Infecções Associadas à Lesão por Pressão

Criado em: 14 de Abril de 2025 Autor: Frederico Amorim Marcelino Revisor: Marcela Belleza

Lesão por pressão é uma condição comum em pacientes acamados, podendo ocorrer em 10 a 26% dos pacientes internados em UTI [1]. As lesões por pressão podem infectar e, em lesões mais profundas, pode ocorrer osteomielite. O diagnóstico dessas complicações é difícil e a própria lesão possui características que podem se confundir com infecção. Uma revisão publicada na Clinical Infectious Disease em 2024 abordou a avaliação e o manejo de osteomielite pélvica em pacientes com lesões por pressão [2]. Esse tópico revisa o diagnóstico e o tratamento de infecções associadas a lesões por pressão.

Definição e classificação de lesão por pressão

As lesões por pressão, previamente chamadas de úlceras por pressão, são lesões localizadas na pele e/ou nos tecidos subjacentes, geralmente sobre proeminências ósseas, resultantes de pressão prolongada. As populações mais afetadas são pacientes com lesões neurológicas, em cadeiras de roda ou acamados, pacientes hospitalizados, especialmente em UTI, e idosos acamados [3]. A lesão por pressão pode ser classificada em quatro estágios conforme a profundidade da lesão (figura 1). 

Figura 1
Estágios de lesão por pressão
Estágios de lesão por pressão

A região sacral, ísquio, trocanter, calcâneo e maléolo lateral são locais comuns de lesões por pressão. Lesões em face e região anterior do tórax podem ocorrer em pacientes pronados [4]. Na tabela 1 estão um conjunto de medidas de prevenção de lesões por pressão. 

Tabela 1
Recomendações selecionadas de prevenção de lesões por pressão
Recomendações selecionadas de prevenção de lesões por pressão

Em um estudo que avaliou pacientes com trauma medular, a mediana de tempo para início de lesão por pressão foi de 19 dias para lesão grau I, 31 dias para lesão grau II e 62 dias para lesão grau III. Nesse mesmo estudo, o tempo para cicatrização de lesão foi de 25 dias para grau I, 34 dias para grau II e 39 dias para grau III [5]. Em outro estudo com lesões de grau II, III e IV, a média de tempo para fechamento foi de 6 semanas [6].

As lesões por pressão podem complicar com infecção de pele e partes moles e osteomielite. As duas situações são tratadas nos subtópicos abaixo.

Diagnóstico de infecção de pele e partes moles associada à lesão por pressão

O diagnóstico de infecção de pele e partes moles associada à lesão por pressão é clínico, ou seja, baseado em uma combinação de sinais, sintomas e exames complementares. Toda úlcera crônica é colonizada ou contaminada por bactérias, mas nem todas são infectadas. Os sintomas usados para diagnóstico de infecções de pele, como vermelhidão, calor local e edema, são inespecíficos e podem estar presentes pela própria lesão ou por outras condições inflamatórias. Outros sinais, como dificuldade de cicatrização, alteração de odor e epitelização incompleta, podem sugerir a presença de infecção. Para organizar a avaliação desses sinais, algumas ferramentas foram desenvolvidas para auxiliar no diagnóstico (tabela 2). Exames laboratoriais, como proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS), podem identificar inflamação sistêmica, mas são inespecíficos. 

Tabela 2
Formas de avaliar infecção de pele e partes moles em úlceras de pressão NERDS e STONEES
Formas de avaliar infecção de pele e partes moles em úlceras de pressão NERDS e STONEES

A identificação de microrganismos em amostras da lesão não confirma infecção, principalmente pela dificuldade de diferenciar colonização de infecção. Técnicas de cultura quantitativa, que estimam a quantidade de bactérias, são recomendadas por diretrizes, mas são pouco disponíveis. A técnica de cultura convencional (qualitativa) e a semiquantitativa são mais utilizadas na prática.

A cultura de biópsia de tecido profundo é o método mais recomendado para identificação microbiológica, mas ainda assim existe a possibilidade de o agente identificado estar colonizando o tecido sem causar dano. Além disso, é um procedimento invasivo e pode ser pouco disponível em alguns serviços. 

A coleta de cultura de swab da lesão é controversa. Estudos que compararam cultura de biópsia de tecido profundo com swab de lesão mostraram concordância em 22 a 78%, a depender da técnica [7,8,9]. A cultura quantitativa de swab usando a técnica de Levine parece ter maior concordância com a cultura de biópsia. Alguns autores sugerem que, em pacientes que não são candidatos a debridamento, como em infecções superficiais ou em pacientes sem condições clínicas para o procedimento, a cultura quantitativa ou semiquantitativa de swab pode ser considerada [10,11]. Nesses casos, novamente, há dificuldade de discernir colonização de infecção. 

Tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser usadas para avaliar a extensão da infecção e buscar complicações, como abscessos profundos, mas não são específicos para o diagnóstico de infecção. 

Diagnóstico de osteomielite associada à lesão por pressão

A suspeita de osteomielite deve ser feita quando há lesão com exposição óssea (estágio IV). Contudo, a exposição óssea não confirma o diagnóstico de osteomielite. Em estudos com biópsia de tecido, menos de 50% dos pacientes com exposição óssea apresentavam osteomielite confirmada por biópsia [12,13]. Outras situações que podem levantar suspeita de osteomielite são falha de fechamento da ferida apesar de tratamento adequado, sintomas sistêmicos, sepse ou infecção de pele e partes moles recorrente [14,15,16].

O padrão ouro é a realização de exame histológico de amostra óssea para confirmar o diagnóstico [2]. A cultura de tecido ou osso, apesar de sensível, possui como limitação a difícil diferenciação entre colonização e infecção. Habitualmente, limpeza, debridamento e coleta de amostras para cultura e para exame anatomopatológico são feitas no mesmo procedimento.

Tabela 3
Sensibilidade e especificidade de métodos diagnósticos para osteomielite sacral associada a lesão por pressão
Sensibilidade e especificidade de métodos diagnósticos para osteomielite sacral associada a lesão por pressão

A avaliação clínica possui um desempenho ruim. Dentre os exames de imagem, a ressonância magnética é a mais sensível, mas pouco específica, já que a própria lesão estágio IV pode levar a alterações semelhantes às de osteomielite. Uma revisão sistemática avaliou o desempenho dos métodos diagnósticos para osteomielite pélvica associada à lesão por pressão (tabela 3) [15].

Tratamento de infecções associadas à lesão por pressão

O tratamento é composto de duas partes: antimicrobianos e cirurgia. A terapia com antibióticos isoladamente está associada à maior falha de tratamento. Limpeza, debridamento e fechamento com retalho de lesões devem sempre ser considerados [17].

Antimicrobianos

A frequência de microrganismos identificados em cultura de pacientes com infecções associadas à lesão por pressão varia entre diversos estudos. Os mais comumente encontrados são Staphylococcus aureus, Streptococcus spp., enterobactérias e anaeróbios, mas algumas infecções podem ser polimicrobianas [14,18-21].

O tratamento antimicrobiano deve ser guiado por cultura sempre que possível. Preferencialmente, o paciente deve estar sem antibiótico antes da realização da cultura para aumentar as chances de positividade da cultura. O tempo ideal não é definido, variando de 4 a 14 dias sem antibiótico antes da biópsia [2]. O esquema empírico ideal para o tratamento de infecções associadas à lesão por pressão não é consensual e poucas referências sugerem algum antibiótico específico. Possíveis esquemas empíricos e as recomendações de duração do tratamento estão na tabela 4.

Tabela 4
Tratamento antimicrobiano de lesões por pressão
Tratamento antimicrobiano de lesões por pressão

Tratamento cirúrgico

Todos os pacientes com suspeita de infecções associadas à lesão por pressão devem ser avaliados para a possibilidade de debridamento cirúrgico e coleta de material para biópsia e cultura. Nas lesões estágio IV a possibilidade de fechamento com retalho deve ser discutida com a equipe cirúrgica. As duas principais modalidades cirúrgicas nesse cenário são:

  • Cirurgia em um tempo: limpeza e debridamento, coleta de culturas e colocação de retalho no mesmo tempo cirúrgico.
  • Cirurgia em dois tempos: limpeza, debridamento e coleta de culturas no mesmo tempo cirúrgico e colocação de retalho 4 a 6 semanas após o primeiro procedimento.

Não foram encontrados estudos comparando as duas técnicas e a decisão deve ser tomada em conjunto com a equipe cirúrgica. 

Nos pacientes que não são candidatos a fechamento da lesão e que não há previsão de fechamento da lesão, o uso de antibiótico parece oferecer somente melhora transitória e medidas de conforto e qualidade de vida devem ser abordadas [2,17]. A duração de tratamento antimicrobiano é discutível nesse cenário e alguns autores sugerem manutenção de antibiótico por 5 a 14 dias, até resolução de sintomas sistêmicos e locais [22,23]

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