Carcinoma Hepatocelular
O carcinoma hepatocelular é o câncer hepático primário mais prevalente e possui alta mortalidade quando diagnosticado tardiamente. Os resultados de um estudo sobre o impacto do rastreio dessa condição em pacientes de risco, publicados em abril de 2024 no Journal of the American Medical Association, motivaram a revisão sobre o tema [1].
Câncer hepático e fatores de risco
As lesões hepáticas neoplásicas podem ser divididas em primárias ou secundárias/metastáticas. O carcinoma hepatocelular (CHC) é o câncer hepático primário mais prevalente. Colangiocarcinoma é o segundo mais comum, responsável por até 15% dos cânceres hepáticos primários. Já as lesões metastáticas são frequentemente decorrentes de neoplasias de intestino grosso ou reto.
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de CHC são a cirrose e a infecção crônica pelo vírus da hepatite B, mesmo na ausência de cirrose.
Muitos pacientes não desenvolvem sintomas específicos do CHC. Quando ocorrem, as manifestações clínicas podem ser divididas em [2]:
- Descompensação de cirrose - ascite, encefalopatia, acentuação de icterícia, piora da hipertensão portal. Esses pacientes têm pouca tolerância a infiltração tumoral, descompensando com facilidade
- Relacionadas ao acometimento local - icterícia obstrutiva, rotura tumoral complicada com sangramento cavitário, abscesso hepático
- Síndromes paraneoplásicas - hipoglicemia, hipercalcemia, alterações dermatológicas (dermatomiosite, pênfigo foliáceo, sinal de Leser-Trélat).
Rastreio de carcinoma hepatocelular
O CHC é uma causa frequente de morte nos pacientes com o diagnóstico. O prognóstico é relacionado ao estadiamento tumoral e elegibilidade para terapia curativa. Pacientes com diagnóstico em fases precoces têm taxas de sobrevida em cinco anos de até 70% [3, 4]. O rastreio de CHC parece estar relacionado a maior possibilidade de terapias curativas e aumento de sobrevida [1].
As sociedades não são consensuais a respeito da população ideal a ser rastreada e da forma de rastreio. A cirrose é o principal fator de risco para CHC e a maioria das diretrizes recomenda rastreio para esses pacientes. A infecção crônica pelo vírus da hepatite B deve ser avaliada em conjunto a outros parâmetros para definir a necessidade de rastreio para CHC. Uma estratégia recomendada é o uso da ferramenta PAGE-B, que estima o risco de CHC em pacientes infectados. A tabela 1 detalha as indicações das sociedades americana e europeia [5, 6]
A ultrassonografia (USG) hepática é o exame de escolha para o rastreio de CHC [6]. Pacientes com lesões benignas ou sem lesões podem repetir o rastreio com intervalos de seis meses. Em casos de dificuldade técnica para a realização da USG, pode ser realizada tomografia computadorizada (TC) de abdome.
A dosagem de alfa-fetoproteína sérica tem papel controverso no rastreio de CHC. Nunca deve ser usada isoladamente para esta finalidade. Quando em conjunto à USG, aumenta as taxas de detecção de CHC em cerca de 10% [5, 6].
Diagnóstico
Geralmente, o exame de imagem consegue diagnosticar o CHC e não há necessidade de biópsia. A escolha do método de imagem pode ser definida pela disponibilidade do exame e presença de contraindicações.
A TC é pouco sensível para tumores menores que 2 cm. Porém, possui valor preditivo positivo de até 92% para identificação de tumores ≥ 2 cm quando usada em pacientes candidatos a transplante [7].
A ressonância magnética (RM) com contraste também pode ser usada para o diagnóstico de CHC. Alguns estudos apontam que parece ser mais acurada que a TC para determinar o diagnóstico de CHC [8]. O gadolínio é bastante disponível, mas deve ser usado com cautela em pacientes com disfunção renal e clearance de creatinina inferior a 30 ml/min. Outro contraste usado é o gadoxetato (primovist®), excretado pela bile. Não deve ser usado em pacientes com níveis de bilirrubina superiores a 3 mg/dl [9].
