Doença Inflamatória Intestinal

Criado em: 31 de Março de 2025 Autor: Pedro Rafael Del Santo Magno Revisor: João Mendes Vasconcelos

Doença inflamatória intestinal (DII) abrange duas entidades clínicas principais: retocolite ulcerativa (RCU) e doença de Crohn (DC). Embora possuam características distintas, ambas decorrem de uma desregulação imunológica, o que pode gerar sobreposição de sinais e sintomas [1]. Esta revisão aborda as manifestações, diagnóstico e tratamento dessas condições.

O que é doença inflamatória intestinal?

A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU) são duas formas de doença inflamatória intestinal (DII). Ambas têm diferenças clínicas e histopatológicas suficientes para considerá-las doenças distintas.  

As principais características da DC são:

  • Envolvimento preferencial do íleo e do cólon, mas pode acometer qualquer porção do trato gastrointestinal, da boca ao ânus.
  • Acometimento não contínuo, com áreas sadias entre áreas inflamadas.
  • Inflamação transmural, isto é, abrange todas as camadas da parede intestinal (mucosa, submucosa, muscular e serosa), predispondo à formação de fístulas, abscessos e estenoses.

As principais características da RCU são:

  • Afeta principalmente o reto e pode se estender pelo restante do cólon. Quando todo o cólon é acometido, denomina-se pancolite. Cerca de 20% dos pacientes apresentam acometimento do íleo terminal, chamado de ileíte de refluxo.
  • Acometimento contínuo e circunferencial que se propaga na direção proximal do cólon (ou seja, do reto em direção ao ceco).
  • A inflamação é tipicamente restrita à mucosa e à submucosa, o que geralmente torna fístulas e estenoses menos frequentes do que na DC.

Existe um aumento da incidência anual de DII no mundo [2]. O pico da incidência ocorre entre 15 e 30 anos [1]. Alguns estudos sugerem um segundo pico, de menor incidência, entre 50 e 80 anos [3].

Ter um parente de primeiro grau é o fator de risco com maior associação com a DC, porém gêmeos monozigóticos possuem uma concordância de somente 50%. Isso sugere que, embora a genética seja importante, fatores ambientais também desempenham um papel essencial [4, 5, 6]. Alimentos ultraprocessados são um fator de risco para ambas as doenças [4]. Antibióticos, anti-inflamatórios não esteroidais e contraceptivos orais possuem associação mais fraca [7, 8].

Manifestações clínicas intestinais

A diarreia crônica é o principal sintoma que leva à suspeita de DII. É definida como diarreia que dura mais de quatro semanas. Porém, a prevalência e a apresentação podem variar entre DC e RCU. Veja mais informações sobre diarreia crônica na revisão "Abordagem à Diarreia Crônica".

Doença de Crohn

Algumas diretrizes destacam a diarreia como o sintoma mais prevalente. Contudo, há coortes que descrevem fadiga e dor abdominal em 80% dos pacientes no momento do diagnóstico, enquanto diarreia aquosa em 70% [9, 10].

Úlceras anais podem estar presentes em até 20% dos pacientes. As úlceras podem formar fístulas e abscessos perineais. Úlceras orais também podem ocorrer. 

Sintomas como perda de peso, anemia ferropriva, deficiências vitamínicas, dificuldade de crescimento e atraso puberal na criança também devem sugerir DC. Esses sintomas são decorrentes da má absorção, que pode estar presente na DC [4].

A DC tem complicações próprias e elas podem ser a primeira apresentação da doença [4, 7]. As complicações podem estar presentes no momento do diagnóstico em até 12% dos pacientes, chegando a ocorrer em até 50% em 20 anos após o diagnóstico [11]. As principais complicações são: 

  • Estenoses intestinais: podem levar a obstruções agudas ou subagudas, cursando com náuseas, vômitos e distensão abdominal.
  • Fístulas: a inflamação transmural favorece a formação de vários tipos de trajetos fistulosos com diferentes manifestações a depender do tipo de fístula.
    • Fístula enteroentérica: diarreia persistente e risco de abscesso.
    • Fístula enterovesical ou enteroureteral: infecções urinárias recorrentes, fecaluria ou pneumaturia.
    • Fístula enterovaginal: saída de conteúdo fecal pela vagina e dispareunia.
    • Fístula enterocutânea: exteriorização de conteúdo intestinal pela pele.
  • Abscessos: podem se manifestar como abdome inflamatório agudo, com dor abdominal, febre e massa palpável.

