Síndromes e Cenários

Sedoanalgesia no Paciente Intubado

Criado em: 10 de Março de 2025 Autor: Kaue Malpighi Revisor: João Mendes Vasconcelos

Até 90% dos pacientes intubados necessitam de opioides para controle de dor e cerca de 70% requerem sedação em algum momento [1]. O controle adequado da dor e a manutenção de níveis seguros de sedação reduzem complicações como delirium e encurtam o tempo de ventilação mecânica. Este tópico revisa as metas de sedação, como implementá-la e quais os principais medicamentos utilizados para esse fim.

Meta de analgesia e sedação

Analgesia

Dor é comum em pacientes de UTI [2]. O padrão-ouro de avaliação é sempre o relato do paciente. Muitos pacientes não conseguem se comunicar por rebaixamento do nível de consciência, sendo necessário usar instrumentos específicos para avaliar dor, como a Behavioral Pain Scale (BPS, tabela 1). Apesar de útil, a BPS pode superestimar a dor, pois as manifestações observadas (expressão facial, movimentos dos membros e interação com o ventilador) podem derivar de outras causas, como assincronias com o ventilador e delirium.

Tabela 1
Behavioral pain scale (BPS)
Behavioral pain scale (BPS)

Sedação

A sedação é frequentemente necessária para controlar ansiedade e agitação, mas deve ser utilizada na menor dose eficaz para evitar prolongamento da ventilação mecânica e internação [3-6]. Deve-se definir uma meta de sedação nas primeiras 24 a 48 horas. A escala Richmond Agitation-Sedation Scale (RASS, tabela 2) é a mais empregada. Geralmente, uma meta de sedação leve (RASS 0 a −2) reduz o tempo de extubação sem aumentar riscos quando comparada à sedação profunda (RASS −4 a −5) [7].

Tabela 2
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)
Richmond Agitation Sedation Scale (RASS)

Existem algumas situações em que se considera sedação profunda inicialmente [8]:

  • Pacientes neurocríticos com hipertensão intracraniana.
  • Estado de mal epiléptico refratário.
  • Uso de bloqueadores neuromusculares.

Mesmo nesses casos, recomenda-se manter a sedação profunda pelo menor tempo possível e reavaliar o nível neurológico assim que as condições clínicas permitirem.

Como fazer a sedoanalgesia?

Após a intubação, todo paciente deve receber analgesia e sedação iniciais, principalmente se foram utilizados bloqueadores neuromusculares de longa duração. Em seguida, ajusta-se de forma individualizada.

Analgesia

A estratégia de “analgesia-first” é indicada para pacientes com dor e agitação [9]. Analgesia-first consiste no uso de um analgésico antes do sedativo para garantir que a dor está adequadamente controlada mesmo em pacientes de difícil avaliação. Pode-se fazer doses contínuas ou em bolus para avaliar a resposta. Após controle álgico adequado, pode-se considerar uso de sedativos para controle de agitação sem causa clara.

  • Dor moderada a grave: opioides intravenosos (fentanil, remifentanil ou morfina — veja tabela 3) são a primeira escolha. O fentanil é frequentemente utilizado nas UTIs brasileiras, podendo ser feito em infusão contínua (25 a 300 mcg/h) ou bolus de 25 a 50 mcg conforme dor [10]. Associar analgésicos não opioides pode reduzir a dose de opioide necessária [10].
  • Dor leve: a diretriz americana de 2018 recomenda tentar controle com medicamentos não opioides, como dipirona, paracetamol ou quetamina, em conjunto com terapias não farmacológicas [9].
  • Dor neuropática: a diretriz recomenda o uso de gabapentinoides em conjunto com os opioides. Esta recomendação é feita baseada em estudos randomizados em pacientes com Guillain-Barré e em pós-operatório de cirurgia cardíaca (veja mais em "Gabapentinoides: Principais Usos e Novos Eventos Adversos" e "Gabapentinoides, Dor Neuropática e Eventos Adversos") [9].
Tabela 3
Analgésicos e doses em pacientes em ventilação mecânica
Analgésicos e doses em pacientes em ventilação mecânica

Sempre se deve buscar a menor dose eficaz de opioides. Doses elevadas aumentam a probabilidade de efeitos adversos (como depressão respiratória, íleo paralítico e sedação excessiva) que podem complicar o desmame ventilatório. A infusão contínua de doses elevadas deve ser evitada, preferindo-se bolus pontuais em procedimentos (aspiração, mobilização, inserção de dispositivos e cuidados com feridas) [11-13]. Protocolos de estudos recentes apontam para um bom controle álgico com morfina se necessário, resultando em doses médias de opioides menores quando comparado à infusão contínua [14].

