Nova Diretriz de Hipertensão Arterial no Paciente Internado

Criado em: 24 de Março de 2025 Autor: Lucca Cirillo Revisor: Pedro Rafael Del Santo Magno

Elevação dos níveis pressóricos é um achado comum no momento da internação hospitalar [1]. Uma nova diretriz da American Heart Association (AHA) lançada em agosto de 2024 traz novas definições e atualiza as recomendações sobre a conduta nesse cenário [2]. Este tópico revisa esse documento e complementa a discussão sobre o manejo de hipertensão no paciente internado do tópico "Hipertensão no Paciente Internado"

Novas definições

O manejo da elevação da pressão arterial no paciente internado e no departamento de emergência varia bastante entre médicos, em parte pela falta de evidência e de posicionamento das sociedades. A diretriz da AHA é o primeiro documento de uma sociedade a abordar o manejo dessa situação [2].

Esse novo documento considera como pressão arterial elevada a pressão arterial sistólica (PAS) ≥ 130 mmHg ou a pressão arterial diastólica (PAD) ≥ 80 mmHg, os mesmos cortes da diretriz da AHA sobre hipertensão arterial sistêmica (HAS) de 2017 [3]. Os pacientes são classificados em três grupos, conforme os níveis pressóricos e presença de sintomas:

  • Pressão arterial elevada assintomática: PAS ≥ 130 ou PAD ≥ 80 mmHg SEM evidência de nova lesão de órgão-alvo (LOA - tabela 1) ou agravamento de LOA prévia;
  • Pressão arterial marcadamente elevada assintomática: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg SEM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia;
  • Emergência hipertensiva: PAS > 180 mmHg ou PAD > 110–120 mmHg COM evidência de nova LOA ou agravamento de LOA prévia; 
Tabela 1
Lesões de órgão-alvo na emergência hipertensiva e alvos pressóricos para tratamento
Lesões de órgão-alvo na emergência hipertensiva e alvos pressóricos para tratamento

Uma das novidades é a retirada dos termos “crise hipertensiva” e “urgência hipertensiva”. Essa nomenclatura poderia gerar uma conotação de gravidade inadequada ao quadro, levando a um ímpeto de iniciar tratamentos sem benefício estabelecido no ambiente intra-hospitalar. 

Lesões de órgão-alvo podem se manifestar mesmo em níveis pressóricos abaixo de 180/110–120 mmHg. Os níveis pressóricos não devem ser critérios inequívocos para definição de emergência hipertensiva, mas sim a presença de LOA.

Avaliação de lesões de órgão-alvo e emergência hipertensiva

O primeiro passo da avaliação do paciente com pressão elevada confirmada, especialmente acima de 180/110–120 mmHg, é procurar por evidências de LOA. Os principais sistemas avaliados são:

  • Cérebro, como AVC hemorrágico e AVC isquêmico;
  • Coração, com insuficiência cardíaca aguda e edema pulmonar cardiogênico;
  • Artérias, como dissecção de aorta e disfunção placentária;
  • Rins, que podem sofrer injúria renal aguda;
  • Microvasculatura, que pode evoluir com microangiopatia trombótica; 

O exame físico é necessário para avaliar a presença de LOA. Deve-se comparar pulsos e aferir a pressão arterial em ambos os membros superiores, além de buscar sinais de edema pulmonar e congestão. O documento da AHA coloca a fundoscopia como integrante do exame físico na avaliação de LOA. A realização dessa avaliação de rotina não é apoiada por fortes evidências [4]. Uma opção é realizar a fundoscopia quando há suspeita de alterações retinianas ou hipertensão intracraniana. 

Caso o paciente apresente sinais e sintomas sugestivos de LOA, a investigação é direcionada ao órgão suspeito e sintomas associados. Os principais exames complementares envolvem:

  • Hemograma, para rastreio de microangiopatias (considerar quando ocorrer anemia e plaquetopenia).
  • Função renal, eletrólitos e análise da urina (avaliar proteinúria e hematúria).
  • Eletrocardiograma e troponina para avaliar injúria miocárdica assintomática.

Caso seja evidenciado LOA (tabela 1), o tratamento guiado para redução da pressão arterial deve ser prontamente instaurado. A resume as principais LOAs e alvos pressóricos terapêuticos em cada cenário.

Deve-se ter cautela na avaliação de sintomas inespecíficos que não representam LOA, como epistaxe, dor torácica atípica, tontura e cefaleia. Algumas referências [5] citam esses sintomas como possivelmente associados à hipertensão (anteriormente incluídos no conceito de urgência hipertensiva), porém a AHA não traz a recomendação de considerar esses sintomas na decisão do tratamento da pressão elevada. 

