Nova Diretriz de Hipertensão Arterial no Paciente Internado
Elevação dos níveis pressóricos é um achado comum no momento da internação hospitalar [1]. Uma nova diretriz da American Heart Association (AHA) lançada em agosto de 2024 traz novas definições e atualiza as recomendações sobre a conduta nesse cenário [2]. Este tópico revisa esse documento e complementa a discussão sobre o manejo de hipertensão no paciente internado do tópico "Hipertensão no Paciente Internado"
Novas definições
O manejo da elevação da pressão arterial no paciente internado e no departamento de emergência varia bastante entre médicos, em parte pela falta de evidência e de posicionamento das sociedades. A diretriz da AHA é o primeiro documento de uma sociedade a abordar o manejo dessa situação [2].
Esse novo documento considera como pressão arterial elevada a pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 130 mmHg ou a pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 80 mmHg, os mesmos cortes da diretriz da AHA sobre hipertensão arterial sistêmica (HAS) de 2017 [3]. Os pacientes são classificados em três grupos, conforme os níveis pressóricos e presença de sintomas:
- Pressão arterial elevada assintomática: PAS ≥ 130 ou PAD ≥ 80 mmHg SEM evidência de nova lesão de órgão-alvo (LOA - tabela 1) ou agravamento de LOA prévia;
- Pressão arterial marcadamente elevada assintomática: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg SEM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia;
- Emergência hipertensiva: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg COM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia;

Uma das novidades é a retirada dos termos “crise hipertensiva” e “urgência hipertensiva”. Essa nomenclatura poderia gerar uma conotação de gravidade inadequada ao quadro, levando a um ímpeto de iniciar tratamentos sem benefício estabelecido no ambiente intra-hospitalar.
Lesões de órgão-alvo podem se manifestar mesmo em níveis pressóricos abaixo de 180/110–120 mmHg. Os níveis pressóricos não devem ser critérios inequívocos para definição de emergência hipertensiva, mas sim a presença de LOA.
Avaliação de lesões de órgão-alvo e emergência hipertensiva
O primeiro passo da avaliação do paciente com pressão elevada confirmada, especialmente acima de 180/110–120 mmHg, é procurar por evidências de LOA. Os principais sistemas avaliados são:
- Cérebro, como AVC hemorrágico e AVC isquêmico;
- Coração, com insuficiência cardíaca aguda e edema pulmonar cardiogênico;
- Artérias, como dissecção de aorta e disfunção placentária;
- Rins, que podem sofrer injúria renal aguda;
- Microvasculatura, que pode evoluir com microangiopatia trombótica;
O exame físico é necessário para avaliar a presença de LOA. Deve-se comparar pulsos e aferir a pressão arterial em ambos os membros superiores, além de buscar sinais de edema pulmonar e congestão. O documento da AHA coloca a fundoscopia como integrante do exame físico na avaliação de LOA. A realização dessa avaliação de rotina não é apoiada por fortes evidências [4]. Uma opção é realizar a fundoscopia quando há suspeita de alterações retinianas ou hipertensão intracraniana.
Caso o paciente apresente sinais e sintomas sugestivos de LOA, a investigação é direcionada ao órgão suspeito e sintomas associados. Os principais exames complementares envolvem:
- Hemograma, para rastreio de microangiopatias (considerar quando ocorrer anemia e plaquetopenia).
- Função renal, eletrólitos e análise da urina (avaliar proteinúria e hematúria).
- Eletrocardiograma e troponina para avaliar injúria miocárdica assintomática.
Caso seja evidenciado LOA (tabela 1), o tratamento guiado para redução da pressão arterial deve ser prontamente instaurado. A resume as principais LOAs e alvos pressóricos terapêuticos em cada cenário.
Deve-se ter cautela na avaliação de sintomas inespecíficos que não representam LOA, como epistaxe, dor torácica atípica, tontura e cefaleia. Algumas referências [5] citam esses sintomas como possivelmente associados à hipertensão (anteriormente incluídos no conceito de urgência hipertensiva), porém a AHA não traz a recomendação de considerar esses sintomas na decisão do tratamento da pressão elevada.
No paciente assintomático, a recomendação de rastrear LOA com exames de imagem e laboratoriais é controversa e carece de evidências [6]. A diretriz da AHA e uma revisão do New England Journal of Medicine de 2019 [5] não trazem recomendações claras sobre o rastreio nesse cenário.
Um estudo prospectivo [7] em pacientes assintomáticos com elevação da pressão arterial no departamento de emergência encontrou uma prevalência de 7% de alterações no rastreio metabólico e de função renal (injúria renal de tempo indeterminado) que levaram à internação hospitalar. Nenhum dos casos foi considerado emergência hipertensiva e parte da alta prevalência encontrada foi creditada ao baixo acesso aos serviços de saúde pela população estudada.
Uma diretriz do Colégio Americano de Emergencistas não recomenda o rastreio rotineiro em pacientes assintomáticos [8, 9]. Essa referência sugere que o rastreio com função renal e eletrólitos pode ser útil no diagnóstico de doença renal crônica em pacientes sem acompanhamento ambulatorial, que acessam o sistema de saúde somente em contexto de urgência/emergência.
Pressão elevada e marcadamente elevada assintomáticas
Após descartar LOA, a abordagem recomendada para o paciente com pressão arterial elevada é a seguinte:
- Avaliar se a aferição foi feita corretamente, incluindo tamanho do manguito.
- Identificar causas reversíveis de pressão arterial elevada no paciente internado, como dor e ansiedade.
- Interromper ou reconsiderar medicações que contribuem com a elevação da pressão arterial.
- Reconciliar medicamentos de uso contínuo do paciente.
Um desafio é adequar a técnica de aferição recomendada ao contexto hospitalar. É frequente que essas alterações sejam flagradas durante o monitoramento de sinais vitais com aparelhos automatizados, desconsiderando fatores que interferem na aferição e interpretação dos valores pressóricos. A tabela 2 resume os principais fatores que devem ser abordados frente a uma leitura de pressão arterial elevada no contexto intra-hospitalar.

