Manejo de Insônia
Insônia é caracterizada por dificuldade em dormir ou se manter dormindo com prejuízo funcional ao longo do dia. Um estudo brasileiro com 6.929 idosos encontrou que mais da metade (58,6%) possuem insônia crônica [1]. O New England Journal of Medicine (NEJM) publicou uma revisão sobre o tema em 2024 [2] e a Associação Brasileira do Sono, um consenso em 2023. Este tópico aborda o manejo de insônia.
Diagnóstico e tipos de insônia
O diagnóstico de insônia é clínico. Devem ser avaliados elementos do ciclo sono-vigília, como horários de dormir e acordar, qualidade do sono, despertares, sonolência diurna e outros, detalhados na tabela 1. A polissonografia é indicada em casos específicos, como suspeita de síndrome da apneia obstrutiva do sono, dúvida diagnóstica ou falha de tratamento [3]. Os critérios diagnóstico de insônia estão dispostos na tabela 2.
A insônia pode ser aguda ou crônica. Insônia aguda tende a ocorrer após eventos estressores e dura dias ou semanas, com um máximo de três meses. Insônia crônica tem duração mínima de três meses e os sintomas ocorrem pelo menos três vezes na semana. A condição também pode ser dividida em relação ao momento que o prejuízo ao sono acontece. Existe a insônia inicial (mais que 30 minutos para iniciar o sono), insônia de manutenção (mais que 30 minutos acordado após iniciar o sono) e o despertar precoce (despertar mais que 30 minutos antes do horário desejado) [4]. O valor de 30 minutos pode variar na literatura, mas é usado em muitos estudos como o tempo mínimo para ter significado clínico.
Todos os pacientes que apresentam quadro compatível com insônia devem ser avaliados também quanto a comorbidades relevantes, como transtornos psiquiátricos e demência [5].
Terapia não farmacológica
A terapia não farmacológica é a primeira linha de tratamento para a insônia crônica. A terapia combinada (farmacológica e comportamental), mostrou-se equivalente ao tratamento não farmacológico isolado após quatro a oito semanas [2].
Entre todas as terapias disponíveis, a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) é a primeira escolha de tratamento para a insônia crônica. Essa modalidade tem benefício em desfechos como gravidade de sintomas, latência do sono e relação tempo dormindo por tempo na cama [6]. No geral, 60% a 70% dos pacientes submetidos à TCC-I tem resposta clínica, 50% tem remissão da insônia em seis a oito semanas e 45% mantém remissão em um ano [2].
A TCC-I é focada em abordar comportamentos e pensamentos em relação ao sono e se limita a quatro a oito encontros. Combina estratégias diferentes como restrição de sono, controle de estímulos e técnicas de relaxamento (tabela 3).
Outras terapias como higiene do sono, mindfulness e TCC-I breve (apenas quatro sessões) podem ser empregadas, mas possuem nível de evidência menor em relação à TCC-I. A tabela 3 mostra outras terapias não-farmacológicas para insônia [3].
Terapia farmacológica
A terapia farmacológica deve ser encarada como adjuvante no manejo da insônia crônica ou em episódios agudos limitados [7]. Antagonistas do receptor de orexina, determinados agonistas do receptor de benzodiazepínicos e doxepina mostraram melhor perfil de eficácia e segurança para insônia. Algumas dessas medicações estão indisponíveis ou tem sua disponibilidade restrita (via manipulação) no Brasil. A discussão abaixo aborda as classes atualmente disponíveis no Brasil.
Benzodiazepínicos e ‘drogas Z’
Os agonistas de receptor de benzodiazepínicos são divididos em benzodiazepínicos e não-benzodiazepínicos. Os não-benzodiazepínicos também são conhecidos como “drogas Z” (zolpidem e eszopiclona). As drogas Z tem início de ação mais rápido e meia-vida mais curta, com poucos efeitos na insônia de despertar precoce.