Sedação

Na meta de sedação leve (RASS 0 a −2), recomenda-se usar baixas doses de sedativos, associado a despertar diário e avaliação do desmame ventilatório [14,15]. Essa conduta encurta o tempo de ventilação mecânica e UTI. Um protocolo típico de despertar diário pode ser visto no fluxograma 1.

Fluxograma 1
Sugestão de despertar diário em pacientes intubados
Sugestão de despertar diário em pacientes intubados

Qual droga escolher para fazer sedação no paciente intubado

Antes de considerar iniciar um sedativo em paciente agitado, deve-se procurar uma explicação clara para a agitação. Dor, assincronia ventilatória e delirium são causas comuns. Nestes casos, o tratamento deve ser direcionado para a condição de base.

Não há evidência de que um sedativo específico reduza a mortalidade. Propofol e dexmedetomidina facilitam a sedação leve e ajustes rápidos, enquanto benzodiazepínicos (ex.: midazolam) tendem a prolongar a ventilação mecânica e a estadia em UTI (veja um comparativo na tabela 4). A American College of Critical Care Medicine recomenda o uso do propofol ou dexmedetomedina se a meta de sedação for leve [9]. A dexmedetomidina não é uma opção se for necessária sedação profunda.

Tabela 4
Sedativos e doses em pacientes em ventilação mecânica
Sedativos e doses em pacientes em ventilação mecânica

Propofol

É um anestésico intravenoso de ação rápida e lipofílico, atuando por agonismo de receptores GABA e bloqueio de receptores NMDA. Formulado em emulsão lipídica (1,1 kcal/mL), pode alterar a oferta calórica da dieta quando usado em doses altas. O início de ação é rápido e a duração costuma ser curta, especialmente em doses menores e por pouco tempo. Isso torna o propofol uma boa escolha para sedação leve e despertares diários. Usos prolongados podem levar a acúmulo e prolongamento do efeito. 

Os principais efeitos adversos incluem hipotensão (mais comum com bolus ou doses elevadas em infusão contínua), depressão respiratória, hipertrigliceridemia e pancreatite. A síndrome de infusão do propofol é um evento grave que cursa com hipotensão, bradicardia, acidose metabólica e rabdomiólise. É rara e geralmente associada a doses acima de 4 mg/kg/h por mais de 48 horas.

Midazolam

É o benzodiazepínico mais utilizado em infusões contínuas, agindo por meio de receptores GABA. Possui início de ação rápido (1 a 5 minutos), mas pode ter duração de até 75 minutos em dose única; além disso, por ser lipofílico, acumula-se em infusões prolongadas. 

Quando comparado a propofol e dexmedetomidina, o midazolam relaciona-se ao aumento do tempo de ventilação mecânica e de internação em UTI, além de maior risco de delirium [16]. Dessa forma, seu uso é preferencialmente reservado para indicações específicas de benzodiazepínicos, como abstinência alcoólica, ou combinado a propofol em casos que exijam sedação profunda.

Dexmedetomidina

É um agonista alfa-2 de ação central com efeitos ansiolíticos, sedativos e analgésicos. Em comparação a outros sedativos, pode reduzir o tempo de ventilação mecânica e o risco de delirium [17,18], porém aumenta a probabilidade de bradicardia. Seu início de ação (5 a 15 minutos) não é ideal para agitações extremamente agudas, e a administração em bolus deve ser evitada por elevar o risco de hipotensão e bradicardia sem otimizar significativamente seu efeito (veja mais em "Dexmedetomidina para Sedação e Agitação"). 

Por oferecer algum grau de analgesia e não causar depressão respiratória relevante, é útil como adjuvante aos opioides no controle de dor difícil e também como auxílio no desmame ventilatório em pacientes com agitação por delirium ou ansiedade.

Quetamina

A quetamina apresenta efeito sedativo e analgésico, com ação rápida em menos de um minuto e duração de 10 a 15 minutos. Há evidências que mostram redução da dose necessária de opioide para controle de dor com seu uso [19]. Além disso, seu efeito broncodilatador pode reduzir a resistência de via aérea, o que pode ser benéfico para pacientes intubados com broncoespasmo [20]. 

Seus principais efeitos colaterais são alucinações, hipersalivação e náuseas.

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