Bulário

Amiodarona

Criado em: 15 de Abril de 2024 Autor: Kaue Malpighi

A amiodarona tem vários efeitos antiarrítmicos e é amplamente utilizada em taquiarritmias supraventriculares e ventriculares dentro e fora do hospital. Neste tópico revisamos seu mecanismo de ação, como prescrever e como evitar seus efeitos adversos durante a administração.

Mecanismo de ação

Amiodarona é um antiarrítmico da classe III (classificação de Vaughan-Williams) com ação principal no bloqueio dos canais de potássio, prolongando a repolarização e o tempo de refratariedade das células cardíacas (figura 1). Também tem outras ações como bloqueio de canais de sódio, cálcio e efeito anti-adrenérgico [1, 2].

Figura 1
Potencial de ação e antiarrítmicos de classe III
Potencial de ação e antiarrítmicos de classe III

O mecanismo de ação difere entre a via intravenosa e a oral. A amiodarona intravenosa tem um tempo de ação mais rápido e atua predominantemente no nó atrioventricular, causando uma lentificação da sua condução e aumentando o período de refratariedade, tornando-a útil para controle de frequência agudamente. Por seu efeito antiadrenérgico significativo, apresenta risco de vasodilatação e hipotensão.

A amiodarona oral tem um tempo de ação prolongado e dependente de dose acumulada; seu pico de ação ocorre em 1 a 3 semanas sem uso de dose de ataque. Apresenta um efeito maior no miocárdio, prolongando seu potencial de ação e período de refratariedade, sendo mais usada no controle de ritmo a longo prazo e na prevenção da recorrência de arritmias [3].

É um medicamento lipofílico com alta distribuição tecidual e capacidade de acúmulo. Sua meia veia é prolongada, de aproximadamente 60 dias [2].

Como prescrever amiodarona na fibrilação atrial (FA)

A ampola de amiodarona tem uma concentração de 50 mg/mL e tem 3 mL, totalizando 150 mg por ampola. Deve ser diluída preferencialmente em soro glicosado 5% (SG 5%). Apresenta risco de flebite quando infundida em acesso periférico e em concentrações maiores que 2 mg/mL.

O esquema de dosagem de amiodarona é semelhante para controle de ritmo ou de frequência. O esquema mais comumente utilizado é o de 150 mg em dose de ataque, sendo infundido em 30 a 60 minutos, seguido de 900 mg em 24 horas em bomba de infusão contínua (1 mg/min nas primeiras 6 horas e 0,5 mg/min por 18 horas). É comum a diluição de 900 mg (6 ampolas) em 250 mL de SG 5% infundida em cateter venoso central por 24 horas (aproximadamente 11 mL/h por 24 horas) sem a necessidade de mudança nas primeiras 6 horas. Para infusões contínuas e prolongadas, recomenda-se infusão em cateter venoso central.

A dose de ataque deve ser feita em 30 a 60 minutos para reduzir o risco de hipotensão [4, 5]. Algumas referências recomendam o uso de doses de ataque de até 300 mg. Em pacientes críticos, com risco de hipotensão significativa e que a FA não é a causa da instabilidade, pode-se considerar a não realização da dose de ataque.

A eficácia da amiodarona para controle de ritmo é inconsistente na literatura. A probabilidade de sucesso é maior em pacientes com episódios de FA de curta duração e átrio esquerdo de menor tamanho (veja mais sobre anticoagulação antes do controle de ritmo na revisão sobre Fibrilação Atrial) [5, 6].

Como prescrever amiodarona nas arritmias ventriculares e PCR

Na parada cardiorrespiratória, o uso da amiodarona é recomendado nos ritmos chocáveis entre o segundo e o terceiro choques. Neste contexto ela é feita na dose de 300 mg em bolus intravenoso ou intraósseo. Pode-se repetir uma dose de 150 mg em casos refratários.

Em pacientes com taquicardia ventriculares e instáveis, o tratamento de escolha é a cardioversão elétrica. Em pacientes estáveis, pode-se utilizar a cardioversão química com drogas intravenosas como a procainamida e o sotalol, sendo a amiodarona uma medicação de segunda linha. Quando utilizada, a dose é a mesma discutida no contexto de fibrilação atrial [7, 8]. Neste caso, algumas fontes recomendam infusão de ataque em 10 minutos, devendo-se tomar cuidado com hipotensão.

