Tratamento de Cefaleia: Bloqueio de Nervos Periféricos

Criado em: 24 de Março de 2025 Autor: João Urbano Revisor: Nordman Wall

O bloqueio de nervos periféricos com anestésicos locais é uma ferramenta que pode auxiliar no tratamento de cefaleias no contexto agudo e como adjuvante em tratamentos preventivos. Os possíveis benefícios envolvem o melhor perfil de efeitos adversos e diminuição de uso de drogas sabidamente menos eficazes, como opioides [1]. Esse tópico revisa as indicações e a técnica do procedimento.

Mais detalhes sobre tratamento de cefaleia nos tópicos "Tratamento Agudo de Enxaqueca" e "Profilaxia Farmacológica de Enxaqueca".

Indicação

O bloqueio de nervos occipitais pode ser considerado nos seguintes cenários de cefaleias primárias:

  • Enxaqueca: episódios de dor intensa, como tratamento adjuvante; episódios prolongados; como estado migranoso; refratariedade ou contraindicação a outros tratamentos para enxaqueca; profilaxia de curto prazo (1-2 meses) em pacientes com contraindicação a outros tratamentos profiláticos ou como tratamento ponte até estabelecimento de eficácia de outro tratamento profilático [2-5].
  • Cefaleia em salvas: episódios agudos [6]. 
  • Cefaleias secundárias: adjuvante no tratamento de cefaleia por uso excessivo de analgésicos [7]. 

O bloqueio de nervos occipitais tem maior grau de evidência em cefaleias primárias como a enxaqueca, a cefaleia em salvas e cefaleia secundárias como a cefaleia por uso excessivo de analgésicos (tabela 1). O efeito no alívio na cefaleia pode ser visto a partir de 30 minutos do procedimento, com duração máxima do efeito de até 7 dias. Em outras cefaleias secundárias, como a cefaleia cervicogênica, o respaldado é por relatos e séries de casos e devem ser realizados de preferência por especialistas em dor.

Tabela 1
Indicações, nervo alvo e doses de medicamentos para bloqueios de nervos occipitais
Indicações, nervo alvo e doses de medicamentos para bloqueios de nervos occipitais

As evidências para o bloqueio do nervo esfenopalatino são mais frágeis do que o bloqueio de nervos periféricos via subcutânea. Houve benefício em estudos randomizados e controlados para cefaleias primárias (como enxaqueca episódica, enxaqueca crônica e cefaleia em salvas) e cefaleias secundárias (como a cefaleia pós-punção lombar) [8-12].

Outros nervos, como o auriculotemporal, supraorbitário e supratroclear, podem ser alvo de bloqueio em outros tipos de cefaleia trigêmino-autonômicas e cefaleias secundárias. No entanto, não possuem evidência estabelecida e a técnica de aplicação envolve uma curva de aprendizado maior. Assim, recomenda-se que bloqueios de outros nervos faciais sejam realizados por neurologista ou médicos especialistas em dor.

Bloqueios de nervos occipitais

O nervo occipital maior é um ramo dorsal da raiz C2 e é o principal nervo alvo do procedimento. Ele é responsável pela sensibilidade da pele da região posterior do pescoço e occipital do couro cabeludo. O nervo occipital menor é ramo dorsal da raiz C3, inerva a região póstero-lateral do pescoço e região retroauricular e também pode ser submetido ao bloqueio. A identificação é realizada por meio de marcos anatômicos como a protuberância occipital e processo mastoide (figura 1).

Figura 1
Anatomia dos nervos occipitais maior e menor
Anatomia dos nervos occipitais maior e menor

A aplicação deve ser realizada subcutânea com anestésicos locais sem vasoconstritor. As opções disponíveis são a lidocaína 2% e a bupivacaína 0,5%. Para o bloqueio do nervo occipital maior, deve ser utilizado volume total de 1,5 a 3 mL. Para bloqueio do nervo occipital menor, o volume total é de 1 a 2 mL [1,13]. 

