Nova Diretriz de Diagnóstico de Deficiência de Vitamina B12
Uma nova diretriz para diagnóstico e manejo da deficiência de vitamina B12 foi publicada em março de 2024 pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido [1]. Este tópico revisa os principais pontos do documento, abordando manifestações clínicas, métodos diagnósticos e causas da deficiência de vitamina B12.
O Guia abordou o tratamento de deficiência de vitamina B12 em "Reposição de Vitamina B12".
Manifestações clínicas e causas
A deficiência de vitamina B12 pode levar a diversas manifestações clínicas, sendo principalmente hematológicas, neurológicas e psiquiátricas. A principal alteração hematológica é a anemia. Classicamente, ocorre uma anemia megaloblástica, um subtipo de anemia macrocítica. Na anemia megaloblástica, defeitos na síntese de DNA resultam em precursores de eritrócitos grandes e disfuncionais, chamados de megaloblastos. A deficiência de vitamina B12 também pode causar leucopenia e plaquetopenia e, em alguns casos, evoluir para pancitopenia [2 - 5].
A ausência de anemia ou macrocitose não exclui a deficiência de vitamina B12. Uma coorte retrospectiva envolvendo 141 pacientes com manifestações neuropsiquiátricas decorrentes dessa carência vitamínica identificou que 28% deles não apresentavam esses achados hematológicos [6, 7]. Esperar que todos os pacientes tenham alterações ao hemograma pode atrasar o diagnóstico.
As manifestações neurológicas da deficiência de vitamina B12 podem afetar diferentes estruturas do sistema nervoso [8]:
- Nervo periférico: polineuropatia sensitivo-motora, caracterizada por fraqueza, parestesia distal e reflexos reduzidos.
- Medula espinhal: desmielinização dos tratos posteriores e laterais da medula espinhal, quadro denominado de degeneração combinada subaguda. Os sintomas incluem disestesias simétricas, distúrbios proprioceptivos e paraparesia ou tetraparesia espástica.
- Encéfalo: declínio cognitivo e disfunção do nervo óptico.
Entre as manifestações psiquiátricas estão depressão, ansiedade e psicose [9].

A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer por ingestão inadequada, má absorção por diversas condições gastrointestinais ou aumento das necessidades fisiológicas (tabela 1) [3, 10-12].
Como diagnosticar?

Em março de 2024, o NICE publicou uma diretriz para o diagnóstico e manejo da deficiência de vitamina B12 [1]. O documento recomenda a investigação diagnóstica na presença de ao menos um sinal ou sintoma comum (tabela 2) associado a um fator de risco (tabela 3). Contudo, sugere considerar a investigação com base no julgamento clínico, mesmo na ausência desses fatores.

Não há um teste padrão-ouro para o diagnóstico. Os exames iniciais incluem cobalamina (B12 total) ou holotranscobalamina (B12 ativa), com valores de referência e probabilidade diagnóstica conforme a tabela 4 [1]. A holotranscobalamina é pouco utilizada na prática clínica no Brasil devido à sua disponibilidade limitada e ao elevado custo.

Resultados indeterminados devem ser complementados com dosagem sérica de ácido metilmalônico ou, se indisponível, de homocisteína. Ambos os marcadores geralmente se elevam na deficiência de B12. A interpretação deve seguir os intervalos de referência do laboratório utilizado [1]. O fluxograma 1 mostra uma sugestão de como utilizar esses exames. A dosagem de homocisteína é menos específica que do ácido metilmalônico, pois também pode estar elevada na deficiência de folato [13].