Em pacientes com tempestade elétrica ou taquicardia ventricular incessante, a medicação antiarrítmica de escolha é a amiodarona, preferencialmente em conjunto com beta-bloqueadores [9, 10].

Outros cuidados e transição de amiodarona intravenosa para oral

O principal evento adverso associado ao uso da amiodarona intravenosa é a hipotensão. Sua ocorrência está associada a infusões rápidas e a solventes como o polissorbato 80 (presente nas ampolas no Brasil). Infusões das doses de ataque de modo mais lento, em 30 a 60 minutos, reduzem esse risco.

Flebite pode ser evitada com concentrações mais diluídas (< 2 mg/mL) e infusões prolongadas. Outros eventos adversos incluem bradicardia, náusea, vômitos e alterações de enzimas hepáticas. Raramente, o uso da amiodarona pode gerar torsades de pointes, sendo mais comum em pacientes com infarto ou alterações eletrolíticas associadas [9, 10].

A amiodarona tem alto risco de interação medicamentosa por inibir o metabolismo de algumas drogas. As principais interações são:

  • Varfarina - potencializa seu efeito, com necessidade de redução de sua dose e acompanhamentos frequentes do tempo de protrombina [11].
  • Sinvastatina - recomenda-se uma dose máxima de 20 mg quando utilizada em conjunto com amiodarona pelo aumento no risco de miopatia [12, 13].
  • Digoxina - aumenta o risco de toxicidade com o uso de amiodarona.

Em pacientes estáveis, considera-se a transição para amiodarona via oral. Quando uma dose acumulada de 10 gramas já foi atingida, pode-se trocar para a via oral em dose de manutenção 100 a 400 mg/dia (100 a 200 mg/dia em pacientes com fibrilação atrial e 200 a 400 mg/dia em pacientes com taquicardias ventriculares). Em pacientes idosos, com disfunção hepática ou com baixo peso (menos que 45 kg) pode-se considerar a dose de 100 mg/dia [14].

Se a dose acumulada de 10 gramas ainda não foi atingida, um esquema proposto é [14]:

  • 200 mg de 8 em 8 horas por uma semana
  • 200 mg de 12 em 12 horas por uma semana
  • Manter dose de manutenção após atingida a dose acumulada de 10 gramas.

Aproveite e leia:

29 de Janeiro de 2024

Fibrilação Atrial

Fibrilação atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum. A prevalência está aumentando em função do crescimento de alguns fatores de risco, da sobrevida de pacientes com doenças cardiovasculares e do envelhecimento populacional. Essa revisão traz as principais recomendações da diretriz americana de FA publicada em dezembro de 2023 pelo American College of Cardiology em conjunto com a American Heart Association.

22 min
Ler Tópico
27 de Maio de 2024

Investigação de Sangramento Gastrointestinal

Sangramento gastrointestinal é uma queixa presente em cenários desde o pronto-socorro até o ambulatório. Na investigação da origem do sangramento podem ser necessários diversos exames, tornando complexa a decisão de qual exame realizar. Essa revisão aborda a investigação do sangramento gastrointestinal, tomando como a base o consenso da American College of Gastroenterology (ACG) e Society of Abdominal Radiology (SAR).

24 min
Ler Tópico
14 de Novembro de 2022

Tratamento de Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica

As diretrizes internacionais recomendam antibioticoterapia empírica de amplo espectro para o tratamento de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV). Em abril de 2022 foi publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) o estudo GRACE-VAP que tenta utilizar a coloração de gram para guiar a terapia inicial. Vamos ver o que essa evidência acrescentou e revisar o tema.

23 de Janeiro de 2023

Síndrome de Wellens

A análise do eletrocardiograma (ECG) na dor torácica tem como divisor de águas a presença de supradesnivelamento do segmento ST (supra de ST). Alguns argumentam que o foco excessivo no supra de ST pode desviar a atenção de outros padrões relevantes no ECG. Aproveitando publicações recentes, vamos revisar o padrão de Wellens, um ECG que sempre deve ser lembrado.

11 de Fevereiro de 2024

Diretriz de Síndrome de Guillain Barré

A Síndrome de Guillain Barré (SGB) é a principal causa de paralisia flácida aguda no pronto socorro. Essa condição tem tratamento específico e há risco de falência respiratória e disautonomia grave. Em outubro de 2023, foi publicado no European Journal of Neurology a nova diretriz europeia de diagnóstico e manejo da Síndrome de Guillain-Barré. Esse tópico revisa o tema e aborda essa nova publicação.