No paciente assintomático, a recomendação de rastrear LOA com exames de imagem e laboratoriais é controversa e carece de evidências [6]. A diretriz da AHA e uma revisão do New England Journal of Medicine de 2019 [5] não trazem recomendações claras sobre o rastreio nesse cenário. 

Um estudo prospectivo [7] em pacientes assintomáticos com elevação da pressão arterial no departamento de emergência encontrou uma prevalência de 7% de alterações no rastreio metabólico e de função renal (injúria renal de tempo indeterminado) que levaram à internação hospitalar. Nenhum dos casos foi considerado emergência hipertensiva e parte da alta prevalência encontrada foi creditada ao baixo acesso aos serviços de saúde pela população estudada. 

Uma diretriz do Colégio Americano de Emergencistas não recomenda o rastreio rotineiro em pacientes assintomáticos [8, 9]. Essa referência sugere que o rastreio com função renal e eletrólitos pode ser útil no diagnóstico de doença renal crônica em pacientes sem acompanhamento ambulatorial, que acessam o sistema de saúde somente em contexto de urgência/emergência.

Pressão elevada e marcadamente elevada assintomáticas

Após descartar LOA, a abordagem recomendada para o paciente com pressão arterial elevada é a seguinte:

  • Avaliar se a aferição foi feita corretamente, incluindo tamanho do manguito.
  • Identificar causas reversíveis de pressão arterial elevada no paciente internado, como dor e ansiedade.
  • Interromper ou reconsiderar medicações que contribuem com a elevação da pressão arterial. 
  • Reconciliar medicamentos de uso contínuo do paciente.

Um desafio é adequar a técnica de aferição recomendada ao contexto hospitalar. É frequente que essas alterações sejam flagradas durante o monitoramento de sinais vitais com aparelhos automatizados, desconsiderando fatores que interferem na aferição e interpretação dos valores pressóricos. A tabela 2 resume os principais fatores que devem ser abordados frente a uma leitura de pressão arterial elevada no contexto intra-hospitalar.

Tabela 2
Situações que podem interferir na aferição ou contribuir para elevação da pressão arterial no paciente internado
Situações que podem interferir na aferição ou contribuir para elevação da pressão arterial no paciente internado

No paciente sem evidência de LOA, o tratamento da pressão elevada assintomática deve ser exceção. Como revisado no tópico do Guia de "Hipertensão no Paciente Internado", as evidências sugerem que iniciar ou intensificar o tratamento para HAS nesse cenário pode estar associado a piores desfechos, como maior chance de readmissão hospitalar e eventos adversos (lesão renal aguda, síncope, distúrbios eletrolíticos e hipotensão) [10, 11, 12]. A adesão a medicamentos iniciados durante a internação é baixa: um estudo encontrou que metade das prescrições de anti-hipertensivos é descontinuada em até um ano após a alta [13].

A diretriz reforça a orientação de evitar o uso de medicamentos endovenosos ou sob demanda (“se necessário”) para controle da pressão arterial em pacientes assintomáticos. Essa intervenção está associada a piores desfechos, como diminuição excessiva da pressão arterial, eventos cardiovasculares e injúria renal aguda [14, 15].

A diretriz traz um cenário onde há espaço para tratamento de pressão elevada no paciente assintomático, que envolve:

  • Pressão arterial marcadamente elevada de maneira persistente nas aferições E
  • Histórico de HAS descontrolada ambulatorial ou alto risco cardiovascular;

Nesse cenário, pode-se considerar iniciar medicação via oral ou intensificar o tratamento, bem como aproveitar o momento da internação para avaliar causas secundárias de hipertensão. 

Após a avaliação de fatores contribuintes para a pressão elevada, é necessário estruturar um plano para o acompanhamento ambulatorial. Nesse ponto, deve-se revisar o tratamento prévio, adequando a prescrição aos medicamentos recomendados por diretriz. Como exemplo, pode-se considerar um paciente em uso ambulatorial de atenolol e hidroclorotiazida para HAS. Caso não haja outra indicação para o uso do betabloqueador, uma estratégia é planejar a troca de atenolol por outro medicamento de primeira linha, como inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona ou bloqueadores dos canais de cálcio. Veja mais em "Diretriz de Hipertensão Arterial da ESC 2024 e Como Iniciar Tratamento de Hipertensão". 

Fluxograma 1
Abordagem ao paciente com pressão arterial elevada no ambiente intra-hospitalar
Abordagem ao paciente com pressão arterial elevada no ambiente intra-hospitalar

O fluxograma 1 resume a abordagem aos pacientes com pressão elevada no ambiente hospitalar.

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