados por finerenona (Firialta®) e esaxerenona (indisponível no Brasil)

A eplerenona é um AM esteroidal de segunda geração. Sua ligação com o receptor é menos potente e mais seletiva em comparação com a espironolactona, resultando em ações anti-hipertensiva e antiandrogênica menores [2]. Os ensaios clínicos EPHESUS e EMPHASIS demonstraram que a eplerenona também é capaz de melhorar desfechos em IC de fração de ejeção reduzida [13, 14]. A principal aplicação dessa droga é como alternativa à espironolactona em pacientes com efeitos antiandrogênicos limitantes [2].

Estudos pré-clínicos sinalizaram que a ativação dos receptores mineralocorticoides pode aumentar a inflamação e a fibrose teciduais, inclusive nos rins [15]. Seguindo esses achados, foram conduzidos estudos avaliando o impacto dos AM em reduzir desfechos renais. As pesquisas mostraram que os AM são capazes de reduzir proteinúria e pressão arterial, mas o uso na DRC era limitado por hipercalemia frequente e diminuição da TFGe. Isso desestimulou a realização de ensaios clínicos avaliando o papel de espironolactona e eplerenona da DRC [16]. O interesse no estudo da finerenona surge nesse contexto, por ser um AM mais seletivo, com menor potencial de hipercalemia.

O que é, para quê e como usar a finerenona?

Os principais estudos que avaliaram a finerenona foram o FIDELIO-DKD, FIGARO-DKD e FIDELITY [16-18]. Os três trabalhos avaliaram uma população de pacientes com diabetes tipo 2 e DRC. A tabela 2 apresenta os achados mais relevantes desses estudos.

Tabela 2
Estudos sobre o uso da finerenona
Estudos sobre o uso da finerenona

Os estudos indicam que a finerenona possui efetividade em retardar a progressão da disfunção renal em pacientes com diabetes tipo 2. Porém os resultados parecem ser modestos e o benefício cardiovascular é mais questionável. Por isso, a finerenona deve ser considerada como uma terapia adjuvante. Essa indicação já é endossada pelas diretrizes da American Diabetes Association de 2024 e do KDIGO de 2022 [19, 20].

Os pacientes com indicação de finerenona devem preencher todos os critérios abaixo [20]:

  • Diabetes mellitus tipo 2
  • Doença renal crônica com albuminúria
  • TFGe > 25 mL/min/1.73 m²
  • Potássio < 4,8 mmol/L
  • Em uso de doses otimizadas de inibidor da ECA (iECA)/bloqueador do receptor de angiotensina (BRA) e inibidor da SGLT2 (iSGLT2)

Os principais efeitos adversos que devem ser monitorados são hipercalemia, hiponatremia e hipotensão.

Tabela 3
Dose inicial da finerenona
Dose inicial da finerenona

A finerenona está disponível no Brasil em comprimidos de 10 ou 20 mg, custando em fevereiro de 2024 cerca de R$180 a R$200 por mês (veja a dosagem e ajustes na tabela 3 e tabela 4).

Tabela 4
Ajustes posológicos da finerenona
Ajustes posológicos da finerenona

Há ensaios clínicos em andamento para analisar outras aplicações da finerenona, como na retinopatia diabética, na associação ao iSGLT2, em DRC não-diabética e na insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida.

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Whelton PK, Carey RM, Aronow WS, Casey DE Jr, Collins KJ, Dennison Himmelfarb C, DePalma SM, Gidding S, Jamerson KA, Jones DW, MacLaughlin EJ, Muntner P, Ovbiagele B, Smith SC Jr, Spencer CC, Stafford RS, Taler SJ, Thomas RJ, Williams KA Sr, Williamson JD, Wright JT Jr. 2017 ACC/AHA/AAPA/ABC/ACPM/AGS/APhA/ASH/ASPC/NMA/PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Hypertension. 2018.

The Management of Primary Aldosteronism: Case Detection, Diagnosis, and Treatment: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline

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Martin KA, Anderson RR, Chang RJ, Ehrmann DA, Lobo RA, Murad MH, Pugeat MM, Rosenfield RL. Evaluation and Treatment of Hirsutism in Premenopausal Women: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2018.

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Hembree WC, Cohen-Kettenis PT, Gooren L, Hannema SE, Meyer WJ, Murad MH, Rosenthal SM, Safer JD, Tangpricha V, T'Sjoen GG. Endocrine Treatment of Gender-Dysphoric/Gender-Incongruent Persons: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2017.

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Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Diabetes Work Group. KDIGO 2022 Clinical Practice Guideline for Diabetes Management in Chronic Kidney Disease. Kidney Int. 2022.