A USG com contraste (usualmente microbolhas) é reservada para pacientes com nódulos previamente visualizados no exame sem contraste e pode caracterizar melhor as lesões. É bem tolerado e com poucas contraindicações. No entanto, quando existe a suspeita de CHC, deve ser seguido de um exame mais específico, como TC ou RM.
Os achados dos exames de imagem (TC, RM ou USG com contraste) são classificados conforme o sistema LI-RADS (tabela 2). A partir da classificação, o diagnóstico de CHC pode ser confirmado, ou testes adicionais podem ser necessários [10].
As lesões em pacientes de alto risco para CHC classificadas como LI-RADS 5 devem ser avaliadas quanto à presença de três características: washout central; maior definição da cápsula do tumor ao contraste e aumento de tamanho igual ou superior a 50% em seis meses. O diagnóstico de CHC pode ser firmado em pacientes com LI-RADS 5 e alto risco para CHC sem necessidade de biópsia nas seguintes situações [11]:
- Tumores com ≥ 2 cm e pelo menos uma das características
- Tumores com ≥ 1 cm e < 2 cm, com aumento de tamanho ≥ 50% em seis meses
- Tumores com ≥ 1 cm e < 2 cm, com washout central
A biópsia hepática é reservada para casos de incerteza diagnóstica ou quando determina mudança na conduta. Algumas situações em que a biópsia é realizada incluem [11]:
- Indicação de terapia locorregional (como ablação) ou transplante hepático
- Suspeita de outro tumor hepático (primário, como o colangiocarcinoma, ou metastático)
- Ausência de cirrose
Considerações sobre o tratamento
Existem muitas opções de tratamento no CHC. As terapias curativas incluem a ressecção tumoral e o transplante hepático. Outras possibilidades como terapias sistêmicas (terapia molecular, imunoterapia ou quimioterapia) e locorregionais (ablação, embolização ou quimioterapia transcateter) podem ser oferecidas para controle de tumor e de sintomas.
A escolha da terapia depende da disponibilidade, possibilidade de cura, gravidade do tumor e das comorbidades do paciente. Existem algoritmos que auxiliam na tomada de decisão, como o proposto pela BCLC (fluxograma 1). A maioria dos pacientes será acompanhada por uma equipe de vários especialistas [12].
Aproveite e leia:
Uso de Drogas Vasoativas e Albumina na Cirrose
Pacientes com cirrose podem ter complicações que necessitam de tratamento com drogas vasoativas (DVA) e albumina. Em janeiro de 2024, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou uma atualização sobre o uso de DVA e albumina nesse contexto. Neste tópico são revisadas as recomendações para as principais descompensações de cirrose.
Lesão Renal Aguda no Paciente com Cirrose
Cirrose é uma condição grave e com muitas complicações próprias do quadro. A ocorrência de lesão renal aguda (LRA) nesses pacientes tem particularidades que tornam o manejo minucioso. O New England Journal of Medicine (NEJM) trouxe uma revisão sobre o tema em 2023 e aproveitamos para revisar também aqui neste tópico.
Betabloqueador no Paciente com Cirrose
Betabloqueadores fazem parte da terapia do paciente com cirrose. A percepção de que existe uma janela terapêutica - um momento certo de iniciar e de retirar esse medicamento - tem crescido. Esse tema foi revisado no Journal of Hepatology em dezembro de 2022. Trouxemos esse conceito e revisamos os betabloqueadores no paciente com cirrose.
Tuberculose Latente
A tuberculose latente é um problema global de saúde pública. Com o aumento do uso de imunossupressores, em especial inibidores do fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), a preocupação com a progressão da doença para a forma ativa tem aumentado. Em 2022, o New England Journal of Medicine Evidence e o Journal of the American Medical Association (JAMA) publicaram revisões sobre o assunto. Vamos trazer os principais pontos neste tópico.
Profilaxia Primária de Trombose no Paciente com Câncer
Pacientes com neoplasia possuem alto risco para desenvolvimento de eventos tromboembólicos. Encontrar o grupo que mais se beneficia de profilaxia primária é uma tema recorrente em diversos estudos nos últimos anos. O trabalho TARGET-TP, publicado na JAMA em novembro de 2023, propôs uma nova estratégia para identificar esses pacientes. Esse tópico revisa o tema e os resultados do estudo.