Nova Diretriz de Diagnóstico de Deficiência de Vitamina B12

Criado em: 14 de Abril de 2025 Autor: Luciano Assunção Revisor: Frederico Amorim Marcelino

Uma nova diretriz para diagnóstico e manejo da deficiência de vitamina B12 foi publicada em março de 2024 pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido [1]. Este tópico revisa os principais pontos do documento, abordando manifestações clínicas, métodos diagnósticos e causas da deficiência de vitamina B12.

O Guia abordou o tratamento de deficiência de vitamina B12 em "Reposição de Vitamina B12".

Manifestações clínicas e causas

A deficiência de vitamina B12 pode levar a diversas manifestações clínicas, sendo principalmente hematológicas, neurológicas e psiquiátricas. A principal alteração hematológica é a anemia. Classicamente, ocorre uma anemia megaloblástica, um subtipo de anemia macrocítica. Na anemia megaloblástica, defeitos na síntese de DNA resultam em precursores de eritrócitos grandes e disfuncionais, chamados de megaloblastos. A deficiência de vitamina B12 também pode causar leucopenia e plaquetopenia e, em alguns casos, evoluir para pancitopenia [2 - 5].

A ausência de anemia ou macrocitose não exclui a deficiência de vitamina B12. Uma coorte retrospectiva envolvendo 141 pacientes com manifestações neuropsiquiátricas decorrentes dessa carência vitamínica identificou que 28% deles não apresentavam esses achados hematológicos [6, 7]. Esperar que todos os pacientes tenham alterações ao hemograma pode atrasar o diagnóstico.

As manifestações neurológicas da deficiência de vitamina B12 podem afetar diferentes estruturas do sistema nervoso [8]:

  • Nervo periférico: polineuropatia sensitivo-motora, caracterizada por fraqueza, parestesia distal e reflexos reduzidos.
  • Medula espinhal: desmielinização dos tratos posteriores e laterais da medula espinhal, quadro denominado de degeneração combinada subaguda. Os sintomas incluem disestesias simétricas, distúrbios proprioceptivos e paraparesia ou tetraparesia espástica.
  • Encéfalo: declínio cognitivo e disfunção do nervo óptico.

Entre as manifestações psiquiátricas estão depressão, ansiedade e psicose [9].

Tabela 1
Causas de deficiência de vitamina B12
Causas de deficiência de vitamina B12

A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer por ingestão inadequada, má absorção por diversas condições gastrointestinais ou aumento das necessidades fisiológicas (tabela 1) [3, 10-12].

Como diagnosticar?

Tabela 2
Sinais e sintomas que sugerem e indicam investigação para deficiência de vitamina B12
Sinais e sintomas que sugerem e indicam investigação para deficiência de vitamina B12

Em março de 2024, o NICE publicou uma diretriz para o diagnóstico e manejo da deficiência de vitamina B12 [1]. O documento recomenda a investigação diagnóstica na presença de ao menos um sinal ou sintoma comum (tabela 2) associado a um fator de risco (tabela 3). Contudo, sugere considerar a investigação com base no julgamento clínico, mesmo na ausência desses fatores.

Tabela 3
Fatores de risco comuns para deficiência de vitamina B12
Fatores de risco comuns para deficiência de vitamina B12

Não há um teste padrão-ouro para o diagnóstico. Os exames iniciais incluem cobalamina (B12 total) ou holotranscobalamina (B12 ativa), com valores de referência e probabilidade diagnóstica conforme a tabela 4 [1]. A holotranscobalamina é pouco utilizada na prática clínica no Brasil devido à sua disponibilidade limitada e ao elevado custo.

Tabela 4
Interpretação dos resultados dos testes de B12 total ou ativa
Interpretação dos resultados dos testes de B12 total ou ativa

Resultados indeterminados devem ser complementados com dosagem sérica de ácido metilmalônico ou, se indisponível, de homocisteína. Ambos os marcadores geralmente se elevam na deficiência de B12. A interpretação deve seguir os intervalos de referência do laboratório utilizado [1]. O fluxograma 1 mostra uma sugestão de como utilizar esses exames. A dosagem de homocisteína é menos específica que do ácido metilmalônico, pois também pode estar elevada na deficiência de folato [13].

Fluxograma 1
Investigação de deficiência de vitamina B12
Investigação de deficiência de vitamina B12

A Choosing Wisely, uma iniciativa global que promove o uso racional de exames e tratamentos médicos, sugere que não deve ser dosado folato de rotina na investigação de anemia ou macrocitose [14], uma vez que a sua deficiência é rara devido à fortificação alimentar, como a que ocorre no Brasil. Além disso, os testes laboratoriais têm utilidade limitada por apresentarem resultados imprecisos [15-16]. Nesses casos, a suplementação empírica é mais eficiente e econômica, garantindo o tratamento imediato sem a necessidade de exames complementares [17].