Retocolite ulcerativa

O sintoma mais prevalente na RCU é a diarreia sanguinolenta, presente em mais de 85% dos casos [10]. Também pode ocorrer diarreia com saída de muco, tenesmo, incontinência fecal, dor abdominal e até, paradoxalmente, constipação [12, 13].
     
A extensão do acometimento colônico da RCU pode variar, recebendo diferentes denominações e com influência no tratamento:

  • Proctite: quando restrita ao reto.
  • Proctossigmoidite: envolvimento do reto e do cólon sigmoide.
  • Colite extensa: acomete segmentos mais proximais do cólon.
  • Pancolite: envolve todo o cólon.

Sintomas extraintestinais

As DII podem apresentar sintomas extraintestinais em 6 a 46% dos pacientes. Essas manifestações são mais comuns na DC do que na RCU [14]. Dentre os pacientes que apresentam sintomas extraintestinais, 24% podem manifestar esses sintomas antes do diagnóstico de DII, com uma mediana de 5 meses [14].

As manifestações extraintestinais mais comuns podem ser classificadas em três grupos: articulares, cutâneas e oculares. 

O acometimento articular é a manifestação extraintestinal mais comum, presente em mais de 40% dos pacientes com DII [14]. É mais prevalente em pacientes jovens. As duas principais apresentações do acometimento articular são espondiloartrite e artrite periférica. O acometimento axial da espondiloartrite pode ser encontrado em ressonância magnética de pacientes assintomáticos. Veja mais em "Diagnóstico de Espondiloartrites".

Os quadros de artrite periférica podem ser oligoarticulares (até quatro articulações) ou poliarticulares (mais de quatro articulações): 

  • Oligoarticular: tende a ser assimétrico e limitado ao período em que a doença está em atividade. 
  • Poliarticular: simétrico, dura de meses a anos e não está relacionado com atividade de doença. Algumas referências colocam como uma evolução do padrão oligoarticular [14].

As manifestações cutâneas estão presentes em 5 a 15% dos pacientes com DII. A apresentação mais comum é o eritema nodoso, seguido por pioderma gangrenoso. [15]. Ambas as apresentações são mais comuns em pacientes com sinais de atividade de doença, mas podem ocorrer em pacientes sem outros sintomas [16]. O pioderma gangrenoso é discutido no "Caso Clínico #28".

Os olhos são acometidos em 2 a 7% dos pacientes com DII. As manifestações mais prevalentes são episclerite, esclerite e uveíte anterior. A episclerite e esclerite estão relacionadas à atividade de doença, já a uveíte pode se apresentar em pacientes sem sintomas intestinais [14].

A colangite esclerosante primária pode ocorrer em ambas as DII, porém é mais comum na RCU. Em pacientes com diagnóstico inicial de colangite esclerosante primária, é possível diagnosticar DII em 60 a 80% dos casos [17].

Pacientes com DII possuem maior risco de transtorno depressivo. Quando essa comorbidade está presente, a taxa de recidiva da doença e o uso de serviços hospitalares aumentam [18].

Tabela 1
Manifestações extraintestinais das doenças inflamatórias intestinais
Manifestações extraintestinais das doenças inflamatórias intestinais

Outras manifestações estão na tabela 1.

Exames complementares

O diagnóstico de DII é realizado através do conjunto de sintomas, marcadores bioquímicos, colonoscopia e anatomopatológico. Nenhuma avaliação isolada é definitiva. Deve-se combinar achados sugestivos e afastar diagnósticos diferenciais para caracterizar o diagnóstico de DII e distinguir entre DC e RCU. 

A tabela 2 resume as principais diferenças entre DC e RCU. Em casos em que não é possível diferenciar claramente entre RCU e DC, utiliza-se a denominação de doença inflamatória intestinal não classificada [19].

Tabela 2
Diferenças principais entre doença de Crohn e retocolite ulcerativa
Diferenças principais entre doença de Crohn e retocolite ulcerativa

Exames endoscópicos 

A colonoscopia é o exame principal para o diagnóstico. Além de auxiliar no diagnóstico com a visualização direta do padrão de acometimento e coleta de material para biópsia, a colonoscopia consegue investigar diagnósticos diferenciais, avaliar a extensão da doença e identificar complicações, como fístula e estenoses.

