Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica

Criado em: 17 de Março de 2025 Autor: Tiago Lima Arnaud Revisor: Nordman Wall

A fibrilação atrial associada à doença coronariana é uma condição comum, presente em cerca de 11% dos pacientes com síndrome coronariana aguda [1] e em aproximadamente 6% daqueles com doença coronariana crônica [2]. O manejo antitrombótico nesses casos requer equilibrar a prevenção de eventos tromboembólicos e isquêmicos com a redução do risco de sangramentos. Um estudo publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em 2024 e uma meta-análise abrangente publicada no Journal of the American College of Cardiology (JACC) em 2025 trouxeram novas evidências sobre a melhor estratégia antitrombótica para pacientes com fibrilação atrial e doença arterial coronariana.

Este tópico revisa o papel da anticoagulação em monoterapia, discute quando e como associar antiplaquetários e como adaptar o manejo conforme o tempo após a angioplastia.

Para mais informações sobre tratamento de fibrilação atrial, confira "Atualização sobre a Nova Diretriz de Fibrilação Atrial da ESC 2024".

Primeiro ano após a angioplastia

O primeiro ano após uma angioplastia, sobretudo os primeiros 30 dias, é o período de maior risco para trombose de stent, seja farmacológico ou convencional [3]. Em pacientes que estão nesse período e possuem fibrilação atrial (FA) com indicação de anticoagulação, estratégias antitrombóticas como a terapia tripla envolvendo a associação de um anticoagulante oral direto (DOAC), um inibidor da P2Y12 (iP2Y12) e o ácido acetilsalicílico (AAS) já foram utilizadas na tentativa de reduzir esse risco [4, 5]. No entanto, estudos recentes evidenciaram que a terapia tripla aumenta taxas de sangramento sem benefício quanto ao risco de trombose em comparação com esquemas menos intensivos.

Tabela 1
Estudos de fibrilação atrial em contexto de síndrome coronariana aguda e angioplastia
Estudos de fibrilação atrial em contexto de síndrome coronariana aguda e angioplastia

O estudo AUGUSTUS encontrou que a terapia antitrombótica dupla (apixabana e iP2Y12) reduziu em 31% os sangramentos (hazard ratio — HR 0,69; IC 95% 0,58–0,81) em comparação à terapia tripla, sem aumentar o risco de eventos isquêmicos [6]. Outros estudos reforçaram a segurança da terapia dupla, inclusive com o uso de diferentes DOACs, como mostrado na tabela 1. Mesmo assim, a terapia tripla pode ser considerada nos primeiros 30 dias da colocação do stent (quando o risco de trombose de stent é maior), em pacientes com alto risco isquêmico (ver tabela 2).

Tabela 2
Critérios de alto risco isquêmico
Critérios de alto risco isquêmico

A decisão final sobre a estratégia antitrombótica deve sempre considerar a sobreposição do risco isquêmico (tabela 2) e trombótico (CHA₂DS₂-VA) em contraposição ao risco hemorrágico (HAS-BLED), independente da angioplastia ter sido realizada em contexto de síndrome coronariana aguda ou doença coronariana estável. Durante o primeiro ano após a angioplastia, recomenda-se reavaliações periódicas para transição oportuna da terapia tripla para dupla. Uma sugestão, baseada na diretriz da American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) e na meta-análise do JACC 2025, é seguir o seguinte esquema [5, 7].

  • 1º mês após a angioplastia: 
    • Considerar terapia tripla para pacientes com alto risco isquêmico e baixo risco de sangramento. 
    • Nos pacientes de baixo risco isquêmico, a terapia tripla pode durar somente do momento da angioplastia até a alta hospitalar.
  • 2 - 12 meses após a angioplastia: 
    • Optar pela terapia dupla (DOAC e iP2Y12).
    • Em pacientes de baixo risco isquêmico, a terapia dupla pode ser iniciada ainda nos primeiros 30 dias, após alta hospitalar.

Após o primeiro ano da angioplastia

Após 12 meses de angioplastia, o risco de trombose de stent reduz significativamente, permitindo simplificar a terapia antitrombótica e priorizar a redução do risco de sangramento.

