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Nova Diretriz de Hiperglicemia no Paciente Internado

Criado em: 25 de Julho de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

Hiperglicemia em pacientes hospitalizados é uma ocorrência diária. Em abril de 2022, a Endocrine Society lançou uma nova diretriz de manejo de hiperglicemia no paciente internado não crítico [1]. São 10 recomendações no total. Aqui revisamos o documento e discutimos os principais pontos.

Introdução e definições

Dos pacientes adultos hospitalizados, 25% têm diabetes. Hiperglicemia no paciente internado está associado a maior tempo de internação e mais complicações. O documento trata exclusivamente do manejo de glicemia fora da UTI.

Tabela 1
Insulinas rápidas e basais
Insulinas rápidas e basais

A nomenclatura dos esquemas de insulina não é consensual. A diretriz aborda esse problema trazendo uma sessão com definições:

  • Esquema móvel (sliding scale): abordagem reativa baseada nos níveis de glicemia. Costumeiramente, as glicemias são medidas em horários fixos (6 em 6 ou 4 em 4 horas) e não são sincronizadas com a alimentação. Doses progressivas de insulina rápida são administradas a depender do valor da glicemia, sem individualizar para a sensibilidade de cada paciente à insulina. Exemplo: glicemia entre 150 e 200 - administrar 01 unidade de insulina; glicemia entre 200 e 250 - administrar 02 unidades de insulina e assim sucessivamente.
  • Insulina de correção (correction insulin therapy): similar ao esquema móvel, porém necessariamente vinculada a glicemias pré-prandiais. Se for necessária, a insulina rápida é administrada sempre antes da refeição.
  • Insulina de horário (scheduled insulin therapy): combinação de insulina basal (ação intermediária ou longa) com insulina prandial pré-refeição (rápida ou ultra-rápida).
  • Esquema basal bolus (BB): o esquema BB é um tipo de insulina de horário. A insulina basal é administrada uma a duas vezes por dia. A insulina rápida é feita pré-refeição e a dose tem dois componentes: prandial e correção. O componente prandial corrige o incremento de glicemia que a própria refeição vai causar. A correção atua na glicemia que já está elevada antes da refeição. Exemplo:
    • O paciente tem um esquema de correção da seguinte forma: "glicemia entre 150 e 200 - administrar 01 unidade de insulina; glicemia entre 200 e 250 - administrar 02 unidades de insulina". Para ilustrar, suponhamos que antes do almoço a glicemia é de 223 mg/dL e que para cobrir essa refeição serão necessárias 3 unidades de insulina. A dose de insulina rápida antes do almoço será de 5 unidades: 3 unidades para atuar na carga glicêmica da refeição (componente prandial) e 2 unidades para corrigir a glicemia pré-refeição que já está elevada (componente de correção).

Monitorização da glicemia

A recomendação 1 é sobre monitorização da glicemia: "em pacientes hospitalizados com diabetes tratados com insulina e em risco de hipoglicemia, nós sugerimos monitorização contínua da glicemia (MCG)". Para ajustes na dose de insulina, deve-se confirmar os valores com glicemia capilar na beira do leito.

Pacientes de risco para hipoglicemia estão incluídos na tabela 2.

Tabela 2
Pacientes de risco para hipoglicemia
Pacientes de risco para hipoglicemia

A MCG é feita com um aparelho fixado na pele que faz leituras de glicose a cada 5 a 15 minutos. Parece detectar mais eventos de hipoglicemia e melhorar o controle. A equipe deve ser treinada antes da implementação dessa medida.

Hiperglicemia induzida por corticóides

A recomendação 2 aborda hiperglicemia induzida por corticóides: "em pacientes hospitalizados que desenvolvem hiperglicemia enquanto recebem corticóides, nós sugerimos manejo de glicemia com um esquema baseado em NPH ou BB".

O esquema baseado em NPH consiste na administração preemptiva de insulina NPH pareada com a administração do corticóide. A lógica é que a insulina NPH se assemelha com o perfil farmacodinâmico de prednisona e metilprednisolona. Assim, sincronizando a administração dos medicamentos, a insulina negaria o efeito glicêmico dos corticóides.

As evidências não são claras se existe uma estratégia melhor nesse contexto. O documento enfatiza que o mais importante é abordar a hiperglicemia induzida por corticóides do que saber o esquema de insulina ideal.

É necessário cuidado quando a terapia com corticoides for reduzida ou suspensa, pela chance de hipoglicemia. Especialistas sugerem escolher a insulina baseada no perfil farmacodinâmico do corticoide. Apesar do sentido teórico, essa estratégia precisa de mais estudos. Uma diretriz sobre o tema traz mais detalhes de doses e titulação da insulina [2].

Bomba de insulina e educação em diabetes

A recomendação 3 é sobre manter a bomba de infusão subcutânea de insulina no hospital. Se a equipe for treinada para esse manejo, a orientação é manter. Se não houver treino, sugere-se mudar para esquema BB se a previsão é de uma internação de mais do que 1 a 2 dias. Para fazer a transição da bomba de infusão para o esquema BB, as configurações da bomba precisam ser consultadas. A diretriz traz uma sugestão conforme a tabela 3.

Tabela 3
Conversão de infusão de insulina subcutânea contínua para insulina basal-bolus
Conversão de infusão de insulina subcutânea contínua para insulina basal-bolus

A recomendação 4 trata de educação em diabetes. Deve-se fornecer capacitação em diabetes para o paciente antes da alta. Um programa de educação bem feito é capaz de melhorar a hemoglobina glicada (HbA1C) e reduzir novas admissões.

