Amiloidose: Manifestações Clínicas e Diagnóstico

Criado em: 19 de Agosto de 2024 Autor: Ingrid Fröehner

Clinicamente, amiloidose representa um grupo de doenças que ocorrem pelo acúmulo de proteínas no extracelular, podendo levar a disfunção orgânica [1]. Em maio de 2024, uma coorte americana extraiu os dados de 1401 pacientes para avaliar quais sintomas já se encontravam aparentes antes do diagnóstico [2]. Este tópico aborda os principais tipos de amiloidose, suas características e como realizar a investigação.

O que é amiloidose e quais os principais tipos?

A etapa inicial para ocorrência de uma amiloidose é o dobramento inadequado de algumas proteínas solúveis. As proteínas mal dobradas tendem a se emaranhar, formando estruturas rígidas e insolúveis, as fibrilas amiloides. Essas estruturas se depositam no espaço extracelular, levando a disfunção orgânica. Quando a proteína é produzida em um local e depositada em outro, chama-se amiloidose sistêmica. Quando é produzida e depositada no mesmo local, é chamada de amiloidose localizada [3].

Cada tipo de amiloidose é causado por uma proteína diferente que, no contexto de uma amiloidose, é chamada de proteína amiloide. A nomenclatura para os tipos de amiloidose segue a estrutura que contém o prefixo A de amiloidose e o sufixo com a abreviatura da proteína amiloide em inglês, como os exemplos abaixo:

  • AA: Amiloidose A protein amyloid (proteína A amiloide)
  • AL: Amiloidose light chain (cadeia leve)
  • ATTRw: amiloidose transthyretin wild type (adquirida)
  • ATTRv ou hATTR: amiloidose transthyretin variant (ou hereditária) 
  • Ab2m: amiloidose beta 2 microglobulin
Tabela 1
Principais tipos e características de amiloidose.
Principais tipos e características de amiloidose.

A origem pode ser adquirida ou genética [3]. A tabela 1 mostra os principais tipos de amiloidose e suas características.

Quais os principais sintomas da amiloidose?

As manifestações clínicas dependem da estrutura acometida e podem envolver múltiplos órgãos ao mesmo tempo, necessitando de alta suspeita clínica para o diagnóstico [2].

Nas amiloidoses sistêmicas, os principais órgãos envolvidos são: coração, rim, tendões, nervos periféricos e sistema nervoso autonômico. Devido à sobreposição de sintomas, a diferenciação do tipo de amiloidose apenas pela clínica é difícil [3, 4]. A tabela 2 mostra os principais acometimentos conforme a prevalência e tipo de amiloidose sistêmica. 

Tabela 2
Acometimento orgânico das amiloidoses sistêmicas.
Acometimento orgânico das amiloidoses sistêmicas.

Uma coorte americana extraiu dados de 1401 pacientes com diagnóstico de amiloidose AL, buscando sintomas prévios ao diagnóstico da doença. Os resultados mostraram que dispneia (55%), fadiga (44%), neuropatia (39%), doença renal crônica (37%), alteração do hábito intestinal (37%), edema (36%) e insuficiência cardíaca (36%) foram os sintomas mais prevalentes, antecedendo o diagnóstico em 3 a 21 meses [2]. 

Tabela 3
Apresentações e diagnósticos diferenciais de algumas amiloidoses localizadas.
Apresentações e diagnósticos diferenciais de algumas amiloidoses localizadas.

As manifestações de amiloidoses localizadas variam conforme o órgão acometido e são diagnósticos diferenciais de situações comuns, como disfagia, nódulos cutâneos e resistência insulínica [4]. A tabela 3 traz algumas apresentações das amiloidoses localizadas.

Como é feito o diagnóstico de amiloidose?

A investigação para amiloidose sistêmica deve ser realizada em pacientes com insuficiência cardíaca, neuropatia ou síndrome nefrótica inexplicadas. Pistas diagnósticas incluem ECG de baixa voltagem, hipotensão sem uso de medicações anti-hipertensivas e neuropatia associada a outros acometimentos orgânicos [4].  

