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Bloqueador Neuromuscular na Intubação Orotraqueal

Criado em: 08 de Julho de 2024 Autor: Lucca Cirillo

Os bloqueadores neuromusculares (BNM) são utilizados para indução de paralisia muscular na intubação de sequência rápida (ISR). Este tópico revisa o uso do BNM na ISR e novas evidências sobre a escolha de cada agente.

Bloqueadores neuromusculares na intubação de sequência rápida

Os BNM são utilizados na ISR para indução de paralisia muscular, sempre associados a um agente sedativo (veja mais em Etomidato na Intubação de Sequência Rápida). O sedativo é obrigatório para evitar a paralisia muscular com preservação do nível de consciência, o que resultaria em sofrimento ao paciente [1].

Os BNM podem ser divididos em duas classes:

  • BNM despolarizante: o principal é a succinilcolina. Sua ação ocorre pela ligação com receptores nicotínicos na junção neuromuscular. Despolariza a membrana, o que pode causar fasciculações, e em seguida há uma fase sustentada de refratariedade que leva à paralisia muscular.
  • BNM não despolarizante: o rocurônio é o BNM não despolarizante mais utilizado na ISR. Sua ação ocorre pelo antagonismo competitivo da acetilcolina nos receptores muscarínicos, prevenindo a contração muscular. Outros exemplos nessa classe são vecurônio, pancurônio, atracúrio e cisatracúrio. Esses agentes são utilizados para bloqueio muscular prolongado, em pacientes críticos sob ventilação mecânica, sendo pouco utilizados para ISR pelo maior tempo para início de ação, geralmente acima de dois minutos.

Indicações e escolha do bloqueador neuromuscular (BNM)

O principal benefício do BNM na ISR é aumentar a taxa de sucesso na primeira tentativa. Esse benefício é observado tanto para laringoscopia direta como para videolaringoscopia [2]. O BNM também é capaz de melhorar a visualização laríngea durante o procedimento, facilitar a ventilação bolsa-válvula-máscara e reduzir a taxa de hipoxemia e trauma de via aérea (como lesão de laringe, cordas vocais e lesões dentárias) [3, 4].

A diretriz da Society of Critical Care Medicine (SCCM) recomenda o uso de BNM sempre que um agente sedativo for utilizado [5]. Essa recomendação também é endossada pelas diretrizes da Sociedade Europeia de Anestesia e Jornal Britânico de Anestesia [4, 6].

Tanto a succinilcolina como o rocurônio são utilizados na ISR pela vantagem do rápido início de ação, fornecendo condições ideais de intubação em até 60 segundos. Na ausência de contraindicações a um agente específico, não há preferência na escolha do BNM.

Uma das preocupações com o uso da succinilcolina são os efeitos adversos, principalmente a hipercalemia. Sugere-se que a succinilcolina seja evitada em pacientes que tenham fatores de risco para os efeitos adversos. A tabela 1 resume as principais contraindicações de bula ao uso da succinilcolina.

Tabela 1
Principais contraindicações ao uso da succinilcolina
Principais contraindicações ao uso da succinilcolina

O uso do rocurônio na ISR aumentou nas últimas duas décadas, tendo em vista o perfil de segurança favorável. Seu principal efeito adverso é a ocorrência de reações alérgicas ou anafilaxia [7, 8]. Em um cenário de emergência e desconhecimento de dados da história do paciente (comorbidades e diagnóstico), optar pelo rocurônio é uma escolha segura.

Alguns profissionais podem ter receio de usar o BNM durante a ISR por conta da possibilidade de não conseguirem intubar e não conseguirem ventilar o paciente (não intubo, não ventilo ou NINO). Esta preocupação não justifica evitar o BNM, por algumas razões:

  • Este é um cenário raro na prática clínica, com incidência de 3,9 para cada 1000 intubações na emergência [9]. A diretriz da SCCM considera que os benefícios do uso do BNM superam os riscos de um evento com baixa incidência [5].
  • Mudanças na técnica do procedimento, como posicionamento, pré-oxigenação e o próprio uso do BNM têm melhorado a eficácia e segurança da ISR.
  • A dose de sedativo utilizada na ISR já é suficiente para reduzir o drive respiratório e deixar o paciente hipopneico ou apneico.
  • Caso o BNM não seja feito e ocorra uma situação de NINO, a necessidade de uma intervenção para a via aérea ainda existe. A condição original que motivou a intubação continua presente e não foi resolvida. Confiar em alguma atividade respiratória residual e perseverar em uma laringoscopia subótima que já falhou pode atrasar a terapia adequada, como dispositivos extraglóticos (se ainda não tiverem sido tentados) ou via aérea cirúrgica.

Quando se prevê uma via aérea difícil, pode ser utilizada uma técnica de intubação acordada [10]. Várias técnicas são descritas para uma intubação acordada, tendo todas em comum o fato de a intubação ocorrer enquanto o paciente está respirando, utilizando anestésicos tópicos e/ou algum grau de sedação, geralmente com um fibroscópio ou videolaringoscópio [11, 12]. Um BNM não é utilizado nessas técnicas. Nem toda via aérea difícil precisa de intubação acordada, sendo a ISR utilizada em muitos casos. A intubação acordada deve ser considerada quando o operador mais experiente avalia que não vai conseguir intubar e ventilar, a intubação não é extremamente urgente permitindo tempo para planejamento e alguém de equipe é capacitado para tal, especialmente se o paciente não é capaz de tolerar breves segundos de hipoxemia.

Como fazer bloqueador neuromuscular na sequência rápida: doses e reversor

A dose de succinilcolina para ISR é de 1,0 - 1,5 mg/kg. O tempo de latência até o início de efeito é de aproximadamente 45 segundos. Doses menores (0,6 mg/kg) podem ser utilizadas em pacientes instáveis ou críticos, fornecendo condições satisfatórias de intubação. A duração da paralisia é em torno de 6 a 10 minutos [13]. Em pacientes obesos, é sugerido utilizar o peso real para cálculo da dose [14].

Não há dados acerca da segurança de doses repetidas, em cenários onde haja dificuldades durante a intubação. Caso o procedimento exceda o tempo de bloqueio da succinilcolina e sejam necessárias múltiplas doses (a depender do tempo da intercorrência), é válido considerar o uso do rocurônio, já que este fornece um tempo de bloqueio superior.

Existe controvérsia em relação à dose ideal de rocurônio na ISR. Uma revisão da Cochrane indica equivalência nas doses entre rocurônio 0,9-1,2 mg/kg e succinilcolina 1 mg/kg, quanto à chance de intubação em primeira tentativa [15]. Entretanto, doses de 0,6 - 0,7 mg/kg foram inferiores quando comparadas à succinilcolina 1 mg/kg. Como uma ampola de rocurônio tem 50 mg no total, em adultos com mais do que 55 kg, seria necessário mais do que uma ampola para atingir o bloqueio comparável à succinilcolina.

Essa revisão não incluiu um estudo publicado em 2022 que identificou maior sucesso na intubação em primeira tentativa para doses ≥ 1,4 mg/kg [16]. Doses acima de 1,2 mg/kg ainda não figuram como recomendação em diretrizes, mas este estudo sugere que doses maiores do que as usualmente recomendadas podem ser necessárias para criar condições de intubação equivalentes à succinilcolina. Em pacientes obesos, a dose do rocurônio pode ser calculada pelo peso ideal.

O tempo até a paralisia muscular com rocurônio depende da dose utilizada, porém costuma ser maior do que o da succinilcolina. A duração de ação da paralisia pelo rocurônio é de 73 minutos em média. Para evitar paralisia muscular com preservação da consciência, é obrigatória a associação de sedação após o procedimento.

O rocurônio dispõe de antídoto, o sugamadex. Ele é mais utilizado na anestesia, por promover uma rápida e eficiente reversão do bloqueio neuromuscular. O papel no cenário de emergência é de permitir um exame neurológico precoce após a intubação com rocurônio, especialmente em casos de trauma craniano, AVC e estado epiléptico [17, 18].

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