O exame também auxilia na diferenciação entre DC e RCU através das seguintes características [20]:

  • Doença de Crohn:
    • Úlceras aftosas em casos leves, úlceras transmurais em casos graves. As úlceras aftosas são úlceras pequenas, superficiais e com aparência de “alvo” ou “halo”, onde há uma pequena área central de ulceração cercada por mucosa normal ou inflamada. 
    • Lesões descontínuas (áreas saudáveis entre áreas doentes).
    • Predileção pelo íleo terminal, podendo poupar o reto. 
    • Aspecto em paralelepípedo ou pedra de calçamento (cobblestone).
  • Retocolite ulcerativa: 
    • Mucosa eritematosa, friável ou com úlceras superficiais. 
    • Acometimento contínuo e circunferencial a partir do reto, podendo se estender até o ceco. 
    • Pseudopólipos, resultantes de hiperplasia da mucosa após repetidos ciclos de inflamação e cicatrização. 
    • Ileíte de refluxo. Fator confundidor com a ileíte da doença de Crohn, porém os outros aspectos endoscópicos e o anatomopatológico auxiliam na diferenciação.
    • Até 3% dos pacientes com RCU não possuem o reto acometido e 15% podem apresentar acometimento não contínuo [21]. Nesses casos, o diagnóstico é caracterizado pelo aspecto de outras porções.

A colonoscopia é contraindicada em pacientes com instabilidade hemodinâmica, suspeita de perfuração intestinal, diverticulite aguda e suspeita de megacólon tóxico ou colite fulminante. Contudo, em pacientes com retocolite ulcerativa grave, um exame endoscópico é recomendado para a coleta de biópsia para avaliação de citomegalovírus. Nesse cenário, é sugerido realizar somente a retossigmoidoscopia sem preparo, para evitar complicações como progressão para megacólon e perfuração [22].

Exame anatomopatológico

A biópsia deve ser realizada durante a colonoscopia do paciente com suspeita de DII, com coleta de 5 sítios diferentes do cólon, contemplando o íleo e o reto, mesmo que a mucosa pareça normal macroscopicamente [23]. Não há achados patognomônicos, porém algumas características são mais prevalentes:

  • Doença de Crohn: granulomas não-caseosos são presentes em até 25% dos casos [20], arquitetura vilosa irregular no íleo terminal e irregularidade focal das criptas [7].
  • Retocolite ulcerativa: abscesso de criptas, redução do número, distorção da arquitetura e atrofia de criptas.

Exames de imagem

No paciente com DC, a enterografia, seja por tomografia ou ressonância, é um exame habitualmente realizado para diagnóstico e acompanhamento. O exame é útil para detectar atividade da doença no intestino delgado, região que é pouco acessada pelos métodos endoscópicos. É possível visualizar alterações na parede intestinal, como espessamento de parede, realce por contraste e sinais de edema/inflamação [24]. A tomografia e ressonância também auxiliam a diagnosticar complicações, como abscessos, estenoses, fístulas e megacólon, e a avaliar diagnósticos diferenciais. Na RCU, esses exames de imagem podem revelar espessamento colônico, porém esse achado não é específico.

A ultrassonografia intestinal pode auxiliar no manejo da DII, em especial na avaliação de atividade na RCU. Por meio da medição do espessamento da parede colônica (> 3 mm) e da detecção de fluxo sanguíneo ao Doppler, a ultrassonografia apresenta boa correlação com achados endoscópicos. Critérios como o Humanitas Ultrasound Criteria combinam esses parâmetros, oferecendo elevada acurácia, podendo reduzir a necessidade de colonoscopias repetidas, além de não exigir preparo invasivo. [25].

Exames laboratoriais

Exames laboratoriais não são úteis para definir o diagnóstico de DII. Hemograma, proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS) podem estar normais ou alterados nos pacientes com DII [13]. A diretriz americana orienta a avaliação de anemia e desnutrição em pacientes com DC [9]. O anticorpo anti-citoplasma de neutrófilo no padrão p-ANCA tende a ser mais associado à RCU, já os anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) se associam à DC. Porém, não é recomendada a coleta desses exames para o diagnóstico, devido à baixa sensibilidade. 

