Nutrição Enteral em Pacientes com Demência

Criado em: 21 de Abril de 2025 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: Raphael Coelho

Idosos com demência avançada frequentemente têm dificuldades para mastigar e engolir [1]. A terapia nutricional em pacientes em situações de terminalidade deve considerar as preferências do paciente, o potencial de benefício e os aspectos éticos envolvidos. Um estudo de coorte avaliou o uso de sondas para alimentação em pacientes com demência, publicado no JAMA Network Open em fevereiro de 2025 [2] Este tópico discute evidências sobre nutrição em fim de vida e as potenciais complicações associadas.

Definição de demência avançada e fim de vida

Não existe uma definição unificada de demência avançada. De maneira geral, demência avançada pode ser caracterizada como estágio de deterioração cognitiva profunda, no qual o paciente já não se comunica verbalmente, requer ajuda completa para todas as atividades da vida diária e apresenta mobilidade severamente limitada ​[3].

A definição de fim de vida nos pacientes com demência não é consensual [4]. Um painel internacional definiu o fim de vida como um processo marcado pelo declínio generalizado da condição física ou funcional. A progressão do declínio físico global ou a progressão aguda da carga de sintomas pode sinalizar aos profissionais de saúde, aos próprios indivíduos e aos familiares que o tempo de vida restante é limitado. Sintomas adicionais, como dispneia, ou declínio cognitivo são frequentemente observados [5]. Uma discussão maior sobre a caracterização de fim de vida pode ser vista no tópico "Antibióticos nos Cuidados Paliativos" no subtópico ‘Como identificar uma doença avançada e o fim de vida’.

Anorexia é um sintoma comum em idosos, com prevalência de até 20% em idosos frágeis e pré-frágeis [6, 7]. Pacientes com anorexia apresentam um risco maior de morte por todas as causas em comparação com pacientes sem anorexia [6, 8, 9]. Na população com demência, a anorexia pode ser intensificada por dificuldade de mastigação, depressão e uso de medicamentos que inibem o apetite [8]. A progressão de alteração do apetite até disfagia parece estar associada à progressão da demência [1].

A disfagia tem uma prevalência geral de 58% em pacientes com demência, variando conforme o tipo de demência (46% em Alzheimer e 34% em demência por Parkinson), o cenário (intra ou extra-hospitalar) e o método diagnóstico da disfagia [10]. Em pacientes hospitalizados, a prevalência varia de 41% até 86% em estudos com pacientes com Alzheimer e demências relacionadas [11-14].

Evidências sobre nutrição no paciente com demência no fim de vida

A decisão de iniciar a terapia nutricional enteral deve ser baseada na autonomia do paciente e no desejo da família. Não existem ensaios randomizados comparando a alimentação por sonda com a continuação da alimentação oral em demência avançada. A evidência disponível, derivada de estudos observacionais, não sugere que a alimentação por sonda alcance melhores resultados. O uso de gastrostomia percutânea e a oferta de nutrição enteral não se associaram a melhor a qualidade de vida e não reduziram o risco de broncoaspiração e a mortalidade [15, 16, 17] A implementação de um plano hospitalar de alimentação cuidadosa, envolvendo adaptações dos alimentos, técnicas de fornecimento da alimentação e plano dietético com nutricionista e fonoterapeuta, foi associada à redução do número de sondagens enterais em estudo de Hong Kong [18].

Estudos norte-americanos com pacientes com demência avançada em instituições de longa permanência encontraram que o uso de sondas para alimentação se associou a aumento do uso de recursos de saúde e a mortalidade [19-22]. Entre as complicações associadas ao uso de sondas para alimentação estão a obstrução e a remoção inadvertida da sonda. Em relação à gastrostomia percutânea, há risco de infecção, vazamento local e, mais raramente, fasciíte necrosante, sangramento e perfuração gástrica [23-27]. Pacientes com alimentação por sonda podem ter desconforto ou agitação, o que pode levar ao uso de contenção química ou física [28]. Existe, ainda, uma possível associação com lesões por pressão [15].

