Semaglutida para Transtorno por Uso de Álcool
Os análogos de GLP-1 são medicações estabelecidas para manejo de diabetes e obesidade [1, 2]. Ensaios pré-clínicos observacionais sugerem que a semaglutida possa ter efeito na redução do consumo de álcool e do desejo de beber (craving). Um estudo publicado em fevereiro de 2025 no Journal of the American Medical Association (JAMA) Psychiatry traz evidências sobre o uso da medicação como estratégia de redução do consumo de álcool [3]. Esse tópico traz o contexto e os resultados do estudo.
A semaglutida e outros análogos de GLP-1 já foram abordados no Guia previamente nas seguintes condições: "Semaglutida para Prevenção Cardiovascular Secundária", "Semaglutida para Insuficiência Cardíaca com Fração de Ejeção Preservada", "Tirzepatida para Insuficiência Cardíaca de Fração de Ejeção Preservada em Pessoas com Obesidade", "Análogos de GLP-1 para Doença Renal Crônica", "Retatrutida para Obesidade" e "Tirzepatida: novo medicamento para obesidade".
Análogos de GLP-1 e uso excessivo de álcool
O uso crescente de análogos de GLP-1 para tratamento de diabetes e obesidade foi acompanhado de relatos sobre a diminuição do uso e do desejo de consumir álcool [4, 5]. A relação entre a medicação e a diminuição de hábitos caracterizados como vícios parece ser explicada pela redução dos mecanismos de recompensa e estabilização dos níveis de dopamina do cérebro em estudos experimentais [6]. Embora o mecanismo de ação não seja completamente esclarecido, o potencial benefício dessa intervenção já está sendo estudado em ensaios clínicos.
Detalhes sobre o diagnóstico e tratamentos de primeira linha dessa condição podem ser encontrados no tópico do Guia TdC "Baclofeno para Transtorno por Uso de Álcool" [1].
Ensaio clínico: semaglutida para transtorno por uso de álcool
Em fevereiro de 2025, foi publicado no JAMA Psychiatry um ensaio clínico de fase 2, duplo-cego, randomizado, que comparou o uso semanal de semaglutida em pacientes com uso excessivo de álcool com o placebo [1]. Os desfechos esperados do estudo eram a diminuição do consumo de álcool relatada pelos participantes e a redução de níveis séricos e expirados de álcool. Quarenta e oito pessoas de 21 a 65 anos participaram do estudo por um período de nove semanas. Doses semanais de semaglutida ou placebo eram aplicadas no subcutâneo e o grupo intervenção utilizou 0,25 mg nas primeiras 4 semanas e 0,5 mg no restante do tempo. O estudo encontrou redução dos níveis de consumo de álcool em gramas e do pico da concentração expirada de álcool com significância estatística. Redução do desejo de beber (craving) e fumar semanalmente também foi observada. As características selecionadas do estudo se encontram na tabela 1.

Apesar dos resultados que sugerem um efeito positivo no uso da semaglutida, existem algumas observações sobre o estudo:
- Tamanho amostral pequeno. Em estudos de fase 2, são esperados menos pacientes. No entanto, quanto menor a quantidade de participantes, maior o efeito dos vieses relacionados à avaliação subjetiva dos indivíduos.
- Significado estatístico não se correlaciona com significado clínico. Alguns estudos de fase 2 podem ser nomeados como estudos de “prova de conceito”. A interpretação desses estudos não diz respeito ao efeito esperado na população, uma vez que o estudo não se propõe a medir a magnitude do efeito.
- Período curto de testes e dose não usual da intervenção. O período de nove semanas pode ser considerado curto para se ter uma compreensão robusta dos efeitos dessa terapia no padrão de consumo de álcool. Além disso, as doses utilizadas no estudo foram muito inferiores ao comumente observado no manejo para diabetes e obesidade.
Por ser um ensaio clínico em fase 2, essas limitações são esperadas e devem ser consideradas para a interpretação dos resultados. A sua relevância na literatura está em demonstrar a associação dos análogos em GLP-1 na redução dos hábitos associados ao transtorno do uso de álcool, como sugerido em observações prévias. Os resultados incentivam o desenvolvimento de maiores trabalhos que esclareçam a magnitude desse efeito em demais populações.
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