Em casos de enxaqueca, não houve benefício adicional da administração de corticoides. Para cefaleia em salvas, a aplicação de corticoides somente no nervo occipital maior tem benefício com diminuição de episódios de cefaleia [14-16]. Não há padronização de qual tipo de corticoide utilizar, mas opções disponíveis utilizadas em estudos são acetato de metilprednisolona 40 mg/mL(2 mL) ou dexametasona 10 mg/2,5 mL (2 mL). A aplicação de corticoides pode ser isolada ou em conjunto com anestésicos locais. Se for optado por aplicação combinada, o volume total de injeção no nervo occipital maior não deve exceder 4 ml. Efeitos adversos locais de corticoides envolvem atrofia de pele no local da punção em até 10% dos pacientes, alopecia e efeitos sistêmicos, como disglicemias [17,18].

Demais efeitos adversos relacionados ao procedimento de bloqueio e possíveis soluções estão na tabela abaixo (tabela 2).

Tabela 2
Possíveis eventos adversos de bloqueio occipital e orientações para o manejo
Possíveis eventos adversos de bloqueio occipital e orientações para o manejo

O procedimento tem contraindicação absoluta somente em casos de infecção local ou alergia às substâncias utilizadas. Distúrbios da coagulação ou uso de anticoagulantes são contraindicações relativas [1].

Bloqueio do gânglio esfenopalatino

O gânglio esfenopalatino é situado abaixo do ramo maxilar do nervo trigêmeo, na fossa pterigopalatina, na região posterior da cavidade nasal (figura 2). É um gânglio com função majoritariamente sensitiva e autonômica parassimpática.

Figura 2
Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino
Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino

Seu bloqueio à beira do leito é realizado por meio de aplicação tópica de anestésicos locais por swab de algodão inserido por via nasal. A lidocaína 2-5% e a bupivacaína 0,5% podem ser utilizadas em sua forma líquida ou gel. 

O procedimento pode ser feito bilateralmente, um lado por vez, ou unilateralmente em casos de cefaleias trigêmino-autonômicas restritas a um lado. Deve ser considerado uma opção adjuvante no tratamento de episódios agudos. 

Na maioria dos estudos, é um procedimento bem tolerado, com principais efeitos adversos relatados de hipoestesia oral e risco de epistaxe por haver manipulação local de fossa nasal [8].

Técnica para bloqueio de nervos occipitais

Material

  • Agulha hipodérmica 13x0,3 mm ou 13x0,45 mm (utilizada para aplicação de insulina).
  • Seringa de 3 a 5 ml.
  • Gaze.
  • Solução antisséptica alcoólica.
  • Lidocaína 2% sem vasoconstritor OU Bupivacaína 0,5% sem vasoconstritor.

Descrição

  • Explicar o procedimento para o paciente.
  • Posicionar o paciente sentado ou com a cabeça apoiada à sua frente.
  • Realizar antissepsia do local de punção.
  • Realizar palpação de marcos anatômicos: processo mastoideo e a protuberância occipital. Traçar uma linha reta entre as duas estruturas e dividir a linha em três segmentos iguais. O ponto de divisão entre os segmentos mais medial (próximo à protuberância occipital) corresponde à projeção do nervo occipital maior, enquanto o ponto de divisão entre os segmentos mais lateral (próximo ao processo mastoide) indica a localização do nervo occipital menor.
  • Inserir agulha aproximadamente 4 mm em sentido cranial com angulação aproximada de 60º.
  • Realizar aspiração para evitar punção arterial.
  • Inserir o volume desejado de anestésico [1].

Técnica para bloqueio do gânglio esfenopalatino

Material

  • Swab nasal 17 mm.
  • Lidocaína 2% gel ou líquida sem vasoconstritor.

Descrição

  • Explicar o procedimento para o paciente e orientá-lo a respirar pela boca durante o procedimento.
  • Posicionar o paciente deitado ou com inclinação de 30°.
  • Embeber o swab com solução ou gel anestésico.
  • Inserir swab nasal paralelo ao assoalho nasal, até sentir leve resistência.
  • Deixar o swab em contato com a mucosa nasal por 5 a 10 minutos.
  • Repetir o procedimento do lado contralateral, se necessário [19].

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