Pelos seus mecanismos de ação serem semelhantes, os efeitos colaterais também são similares, como sedação diurna e amnésia anterógrada. As drogas Z tem como efeito adverso alterações de comportamento durante o sono, como caminhar, comer ou dirigir [2]. Ambos provocam dependência e tolerância se o uso for contínuo e prolongado, facilitando a ocorrência de eventos adversos.
Antipsicóticos e antidepressivos
Os antidepressivos com ação sedativa, como amitriptilina, trazodona e mirtazapina,
são comumente utilizados no manejo de insônia. Essas drogas não são aprovados pelo Food and Drug Administration (FDA) para este fim. A única medicação antidepressiva testada e aprovada para insônia é a doxepina, indisponível no Brasil em farmácias comuns, mas que pode ser manipulada em farmácias registradas. As demais drogas não possuem evidência robusta de eficácia no tratamento de insônia, apesar da ampla utilização [7].
Antipsicóticos como quetiapina e olanzapina também são utilizados em baixa dose para insônia. Os efeitos colaterais como ganho de peso e aumento de risco cardiovascular pesam contra seu uso isoladamente para insônia. O uso deve ser reservado apenas para pacientes com indicação psiquiátrica concomitante [8].
Melatonina e outras drogas
A melatonina exógena e a ramelteona (agonista dos receptores de melatonina MT1 e MT2) tornaram-se populares no tratamento da insônia. A eficácia em estudos clínicos é baixa, considerando desfechos como tempo de latência e duração total do sono [9]. A American Academy of Sleep Medicine (AASM) sugere a ramelteona para o tratamento de insônia crônica inicial, mas sugere não utilizar melatonina exógena com esse objetivo [7].
Outras medicações comumente usadas para insônia pelo seu perfil de efeitos, como antagonistas de receptor histamínico e gabapentinoides, também não são recomendados pela AASM. A evidência de eficácia é insuficiente no manejo de insônia e o perfil de efeitos adversos é desfavorável, especialmente nos idosos [7].
Quando e qual medicação escolher?
O uso isolado das medicações não deve ser realizado na insônia crônica, por ser considerado inferior à terapia combinada ou isolada de TCC-I a longo prazo [10]. Apesar disso, a dificuldade de acesso à TCC-I pode ser considerada um motivo para o manejo farmacológico exclusivo.
A medicação pode ser combinada com TCC-I principalmente quando há prejuízo funcional importante ou evolução insatisfatória após o manejo inicial [11]. A escolha do fármaco deve ser individualizada e compartilhada com o paciente, considerando preferências, custos e possíveis efeitos colaterais.
As diretrizes brasileira [5], americana [12] e europeia [13] sugerem o uso de drogas Z, em insônia inicial e de manutenção. Idealmente, essas drogas devem ser usadas por até quatro semanas e o uso intermitente ou apenas se necessário é uma opção. As drogas Z estão listadas nos critérios de Beers [14], sendo potencialmente inapropriadas em idosos com risco de quedas e prejuízo da cognição. Veja mais em "Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos".
A doxepina manipulada é uma alternativa em idosos segundo a diretriz brasileira, sendo também sugerida pela diretriz americana. Na dose de até 6 mg tem perfil de segurança similar ao placebo nessa população [15]. Os dois documentos também sugerem o uso de ramelteona, sendo uma opção nos pacientes com insônia inicial que tem como comorbidades apneia obstrutiva do sono ou doença pulmonar obstrutiva crônica.
Trazodona em doses inferiores ao tratamento de depressão também é uma opção segundo a referência brasileira, porém a diretriz americana sugere não utilizar a medicação com essa finalidade por falta de evidência e riscos que potencialmente superam benefícios. A diretriz nacional também coloca a mirtazapina e quetiapina como opções off-label para manejo de insônia.
No SUS, a única medicação disponível para insônia com recomendação off-label pela diretriz brasileira é a amitriptilina. O uso deve ser reservado na indisponibilidade de alternativas melhores e com acompanhamento clínico regular. Os anti-histamínicos não devem ser usados para manejo de insônia, conforme as diretrizes internacionais e brasileira. A tabela 4 agrupa as medicações disponíveis para tratamento de insônia no Brasil em 2024.
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