A calprotectina fecal e a lactoferrina fecal são úteis para diferenciar DII de doenças funcionais, como síndrome do intestino irritável. Esses exames possuem melhor desempenho que PCR e VHS para essa finalidade [26]. Um valor de calprotectina acima de 50 μg/g possui sensibilidade de 85% e especificidade de 91% [27] para diagnóstico de DII. Apesar de essa distinção ser importante, as DII e a síndrome do intestino irritável podem coexistir. Esses exames não são úteis para diferenciar de outras condições que podem causar diarreia crônica, como infecções, medicamentos ou neoplasias [28]. Calprotectina e lactoferrina fecais também são utilizados para monitorar a atividade da doença e predizer descompensações da doença.

A diretriz americana sugere que os pacientes com suspeita de DII devem ser investigados para Clostridioides difficile [9, 29].

Tabela 3
Diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias intestinais
Diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias intestinais

Veja a tabela 3 para diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias intestinais.

Bases do tratamento das doenças inflamatórias intestinais

O tratamento das DII é baseado na localização da doença, gravidade e presença de complicações. O objetivo do tratamento é a cicatrização da mucosa, e não somente o controle de sintomas. A cicatrização da mucosa está relacionada a menores taxas de internações, surtos de atividade da doença, complicações como fístulas e necessidade de cirurgia.

Quando a doença está em atividade, o tratamento de escolha para induzir remissão são os corticoides. Podem ser realizados por via oral ou intravenosa, a depender da gravidade. Em casos leves, outros medicamentos podem ser tentados antes dos corticoides, como aminossalicilatos (mesalazina e sulfassalazina). Apesar de úteis para indução de remissão, corticoides não devem ser utilizados para manutenção da doença em remissão, sendo recomendado outras drogas para esse intuito, como imunomoduladores (azatioprina, metotrexato) ou imunobiológicos [7].

Pacientes com atividade de doença devem ser testados para Clostridioides difficile. Essa infecção pode mimetizar atividade de doença e está relacionada a piores desfechos, como mortalidade e tempo de internação. Essa condição pode ocorrer em pacientes com DII mesmo sem outros fatores de risco para colite por C. difficile, como uso prévio de antibióticos ou internações recentes [30].

O paciente com DII deve receber avaliação de urgência em regime de internação hospitalar quando ocorrer um dos seguintes:

  • Atividade grave da doença, principalmente se não responder à terapia inicial. O grau de atividade pode ser avaliado através de escores específicos, citados a seguir.
  • Complicações da doença, como fístula, obstrução e sangramento.
  • Suspeita de quadros infecciosos, como Clostridioides difficile.

Tratamento da doença de Crohn

Pacientes com DC podem ser classificados conforme o risco de desenvolver atividade grave da doença e complicações. O tratamento varia se o paciente apresenta risco baixo ou alto. Pacientes com poucos sintomas podem ainda ter sinais de inflamação e estar em risco para complicações da DC, por isso essa estratificação valoriza também outros aspectos [31]. O fluxograma 1 traz a abordagem baseada no risco do paciente.

Fluxograma 1
Abordagem ao tratamento de doença de Crohn
Abordagem ao tratamento de doença de Crohn

Um dos parâmetros para estimar o risco do paciente é a carga de atividade de doença. Não há método consensual para avaliação dos sintomas do paciente. Uma maneira de realizar essa avaliação é através do Crohn’s Disease Activity Index (CDAI) (ver tabela 4). 

Tabela 4
Crohn’s Disease Activity Index (CDAI)
Crohn’s Disease Activity Index (CDAI)

Nos pacientes com doença de baixo risco, o tratamento de escolha é budesonida de liberação controlada ileal na dose de 9 mg. Essa apresentação faz com que o corticoide possua um efeito tópico, com baixa absorção sistêmica [9]. Corticoides orais sistêmicos também podem ser utilizados para induzir remissão. A recomendação do American College of Gastroenterologists (ACG) é manter o medicamento por no máximo 4 meses [9]. Os corticoides não devem ser utilizados como terapia de manutenção [32].