No paciente sem evidência de LOA, o tratamento da pressão elevada assintomática deve ser exceção. Como revisado no tópico do Guia de "Hipertensão no Paciente Internado", as evidências sugerem que iniciar ou intensificar o tratamento para HAS nesse cenário pode estar associado a piores desfechos, como maior chance de readmissão hospitalar e eventos adversos (lesão renal aguda, síncope, distúrbios eletrolíticos e hipotensão) [10, 11, 12]. A adesão a medicamentos iniciados durante a internação é baixa: um estudo encontrou que metade das prescrições de anti-hipertensivos é descontinuada em até um ano após a alta [13].
A diretriz reforça a orientação de evitar o uso de medicamentos endovenosos ou sob demanda (“se necessário”) para controle da pressão arterial em pacientes assintomáticos. Essa intervenção está associada a piores desfechos, como diminuição excessiva da pressão arterial, eventos cardiovasculares e injúria renal aguda [14, 15].
A diretriz traz um cenário onde há espaço para tratamento de pressão elevada no paciente assintomático, que envolve:
- Pressão arterial marcadamente elevada de maneira persistente nas aferições E
- Histórico de HAS descontrolada ambulatorial ou alto risco cardiovascular;
Nesse cenário, pode-se considerar iniciar medicação via oral ou intensificar o tratamento, bem como aproveitar o momento da internação para avaliar causas secundárias de hipertensão.
Após a avaliação de fatores contribuintes para a pressão elevada, é necessário estruturar um plano para o acompanhamento ambulatorial. Nesse ponto, deve-se revisar o tratamento prévio, adequando a prescrição aos medicamentos recomendados por diretriz. Como exemplo, pode-se considerar um paciente em uso ambulatorial de atenolol e hidroclorotiazida para HAS. Caso não haja outra indicação para o uso do betabloqueador, uma estratégia é planejar a troca de atenolol por outro medicamento de primeira linha, como inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona ou bloqueadores dos canais de cálcio. Veja mais em "Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão".

O fluxograma 1 resume a abordagem aos pacientes com pressão elevada no ambiente hospitalar.
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