O estudo AFIRE encontrou que a monoterapia com DOAC foi não inferior em eficácia para prevenção de eventos isquêmicos e foi superior em segurança, com menor risco de sangramentos, em comparação à terapia dupla com DOAC e AAS [8].

Essa evidência foi reforçada pela meta-análise publicada no JACC em 2025 [7], que reuniu dados de quatro grandes ensaios clínicos recentes e incluiu análises de subgrupos, tornando-se uma das revisões mais robustas já publicadas sobre o tema (tabela 3).

Tabela 3
Estudos de fibrilação atrial em contexto de doença coronariana estável (após um ano de revascularização ou doença coronariana crônica)
Estudos de fibrilação atrial em contexto de doença coronariana estável (após um ano de revascularização ou doença coronariana crônica)

O ajuste da estratégia antitrombótica também deve considerar fatores de alto risco isquêmico (tabela 2), como o histórico de trombose prévia de stent, cenário em que pode ser considerado prolongar a terapia dupla. Essa conduta, contudo, é de exceção. Para a maioria dos pacientes, baseada na diretriz da AHA/ACC e na meta-análise do JACC 2025, sugere-se [5, 7]:

  • Após 12 meses da angioplastia: preferência pela monoterapia com DOAC.

Fibrilação atrial e doença coronariana estável sem angioplastia prévia

Em pacientes com FA que recebem anticoagulação e desenvolvem doença arterial coronariana (DAC), sem indicação de angioplastia ou cirurgia de revascularização, não é recomendado iniciar terapia antiplaquetária [9, 10]. Já para um paciente com DAC diagnosticado com FA, pode surgir uma dúvida prática relevante: devo manter o AAS ou apenas anticoagular? Nesses casos, a prioridade é manter somente a anticoagulação, visando a prevenção de eventos isquêmicos arteriais e de eventos cardioembólicos.

Os dados da meta-análise do JACC em 2025 demonstram que DOAC em monoterapia oferece proteção suficiente para prevenção de eventos trombóticos arteriais em pacientes com DAC estável, com menor risco de sangramento em comparação à combinação de anticoagulação e AAS [7].

O estudo EPIC CAD, publicado em 2024 no NEJM, acrescenta evidências sobre a edoxabana, demonstrando sua segurança e eficácia em monoterapia para pacientes com FA e DAC estável, sem necessidade de associar antiagregante [11]. Esses achados reforçam os dados prévios de outros DOACs, como apixabana, rivaroxabana e dabigatrana. Os DOACs são preferidos em relação à varfarina pela melhor segurança e simplicidade de manejo. A exceção permanece para pacientes com estenose mitral reumática moderada/grave ou prótese mecânica, nos quais a varfarina segue como opção padrão.

Fibrilação atrial e cirurgia de revascularização do miocárdio

A maioria das discussões sobre FA e DAC se concentra no cenário pós-angioplastia. No entanto, um subgrupo significativo de pacientes com FA é submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio, o que impõe desafios adicionais, especialmente pelo maior risco de sangramento cirúrgico.

Nos primeiros dias do pós-operatório, a anticoagulação plena é geralmente evitada. Em casos de alto risco tromboembólico, pode-se considerar heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou anticoagulação oral ajustada, desde que a hemostasia adequada tenha sido alcançada e a estabilidade hemodinâmica esteja preservada. A reintrodução da anticoagulação oral (DOAC ou varfarina) é recomendada entre o 3º e 7º dia, caso não haja sinais de sangramento ativo [12, 13].

Tabela 4
Estratégias antitrombóticas em fibrilação atrial e doença arterial coronariana.
Estratégias antitrombóticas em fibrilação atrial e doença arterial coronariana.

Durante o primeiro ano, a monoterapia com anticoagulante oral é preferida, evitando a combinação com antiplaquetários, sendo apoiado pelos dados do estudo SWEDEHEART [14]. Após 12 meses, a manutenção da anticoagulação deve ser individualizada e recomendada para pacientes com CHA₂DS₂-VASc ≥ 2, conforme diretrizes vigentes. A tabela 4 resume as principais estratégias terapêuticas.

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