A deficiência de vitamina B12, por vezes, manifesta-se como anemia megaloblástica, caracterizada por macrocitose, definida por um volume corpuscular médio (VCM) superior a 100 fL [18]. Nem todos os pacientes apresentam esse achado, especialmente em casos leves, na presença de anemia microcítica associada ou quando a fortificação alimentar com folato mascara a anemia megaloblástica sem corrigir a deficiência subjacente de vitamina B12 [19].

Na anemia megaloblástica, embora a medula óssea esteja hiperplásica, os eritroblastos não conseguem se dividir adequadamente. Essa falha na divisão celular resulta na destruição de células ainda dentro da medula (hemólise intramedular), caracterizando o processo de eritropoiese ineficaz. Laboratorialmente, esse fenômeno se manifesta por reticulocitopenia (contagem baixa de reticulócitos), marcadores de hemólise positivos (aumento da desidrogenase lática e da bilirrubina indireta, com redução da haptoglobina) e teste da antiglobulina direta (Coombs direto) negativo, devido à ausência anticorpos ligados às hemácias [3, 4].

A análise do esfregaço de sangue periférico é indicada diante da identificação de citopenia no hemograma [20]. Na deficiência de vitamina B12, pode revelar neutrófilos hipersegmentados, um achado precoce de anemia megaloblástica [3] como demonstrado na figura 1.

Figura 1
Neutrófilo hipersegmentado no esfregaço do sangue periférico
Neutrófilo hipersegmentado no esfregaço do sangue periférico

Os exames de imagem são essenciais na avaliação de complicações neurológicas. Diante da suspeita de degeneração combinada subaguda, indica-se a ressonância magnética de medula espinhal, que pode revelar hiperintensidade simétrica em imagens ponderadas em T2 nas colunas posteriores e/ou laterais. Quando essa alteração é restrita às colunas posteriores, forma-se um padrão característico conhecido como sinal do “V invertido” ou da “orelha de coelho invertida” [21] conforme ilustrado na figura 2.

Figura 2
Sinal do V invertido - acometimento do trato posterior da medula espinhal na degeneração combinada subaguda
Sinal do V invertido - acometimento do trato posterior da medula espinhal na degeneração combinada subaguda

Investigação etiológica

Na deficiência de vitamina B12, recomenda-se a investigação de gastrite autoimune em todos os pacientes sem investigação etiológica prévia e sem histórico de cirurgias que afetam a absorção dessa vitamina [1].

A gastrite autoimune é uma doença inflamatória crônica caracterizada pela produção de autoanticorpos contra o fator intrínseco e/ou células parietais. A deficiência de vitamina B12 pode ocorrer tanto por ação do anticorpo anti-fator intríseco, impedindo a ligação da vitamina com o fator, como por destruição das células parietais (que produzem fator intríseco). Patologicamente, se caracteriza por atrofia gástrica progressiva com preservação do antro. Quando há deficiência de vitamina B12 e anemia, pode ser chamada de anemia perniciosa. Distingue-se de outras formas de gastrite atrófica, como a induzida por Helicobacter pylori, pela sua distribuição específica na mucosa gástrica [22, 23]. Esta condição é frequentemente associada a outras doenças autoimunes, principalmente da tireoide, como tireoidite de Hashimoto e doença de Graves, e é uma manifestação comum da síndrome poliglandular autoimune tipo 3 [24, 25].

A gastrite autoimune está associada a um maior risco de desenvolvimento de tumores neuroendócrinos gástricos e pode também estar relacionada ao aumento do risco de adenocarcinoma gástrico. Em pacientes com essa condição que apresentem novos sintomas gastrointestinais superiores ou piora de sintomas prévios, a realização de endoscopia digestiva alta deve ser considerada [1, 23].

O teste inicial para a investigação é a dosagem do fator intrínseco. Se o teste for negativo e ainda houver suspeita, deve-se considerar uma das seguintes opções [1]:

  • Dosar anticorpo anti-célula parietal gástrica;
  • Dosar níveis de gastrina para investigar hipergastrinemia;
  • Endoscopia digestiva alta com biópsia do corpo gástrico em busca de atrofia gástrica.

É sugerido realizar testes sorológicos para doença celíaca quando a causa da deficiência de vitamina B12 ainda é desconhecida, apesar das investigações adicionais [1]. Veja mais sobre doença celíaca em "Diretriz Americana de Doença Celíaca: Diagnóstico e Tratamento".

Aconselha-se avaliar a presença de ferropenia em pacientes com deficiência de vitamina B12 devido à frequente coexistência dessas condições [22, 26].

Segundo a American Academy of Family Physicians, o rastreamento da deficiência de vitamina B12 pode ser considerado em pacientes com fatores de risco descritos na tabela 3 [10]. Para pacientes em uso de metformina, a Sociedade Brasileira de Diabetes, em sua diretriz de manejo da terapia antidiabética de 2024, recomenda a dosagem de vitamina B12 anualmente após quatro anos de início da medicação [27].

O Guia TdC já abordou a reposição de vitamina B12 em “"Reposição de Vitamina B12".

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