A diretriz do ACG sugere que a sulfassalazina via oral (3 a 6 g no dia) pode ser administrada para alívio sintomático [9]. Não foi encontrada superioridade da sulfassalazina em relação ao placebo na cicatrização da mucosa e indução de remissão [33]. Também não há benefício dessa droga nos pacientes com doença ativa somente em intestino delgado. 

Para pacientes com atividade leve e doença de baixo risco que atingem remissão com uma das terapias mencionadas, pode ser considerada a observação cuidadosa sem início imediato de terapia de manutenção com imunomoduladores ou imunobiológicos [34]. Outros pacientes podem realizar manutenção com imunomoduladores. Essa decisão nos pacientes de baixo risco não é diretamente abordada e não é consensual entre as diretrizes.

Em pacientes classificados como de alto risco, medicamentos como azatioprina, mercaptopurina e metotrexato podem ser utilizados como medicamentos poupadores de corticoide. Esses medicamentos têm maior sucesso em manter a remissão do que em induzir a remissão em um paciente com a doença em atividade, sendo frequentemente usados inicialmente em associação com corticoide [9].

Os anticorpos inibidores do fator de necrose tumoral (anti-TNF, como infliximabe, adalimumabe e certolizumabe pegol) são indicados quando corticosteroides e imunossupressores não controlam a doença ou como terapia de primeira linha em pacientes com alto risco de progressão de doença ou com manifestações extraintestinais [7]. O uso está associado à indução e manutenção de remissão, prevenção de complicações (estenoses, fístulas e cirurgias), melhora da qualidade de vida e diminuição de internações. Devido ao perfil imunossupressor, deve-se investigar tuberculose latente por risco de reativação e hepatite B [9]. Outros medicamentos imunossupressores, como anticorpos anti-interleucina (ustequinumabe e risanquizumabe), anticorpo anti-integrina (vedolizumabe) e inibidor da Janus quinase (JAK, upadacitinibe), podem ser utilizados. 

A cirurgia na DC não é curativa, mas auxilia no controle de complicações (estenoses, fístulas, abscessos). Em 10 anos de doença, 40 a 55% dos pacientes podem precisar de cirurgia. Esse número está em redução gradual, possivelmente devido aos medicamentos imunossupressores mais potentes [35].

Tratamento da retocolite ulcerativa

O tratamento da RCU é baseado na atividade da doença. A diretriz americana sugere a tabela 5 para classificar a atividade em fulminante, moderada-grave, leve e doença em remissão. Existem outros escores de gravidade e não há unanimidade sobre qual ferramenta utilizar. 

Tabela 5
Índice de Atividade da Colite Ulcerativa do American College of Gastroenterology
Índice de Atividade da Colite Ulcerativa do American College of Gastroenterology

Em pacientes com atividade leve a moderada da doença, a diretriz do ACG recomenda aminossalicilatos, como mesalazina e sulfassalazina. A mesalazina pode ser feita por via retal, em forma de supositório ou de enema. Quando somente o reto está acometido, pode ser feito supositório isolado (1 g por dia). Quando há acometimento extenso ou acometimento isolado do cólon esquerdo, pode ser realizado o enema em associação com a via oral (2 g a 4,8 g ao dia) [13]. A mesalazina retal ou oral pode ser mantida como terapia de manutenção, após o paciente sair da exacerbação.  

Nos pacientes com atividade leve que falham a terapia inicial, a diretriz da ACG recomenda duas opções: corticoterapia, seja com prednisona ou budesonida, ou trocar o aminossalicilato. 

Pela diretriz da American Gastroenterological Association (AGA), em pacientes com atividade moderada a grave, os seguintes medicamentos são recomendados como opções para indução de remissão [36]:

  • Anticorpos anti-fator de necrose tumoral: infliximabe e golimumabe;
  • Anticorpo anti-integrina: vedolizumabe;
  • Inibidores da Janus quinase: tofacitinibe e upadacitinib;
  • Anticorpos anti-interleucina-23: ustequinumabe, risanquizumabe e guselcumabe.

Podem ser feitos em associação com corticoide, com objetivo de desmame rápido devido aos efeitos adversos. Pacientes em uso de anti-TNF devem ser rastreados para tuberculose latente e hepatite B. A diretriz da AGA não coloca o adalimumabe como opção inicial devido ao menor benefício quando comparado aos outros imunobiológicos [36].

