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Gliflozinas (inibidores da SGLT2)

Criado em: 01 de Agosto de 2022 Autor: Kaue Malpighi

As gliflozinas (inibidores da SGLT2) são uma das medicações mais estudadas da última década, com pesquisas mostrando seu benefício em diabetes mellitus tipo 2 (DM2), insuficiência cardíaca e doença renal crônica (DRC). Em maio de 2022, o New England Journal of Medicine (NEJM) lançou uma revisão sobre as gliflozinas no manejo de doenças cardiovasculares e trazemos os principais estudos e indicações aqui [1].

Mecanismo de ação

A reabsorção de glicose nos túbulos renais é ligada a reabsorção de sódio. Isso ocorre através de proteínas carreadoras chamadas de cotransportadores de sódio-glicose (SGLT).

São descritas duas isoformas de SGLT. A SGLT1 localiza-se no intestino delgado, com pouco efeito renal. A SGLT2 é encontrada predominantemente nas células epiteliais dos túbulos renais proximais, sendo responsável por mais de 90% da reabsorção de glicose e 65% da reabsorção de sódio. A gliflozinas inibem a ação da SGLT2, causando glicosúria.

Essas medicações foram inicialmente estudadas na DM2. Vários estudos indicam que as gliflozinas reduzem a hemoglobina glicada de 0,5 a 1,1% [2]. Normalmente não levam a hipoglicemia quando usadas em monoterapia.

O evento adverso mais comum é a infecção genital por fungos. Eventos menos comuns incluem infecção do trato urinário e cetoacidose diabética euglicêmica. O estudo CANVAS com canagliflozina encontrou aumento do risco de amputações, mas isso não foi observado em estudos subsequentes ou com outras medicações da classe [3].

Antes da aprovação das gliflozinas, havia uma preocupação a respeito do aumento de risco cardiovascular com rosiglitazona, um outro agente antidiabético. Esse receio fez com que os pesquisadores tivessem que comprovar a segurança cardiovascular das gliflozinas. Isso levou a descoberta de efeitos benéficos dessa classe em condições cardíacas e renais.

Uso na diabetes e doença cardiovascular aterosclerótica

O primeiro grande estudo que avaliou as gliflozinas em pacientes com DM2 foi o EMPA-REG OUTCOME, comparando empagliflozina com placebo em pacientes com doença cardiovascular [4]. A medicação se provou segura e cardioprotetora, com redução significativa do risco do desfecho composto cardiovascular (morte por doenças cardiovasculares, infarto não-fatal e acidente vascular encefálico não fatal).

A canagliflozina foi estudada pelo programa CANVAS, uma análise de dados de dois estudos, CANVAS e CANVAS-R. Aqui também foi evidenciado benefício em desfechos cardíacos, além de uma redução da progressão da albuminúria.

O benefício renal foi avaliado no estudo CREDENCE, que selecionou pacientes com DM2 e DRC com albuminúria para receber canagliflozina e placebo [5]. A medicação mostrou eficácia em redução do desfecho composto renal (DRC estágio final, aumento da creatinina basal em 2 vezes e morte por doenças renais ou cardiovasculares).

Nesses estudos, a redução de hospitalizações por insuficiência cardíaca (IC) foi consistente. Isso motivou estudos direcionados para o uso das gliflozinas em pacientes com IC (ver seção "Uso na insuficiência cardíaca").

Atualmente, a American Diabetes Association (ADA) recomenda o uso das gliflozinas como primeira linha em pacientes com DM2 e (evidência 1A) [6]:

  • Alto risco cardiovascular
  • ou
  • Diagnóstico de IC ou DRC

Para pacientes de alto risco cardiovascular, os agonistas do GLP-1 também são a primeira opção. Essa recomendação é independente do uso de metformina ou hemoglobina glicada de base.

Uso na insuficiência cardíaca

Partindo da sinalização de benefício dos estudos anteriores, o primeiro grande artigo avaliando os efeitos dos iSGLT2 na IC foi o DAPA-HF [7]. Pacientes com IC de fração de ejeção menor que 40% (ICFEr) e classe funcional NYHA II-IV foram randomizados para dapagliflozina ou placebo. O grupo intervenção teve redução do risco do desfecho primário, composto por morte cardiovascular e hospitalização por IC. Este benefício foi consistente nos subgrupos com e sem diagnóstico de DM2.

Em seguida, o estudo EMPEROR-Reduced reafirmou este benefício com o uso da empagliflozina em pacientes com ICFEr, independente da presença de DM2 [8].

A dúvida restava na população com IC de fração de ejeção maior que 40% (ICFEp). Até então, nenhum estudo mostrava benefício de mortalidade neste grupo.

Em 2021 foi publicado o estudo EMPEROR-preserved, que randomizou pacientes com ICFEp e NYHA II-IV para uso de empagliflozina e placebo [9]. No uso da empagliflozina, houve redução do desfecho cardiovascular composto. Novamente, o benefício foi persistente em pacientes com e sem diagnóstico de DM2.

A diretriz de IC da AHA/ASA de 2022 (veja mais em "Diretriz de Insuficiência Cardíaca AHA 2022") recomenda o uso em [10]:

  • ICFEr: nível de evidência 1A, podendo ser introduzidos desde o começo do tratamento.
  • IC com fração de ejeção levemente reduzida (40 a 50%) e ICFEp: nível de evidência 2A.

Uso na doença renal crônica

Os estudos previamente citados encontraram uma redução no declínio da função renal em pacientes com diagnóstico de DM2 e DRC, além de redução da albuminúria. Uma meta-análise dos principais estudos com desfecho renal, envolvendo 38.723 pacientes com DM2, mostrou que as gliflozinas reduziram o risco de progressão para diálise, transplante ou morte por causa renal quando comparado com o placebo.

Nos estudos em pacientes com ICFEr, o benefício renal se manteve independente da presença de diagnóstico de DM2. Isso motivou um estudo em que o desfecho primário era renal, o DAPA-CKD [11]. Esse trabalho randomizou pacientes com taxa de filtração glomerular (TFG) entre 25-75 mL/min e relação albumina/creatinina de 200 a 5.000 para receber dapagliflozina ou placebo. No grupo intervenção, houve redução do desfecho composto renal (declínio da TFG de pelo menos 50%, DRC estágio final ou morte por causa renal ou cardiovascular). O benefício foi semelhante em pacientes com e sem DM2.

No guideline de 2022 do KDIGO sobre manejo de DM em pacientes com DRC, é recomendado o uso das gliflozinas nas seguintes situações:

  • Pacientes com DM2, DRC e TFG >= 20 mL/min.

Os autores reforçam que a recomendação é para proteção renal e cardiovascular e que apresenta benefício mesmo para pacientes sem DM2.

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