Todo programa de educação tem que tocar no mínimo nos seguintes pontos:

  • Como administrar as medicações
  • Como monitorizar a glicemia
  • Plano alimentar básico
  • Prevenção, identificação e tratamento de hiper e hipoglicemia
  • A quem recorrer em casos de emergência, preocupações ou dúvidas

Os estudos de intervenções educacionais também trazem medidas que facilitam a transição do cuidado hospitalar para o ambulatorial. O documento menciona:

  • Garantir uma consulta pós alta
  • Acompanhar o paciente por telefone após a alta
  • Facilitar o acesso a medicações e insumos necessários

Meta de glicemia antes de cirurgia eletiva

A recomendação 5 traz metas glicêmicas antes de cirurgias eletivas: "nós sugerimos uma meta de HbA1C < 8% e de glicemia entre 100 e 180 mg/dL antes de procedimentos eletivos".

A glicemia entre 100 a 180 mg/dL deve ser atingida em 1 a 4 horas antes da cirurgia. Se não for possível HbA1C na meta, pelo menos a glicemia pré procedimento deve estar no intervalo sugerido.

Níveis mais altos desses parâmetros se relacionam com maior tempo de internação e infecção de sítio cirúrgico.

Nutrição enteral e glicemia

A recomendação 6 toca no manejo de hiperglicemia no paciente em alimentação enteral. Os autores sugerem que tanto pode ser o esquema BB como um baseado em NPH. Não parece haver diferenças importantes.

A escolha da estratégia é influenciada pela maneira que a dieta é administrada. Quando a dieta é feita em bolus, o paciente recebe uma insulina basal e uma rápida com componente prandial e correção antes de cada bolus de dieta. Se a dieta é contínua, a insulina lenta pode ser feita para atender a 50% da demanda diária de insulina e a insulina rápida de correção baseada em glicemias de horário (4 em 4 ou 6 em 6 horas) [3].

Antidiabéticos orais no hospital

A recomendação 7 traz o tópico bastante debatido de uso de antidiabéticos no hospital: "na maioria dos pacientes, nós sugerimos utilizar insulina ao invés de terapias não insulínicas".

São poucas as evidências nesse tema. Alguns estudos encontraram incidência alta de náuseas e vômitos com análogos da GLP-1 (os glutides) e aumento do risco de hipoglicemia com sulfoniluréias. Em pacientes estáveis antes da alta, é razoável começar terapias não insulínicas.

Os autores colocam que, se o quadro for leve em pacientes selecionados, os inibidores de DPP4 (as gliptinas) são uma opção. Esses pacientes são os que possuem HbA1C < 7,5; glicemia < 180 mg/dL e dose total de insulina antes da internação menor que 0,6 UI/kg. Se a glicemia se mantiver acima de 180 mg/dL, deve-se iniciar insulina.

Bebidas com carboidratos e contagem de carboidratos

Na recomendação 8, a diretriz orienta não administrar bebidas com carboidratos antes de cirurgias em pacientes com diabetes. Essa medida faz parte do protocolo Enhanced Recovery After Surgery (ERAS). A ideia dessa intervenção é que o carboidrato seria capaz de minimizar a resistência insulínica e catabolismo induzidos pelo estresse cirúrgico. Esse benefício é teórico e a intervenção pode ter malefícios, assim não deve ser feita.

A recomendação 9 é sobre contagem de carboidratos (CC). A CC é um método para calcular a dose de insulina prandial. A dose de insulina varia em função da carga glicêmica da refeição. Se o paciente não precisava de insulina antes da internação, o documento sugere não utilizar CC. Se o paciente utilizava insulina antes, a diretriz sugere que tanto faz utilizar CC ou realizar uma dose fixa.

Esquema de insulina no paciente internado

A recomendação 10 é a mais aguardada e trata sobre o esquema ideal de insulina para manejo da hiperglicemia dentro do hospital. A diretriz divide a recomendação em três:

  • Em pacientes sem diabetes com glicemia > 140 mg/dL, sugere-se terapia inicial com insulina de correção. Se o paciente tiver dois ou mais episódios de glicemia > 180 mg/dL no período de 24 horas, deve-se acrescentar insulina de horário.
  • Em pacientes com diabetes tratados com terapias não insulínicas, sugere-se tanto insulina de correção ou insulina de horário. Se a glicemia da admissão for > 180 mg/dL, sugere-se iniciar insulina de horário. Se o paciente tiver dois ou mais episódios de glicemia > 180 mg/dL no período de 24 horas apenas com insulina de correção, deve-se acrescentar insulina de horário.
  • Em pacientes que já usavam insulina previamente à internação, recomenda-se manter o esquema de insulina de casa ajustado para o estado nutricional e gravidade da doença.

Redução na dose de insulina basal em 10 a 20% podem ser necessárias em pacientes que usavam uma dose de insulina basal > 0,6 UI/kg.

A meta é deixar a glicemia entre 100 e 180 mg/dL.

Um dos estudos que norteia a meta de glicemia é o NICE-SUGAR, publicado no New England Journal of Medicine em 2009 [4]. Realizado no ambiente de terapia intensiva, esse trabalho comparou uma meta de glicemia entre 81 e 108 mg/dL contra menor que 180 mg/dL. A meta menor que 180 mg/dL teve menor mortalidade.

O esquema de correção não é suficiente para controlar a glicemia em muitos pacientes. Várias evidências concordam nesse sentido, entre elas o estudo RABBIT 2 publicado em 2007 [5]. Comparando esquema móvel com BB, esse artigo encontrou que o BB melhorou o controle glicêmico.

Contudo, parece existir espaço para a insulina de correção isoladamente em alguns pacientes. Esse estudo observacional publicado em 2021 encontrou que pacientes com hiperglicemia leve ( < 180 mg/dL) podem ter bom controle com insulina de correção apenas [6]. Esse estudo foi repercutido no nosso especial de melhores artigos de 2021.

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