Instabilidade Hemodinâmica na Intubação Orotraqueal

Criado em: 18 de Julho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Intubação orotraqueal (IOT) em pacientes críticos é um procedimento com alta taxa de complicações. Entre as mais comuns está a instabilidade hemodinâmica. O estudo PREPARE II avaliou se a administração de um bolus de fluido seria capaz de reduzir essa complicação [1]. Vamos revisar o estudo e o manejo desse cenário.

Complicações de IOT

A IOT no paciente crítico é um procedimento associado a uma alta taxa de complicações. Dados do estudo INTUBE publicado em 2021 ajudam a dimensionar esse problema [2]. Mais de 2900 intubações em 29 países diferentes foram analisadas. Eventos adversos graves ocorreram em 45% dos procedimentos, entre eles:

  • Instabilidade hemodinâmica em 42%
  • Hipoxemia grave em 9%
  • Parada cardiorrespiratória em 3%

Via aérea fisiologicamente difícil

O paciente crítico possui várias vulnerabilidades fisiológicas que predispõem a complicações no período de peri-intubação. Por mais que a via aérea não apresente dificuldades anatômicas e a IOT seja rápida e suave, se os parâmetros fisiológicos não forem otimizados, eventos adversos graves podem ocorrer.

Considerando esse problema, alguns especialistas em via aérea de emergência sugerem que existem dois tipos de via aérea difícil (VAD): anatômica e fisiológica. A VAD anatômica ocorre por anormalidades que dificultam a laringoscopia, como redução da abertura da boca, trauma facial, rigidez cervical e outros. Já a VAD fisiológica ocorre por estressores clínicos que propiciam eventos adversos. Existem quatro cenários bem descritos de VAD fisiológica:

  • Hipotensão grave
  • Hipoxemia refratária
  • Acidose grave
  • Insuficiência de ventrículo direito

Dessas, uma das mais comuns é a hipotensão grave. Será que o bolus de fluido seria capaz de tornar uma IOT com hipotensão mais segura?

O que a nova evidência acrescenta

O estudo PREPARE II avaliou se a infusão de 500 ml de uma solução cristalóide seria capaz de reduzir a incidência de complicações no período de peri-intubação. Foram randomizados 1067 pacientes para a infusão de fluido ou não. O desfecho primário foi colapso cardiovascular, definido como uma composição de: início ou incremento de droga vasoativa, pressão sistólica menor que 65 mmHg, parada cardiorrespiratória ou morte.

O critério de inclusão envolveu estar recebendo pressão positiva entre a indução anestésica e a laringoscopia. Esse ponto foi utilizado para selecionar pacientes com maior chance de se beneficiar da intervenção. A pressão positiva reduz o retorno venoso, aumentando a chance de a hipotensão responder ao fluido.

Não houve diferença no desfecho primário entre os grupos. Esse achado coloca em cheque a recomendação de várias diretrizes de infusão de fluido para prevenir colapso hemodinâmico no peri-intubação.

Manejo de instabilidade hemodinâmica na IOT

O shock index (SI) pode ajudar a prever a ocorrência de instabilidade hemodinâmica. A fórmula do SI é:

Shock index = frequência cardíaca / pressão arterial sistólica

Um SI maior que 0,8 aumenta a chance de instabilidade após a IOT [3].

As drogas vasoativas (DVA) são uma importante medida na garantia de segurança. Idealmente devem ser iniciadas antes do procedimento, já que a preparação da bomba de infusão leva tempo. A DVA pode ser infundida em um acesso periférico caso as condições clínicas não permitam a aquisição de um acesso venoso central antes da IOT.

Caso a deterioração hemodinâmica seja extrema e rápida, é possível tentar doses de DVA em bolus enquanto a bomba de infusão está sendo preparada. Uma possibilidade é diluir uma ampola de 1 mg de adrenalina em uma bolsa de 100 ml de soro e realizar bolus de 1 a 2 ml da solução.

Qualquer sedativo pode agravar a hipotensão, devendo-se preferir etomidato ou quetamina, pois o efeito hipotensor dessas medicações é menor. A dose do sedativo pode ser reduzida pela metade para garantir mais segurança [4].

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