A cirurgia de colectomia e anastomose íleoanal com reservatório ileal é uma opção terapêutica para casos refratários ou em pacientes que desenvolvem complicações como neoplasia intestinal [13]. Diferente da DC, existe potencial de cura da RCU com a cirurgia. A necessidade de cirurgia tem reduzido ao longo dos anos. Isso pode ser atribuído ao maior uso de terapia imunossupressora eficaz [37].

Exacerbações da doença

Retocolite ulcerativa

A forma grave da RCU é chamada de retocolite ulcerativa aguda grave (RCUAG). É definida quando o paciente apresenta 6 ou mais evacuações por dia em associação com pelo menos um marcador de inflamação sistêmica, como frequência cardíaca acima de 90 bpm, febre, hemoglobina menor que 10,5 g/dl ou VHS acima de 30 mm/h [38]. A RCUAG pode ocorrer em até 25% dos pacientes com RCU. 

A terapia inicial é com corticoides (metilprednisolona 60 mg/dia ou hidrocortisona 100 mg 3 a 4 vezes por dia). Em casos refratários, pode se iniciar infliximabe ou ciclosporina [29]. 

Depois de três dias de tratamento, os pacientes que mantêm 8 evacuações diárias ou 3 a 8 evacuações associadas com proteína C reativa acima de 45 mg/L apresentam maior chance de necessitar de colectomia para controle da atividade de doença. A avaliação do cirurgião deve ser solicitada nesse momento [13, 38].

Em torno de 15 a 30% dos pacientes refratários à corticoide possuem colite por citomegalovírus (CMV), que pode ser diagnosticada através da biópsia colônica [39, 40]. O exame para coleta de biópsia necessita de um operador experiente pelo risco de complicações. Idealmente, deve ser feita somente uma retossigmoidoscopia com mínimo de insuflação, para reduzir o risco de perfuração do cólon inflamado. O ACG orienta que todo paciente com RCUAG deve realizar retossigmoidoscopia em 72 horas. 

Pacientes com RCU podem apresentar colite fulminante. Esse quadro é caracterizado por mais de 10 evacuações por dia, urgência fecal e é geralmente acompanhado de dor abdominal ou distensão abdominal. Alguns autores colocam que esse quadro tem indicação de antibioticoterapia de amplo espectro, expansão volêmica e corticoides [41].

A RCU apresenta duas principais complicações: sangramento digestivo baixo e megacólon tóxico. Os casos de sangramento devem ser conduzidos como hemorragia digestiva baixa. Veja mais em "Nova Diretriz de Hemorragia Digestiva Baixa".

Megacólon tóxico é uma complicação das DII, vista mais nos pacientes com RCU do que DC. O critério diagnóstico está na tabela 6. O tratamento do megacólon tóxico envolve corticoides, antibioticoterapia e afastar infecção por Clostridioides difficile. Casos refratários podem necessitar de colectomia. 

Tabela 6
Critério diagnóstico de megacólon
Critério diagnóstico de megacólon

Doença de Crohn

As principais complicações da DC são obstrução intestinal, fístulas e abscessos [42].

Em casos de obstrução intestinal subtotal, o tratamento é com corticoterapia, hidratação intravenosa e sonda nasogástrica para descompressão. Pode ser necessária nutrição parenteral. A cirurgia pode ser necessária em não respondedores ou em pacientes com sinais de isquemia intestinal.

Em casos de peritonite, deve ser realizada antibioticoterapia e exame de imagem. A tomografia é o exame de escolha. Foram criados escores para tentar predizer o risco de formação de abscesso intra-abdominal, na tentativa de reduzir o número de tomografias que o paciente vai realizar, porém, as diretrizes não validam essa conduta. [43].

Os abscessos podem se apresentar com dor abdominal e febre. Sepse pode estar presente em 28% dos casos. Abscessos menores que 5 centímetros podem ser tratados com antibioticoterapia isolada. Abscessos maiores que 5 centímetros idealmente devem ser drenados [9].

O tratamento principal de fístulas envolve avaliação cirúrgica, antibioticoterapia e infliximabe [9]. A diretriz americana recomenda o uso do infliximabe nas fístulas perianais, e sugere o seu uso nas outras fístulas. 

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