A amiloidose AL é o tipo mais comum e com pior prognóstico. Esta amiloidose deve ser descartada em todos os casos através da solicitação de eletroforese de proteínas com imunofixação sérica e urinária e pesquisa de cadeias leves livres. Se exames normais, é possível excluir amiloidose AL com um valor preditivo negativo de 99% [4, 5]. 
Veja mais sobre eletroforese de proteínas e imunofixação em "Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (MGUS)" e no episódio 241 TdC Lab: Eletroforese de proteínas, imunofixação e cadeias livres e leves

Além dos exames de rastreio para AL, é necessária uma biópsia para documentar a proteína amiloide. A maior sensibilidade e especificidade para identificar a proteína amiloide é através do tecido do órgão disfuncional. Quando a biópsia do órgão é inviável ou arriscada, sítios alternativos de biópsia são uma opção na suspeita da amiloidose sistêmica, como biópsia ou aspirado de gordura abdominal/coxim adiposo (sensibilidade de até 80%), biópsia retal (sensibilidade 75%) ou biópsia de glândula salivar labial (sensibilidade 89%) [3, 4, 6]. 

O material da biópsia é submetido a análise imuno-histoquímica e microscopia eletrônica para identificar e tipificar a proteína amiloide. Na imuno-histoquímica, é possível identificar a proteína amiloide através da coloração vermelho congo, que apresenta birrefringência verde-maçã sob luz polarizada. O processo de diagnóstico está detalhado no fluxograma 1 [3]. 

Fluxograma 1
Algoritmo diagnóstico de amiloidose.
Algoritmo diagnóstico de amiloidose.

O único tipo de amiloidose que pode ser diagnosticado sem biópsia é a amiloidose ATTR quando há acometimento cardíaco. Nesse caso, é necessário descartar amiloidose AL e realizar a cintilografia com Tc-99m-PYP (pirofosfato) seguida de tomografia por emissão de fóton único (SPECT), como testes confirmatórios [5]. 

Caso os exames de imagem para amiloidose cardíaca não estejam disponíveis ou sejam negativos/inconclusivos, está indicada a biópsia miocárdica [5].

Aproveite e leia:

20 de Maio de 2024

Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (MGUS)

A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS) é uma condição pré-maligna com risco de evoluir para neoplasia hematológica, principalmente mieloma múltiplo. A maioria dos pacientes com MGUS não progredirá para quadros neoplásicos, dificultando a escolha de quem se beneficiaria de investigação adicional. Em abril de 2024, foi publicado no Annals of Internal Medicine uma calculadora de risco para auxiliar na indicação de investigação medular nesses pacientes. Este tópico revisa MGUS e traz os resultados do estudo.

17 de Junho de 2024

Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória

O infarto agudo do miocárdio é a principal causa de choque cardiogênico. Atualmente, a mortalidade de choque cardiogênico ainda é alta, podendo chegar a 50%. A rápida identificação e instituição de suporte hemodinâmico é crucial. Em março de 2024, foi publicado o estudo DanGer Shock no New England Journal of Medicine sobre uso da bomba de fluxo microaxial (dispositivo Impella CP) no choque cardiogênico após infarto. Este tópico expõe o manejo do choque cardiogênico e o que o estudo acrescentou.

6 de Maio de 2024

Hipomagnesemia

Hipomagnesemia é um distúrbio eletrolítico comum, podendo ocorrer em até 10% dos pacientes em enfermaria e 65% daqueles em terapia intensiva. Um estudo publicado em 2023 revisou estratégias de reposição intravenosa de magnésio. Este tópico foca na avaliação e tratamento da hipomagnesemia e traz os resultados do estudo

1 de Maio de 2023

Anticoagulação na Síndrome Antifosfolípide

A síndrome antifosfolípide (SAF) é uma doença autoimune caracterizada por eventos trombóticos recorrentes e uma das bases do manejo é a anticoagulação. Em 2022 foi publicada uma metanálise no Journal of the American College of Cardiology sobre o uso de anticoagulantes diretos na SAF. Nesse tópico revisamos o tema e trazemos o que esse estudo acrescentou.

15 de Abril de 2024

Amiodarona

A amiodarona tem vários efeitos antiarrítmicos e é amplamente utilizada em taquiarritmias supraventriculares e ventriculares dentro e fora do hospital. Neste tópico revisamos seu mecanismo de ação, como prescrever e como evitar seus efeitos adversos durante a administração.