A American Geriatrics Society (AGS) recomenda não utilizar sondas para alimentação em idosos com demência avançada, preferindo a alimentação oral cuidadosa [29]. Esse posicionamento é reforçado em outras diretrizes [30, 31, 32].

O American College of Gastroenterology (ACG) considera a possibilidade de inserção de gastrostomia percutânea quando o objetivo é um dos seguintes [33, 34]:

  • Proporcionar melhora no cuidado pela família, com maior facilidade em fornecer nutrição, hidratação e medicamentos.
  • Facilitar a transferência do ambiente hospitalar para uma instituição de longa permanência (recomendação fraca, nível de evidência muito baixo). 

Dieta oral para conforto

Quando o paciente com demência avançada está sendo alimentado por via oral, a abordagem centrada na dieta oral para conforto deve ser utilizada. Nessa estratégia, os alimentos são fornecidos respeitando o desejo do paciente, com a intenção de promover o prazer com a alimentação, ao invés de alimentá-lo proativamente para atingir uma meta calórica específica. A dieta oral possibilita ao paciente saborear os alimentos e promove a interação com familiares e/ou cuidadores durante as refeições [35, 36].

Algumas intervenções não farmacológicas que podem ser associadas para facilitar a dieta oral para conforto são [37, 38, 39]:

  • Ajustes ambientais: músicas relaxantes, ajuste da iluminação e contraste visual, uso do aroma dos alimentos para estimular o apetite. 
  • Auxílio durante a alimentação: ajuda direta ou estímulo verbal constante por familiares ou cuidadores. 
  • Treinamento dos cuidadores: educação sobre nutrição e técnicas de alimentação.
  • Avaliação e acompanhamento com fonoterapia.

Outras intervenções

Uma revisão sistemática avaliou o uso de suplementos hipercalóricos em pacientes com demência [40]. Os autores encontraram evidências de qualidade moderada sugerindo que essa intervenção favorece o ganho de peso. Não há evidências robustas do benefício dos estimuladores de apetite (por exemplo, dronabinol, megestrol e ciproeptadina) quanto à melhora do apetite e ganho de peso [41]. A AGS, conforme os critérios de Beers, recomenda evitar o uso dessas medicações em idosos [42]. Veja mais em "Critérios de Beers de 2023 e Prescrição Segura em Idosos".

Resultados do estudo

O estudo publicado no JAMA Network Open foi uma coorte retrospectiva avaliando a incidência de uso de sondas para alimentação em 143.331 pacientes com mais de 65 anos com demência que foram hospitalizados. Os pacientes estavam em cuidados domiciliares ou em instituições de longa permanência. Os desfechos avaliados foram tempo de internação, necessidade de internação em UTI e mortalidade durante e após a hospitalização [2] O trabalho foi realizado no Canadá entre abril de 2014 e março de 2018.

Os pacientes tinham uma média de idade de 83,8 anos. Quando comparados aos pacientes que não utilizaram sonda para alimentação, aqueles que utilizaram sonda de alimentação apresentaram:

  • Probabilidade quatro vezes maior de serem admitidos na UTI (42% vs 10%).
  • Um tempo maior na UTI (média 27 vs. 4 dias) e no hospital (média de 66 vs. 15 dias).
  • Maior probabilidade de falecerem durante a internação (22% vs. 10%) e em um ano após a alta (50% vs. 28%).

A regressão logística encontrou que problemas de deglutição e maiores limitações funcionais estavam associados a uma maior probabilidade de receber uma sonda para alimentação. Idade mais avançada e possuir uma diretiva antecipada de não reanimação foram associados a uma menor probabilidade de receber uma sonda para alimentação.

Apesar das limitações de um desenho retrospectivo, os resultados se alinham com estudos prévios que não encontraram associação da nutrição enteral com melhora de desfechos. Os dados sugerem que os pacientes que recebem nutrição enteral são mais frágeis e estão mais próximos do fim de vida, reforçando o papel de diretivas antecipadas e de um plano de cuidados definido antecipadamente. 

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