A Choosing Wisely, uma iniciativa global que promove o uso racional de exames e tratamentos médicos, sugere que não deve ser dosado folato de rotina na investigação de anemia ou macrocitose [14], uma vez que a sua deficiência é rara devido à fortificação alimentar, como a que ocorre no Brasil. Além disso, os testes laboratoriais têm utilidade limitada por apresentarem resultados imprecisos [15-16]. Nesses casos, a suplementação empírica é mais eficiente e econômica, garantindo o tratamento imediato sem a necessidade de exames complementares [17].
A deficiência de vitamina B12, por vezes, manifesta-se como anemia megaloblástica, caracterizada por macrocitose, definida por um volume corpuscular médio (VCM) superior a 100 fL [18]. Nem todos os pacientes apresentam esse achado, especialmente em casos leves, na presença de anemia microcítica associada ou quando a fortificação alimentar com folato mascara a anemia megaloblástica sem corrigir a deficiência subjacente de vitamina B12 [19].
Na anemia megaloblástica, embora a medula óssea esteja hiperplásica, os eritroblastos não conseguem se dividir adequadamente. Essa falha na divisão celular resulta na destruição de células ainda dentro da medula (hemólise intramedular), caracterizando o processo de eritropoiese ineficaz. Laboratorialmente, esse fenômeno se manifesta por reticulocitopenia (contagem baixa de reticulócitos), marcadores de hemólise positivos (aumento da desidrogenase lática e da bilirrubina indireta, com redução da haptoglobina) e teste da antiglobulina direta (Coombs direto) negativo, devido à ausência anticorpos ligados às hemácias [3, 4].
A análise do esfregaço de sangue periférico é indicada diante da identificação de citopenia no hemograma [20]. Na deficiência de vitamina B12, pode revelar neutrófilos hipersegmentados, um achado precoce de anemia megaloblástica [3] como demonstrado na figura 1.

Os exames de imagem são essenciais na avaliação de complicações neurológicas. Diante da suspeita de degeneração combinada subaguda, indica-se a ressonância magnética de medula espinhal, que pode revelar hiperintensidade simétrica em imagens ponderadas em T2 nas colunas posteriores e/ou laterais. Quando essa alteração é restrita às colunas posteriores, forma-se um padrão característico conhecido como sinal do “V invertido” ou da “orelha de coelho invertida” [21] conforme ilustrado na figura 2.

Investigação etiológica
Na deficiência de vitamina B12, recomenda-se a investigação de gastrite autoimune em todos os pacientes sem investigação etiológica prévia e sem histórico de cirurgias que afetam a absorção dessa vitamina [1].
A gastrite autoimune é uma doença inflamatória crônica caracterizada pela produção de autoanticorpos contra o fator intrínseco e/ou células parietais. A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer tanto por ação do anticorpo anti-fator intríseco, impedindo a ligação da vitamina com o fator, como por destruição das células parietais (que produzem fator intríseco). Patologicamente, se caracteriza por atrofia gástrica progressiva com preservação do antro. Quando há deficiência de vitamina B12 e anemia, pode ser chamada de anemia perniciosa. Distingue-se de outras formas de gastrite atrófica, como a induzida por Helicobacter pylori, pela sua distribuição específica na mucosa gástrica [22, 23]. Esta condição é frequentemente associada a outras doenças autoimunes, principalmente da tireoide, como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves, e é uma manifestação comum da síndrome poliglandular autoimune tipo 3 [24, 25].
A gastrite autoimune está associada a um maior risco de desenvolvimento de tumores neuroendócrinos gástricos e pode também estar relacionada ao aumento do risco de adenocarcinoma gástrico. Em pacientes com essa condição que apresentem novos sintomas gastrointestinais superiores ou piora de sintomas prévios, a realização de endoscopia digestiva alta deve ser considerada [1, 23].
O teste inicial para a investigação é a dosagem do fator intrínseco. Se o teste for negativo e ainda houver suspeita, deve-se considerar uma das seguintes opções [1]:
- Dosar anticorpo anti-célula parietal gástrica;
- Dosar níveis de gastrina para investigar hipergastrinemia;
- Endoscopia digestiva alta com biópsia do corpo gástrico em busca de atrofia gástrica.
É sugerido realizar testes sorológicos para doença celíaca quando a causa da deficiência de vitamina B12 ainda é desconhecida, apesar das investigações adicionais [1]. Veja mais sobre doença celíaca em "Diretriz Americana de Doença Celíaca: Diagnóstico e Tratamento".
Aconselha-se avaliar a presença de ferropenia em pacientes com deficiência de vitamina B12 devido à frequente coexistência dessas condições [22, 26].
Segundo a American Academy of Family Physicians, o rastreamento da deficiência de vitamina B12 pode ser considerado em pacientes com fatores de risco descritos na tabela 3 [10]. Para pacientes em uso de metformina, a Sociedade Brasileira de Diabetes, em sua diretriz de manejo da terapia antidiabética de 2024, recomenda a dosagem de vitamina B12 anualmente após quatro anos de início da medicação [27].
O Guia TdC já abordou a reposição de vitamina B12 em “"Reposição de Vitamina B12".
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