Metotrexato para Doenças Auto-Imunes
O metotrexato é um medicamento poupador de corticoide e modificador do curso de algumas doenças imunomediadas [1]. Seu potencial tóxico pode gerar insegurança na prescrição e no manejo de pacientes em uso do medicamento. Este tópico aborda as principais indicações, efeitos adversos e estratégias para manejo da toxicidade por metotrexato.
Indicações do metotrexato nas doenças reumáticas
O metotrexato (MTX) é um antagonista do ácido fólico que inibe etapas-chave da síntese de purinas e pirimidinas. Em doses semanais baixas, age como medicamento modificador do curso da doença (MMCD ou, na sigla em inglês, DMARD), levando à remissão clínica e radiológica de doenças autoimunes, reduzindo a necessidade de corticoides. O mecanismo de ação exato não é totalmente elucidado, mas acredita-se que o aumento da concentração de adenosina extracelular, que possui efeito anti-inflamatório, possa contribuir [2]
Inicialmente, o MTX foi usado em altas doses como agente citotóxico para leucemia linfoblástica aguda, linfoma primário do sistema nervoso central e neoplasias trofoblásticas gestacionais [3, 4, 5]. A partir da década de 1980, o medicamento começou a ser empregado com mais frequência em doenças autoimunes, considerando a sua eficácia, segurança relativa e custo acessível [6, 7]. Nessa aplicação, é utilizado principalmente nas seguintes condições [1]:
- Artrite reumatoide.
- Artrite idiopática juvenil.
- Artrite psoriásica.
- Dermatomiosite.
- Arterite de células gigantes.
- Sarcoidose.
O MTX pode ser administrado em monoterapia ou em associação com outros MMCDs, como hidroxicloroquina e leflunomida, ou com imunobiológicos [8]. Na artrite reumatoide, sua combinação com medicamentos anti-TNF reduz a formação de anticorpos anti-droga, otimizando a resposta terapêutica e minimizando eventos adversos [9]
Prescrição e cuidados clínicos
Prescrição
Devido aos potenciais efeitos colaterais, a dose padrão inicial nas doenças autoimunes é habitualmente de 15 mg via oral uma vez por semana, devendo ser gradativamente aumentada até a dose de 25 mg por semana, se necessário. A dose inicial pode ser menor em pacientes com menor peso, função renal comprometida e atividade da doença mais leve.
O MTX está disponível nas apresentações orais, subcutânea e intravenosa. O comprimido é de 2,5 mg e a forma subcutânea tem 25 mg/ml. Na artrite reumatoide, o paciente costuma ser avaliado em 3 meses para ponderar a eficácia do tratamento. Uma dose fixa de MTX pode demorar até 6 meses para atingir um estado de equilíbrio [10]. Em neoplasias, a dose pode ser mais elevada, a depender do protocolo oncológico adotado.
A suplementação de ácido fólico é obrigatória. Não há evidências robustas que demonstrem uma dose ideal. Na prática, a prescrição varia, podendo ser feito 5 mg uma vez por semana ou até diariamente [8].
Cuidados e interações
O metotrexato deve ser utilizado com cautela em pacientes com insuficiência renal. Está contraindicado quando a taxa de filtração glomerular é inferior a 30 mL/min. Para valores entre 30 e 45 mL/min, recomenda-se reduzir a dose em 50%. O MTX não é dialisável [11].
Pacientes do sexo feminino no período de menacme devem ser orientadas sobre métodos anticoncepcionais efetivos, já que o medicamento é considerado teratogênico. Devido à passagem pelo leite materno, também é contraindicado durante a amamentação [12].
Dentre os efeitos colaterais, os sintomas gastrointestinais como náusea, vômitos, diarreia e mucosite são os mais comuns [13]. O fracionamento da dose pode ajudar a aliviar esses sintomas, por exemplo, dividindo a quantidade de comprimidos ao longo do dia em que o medicamento for administrado na semana. A dose não deve ser fracionada em dois ou mais dias por semana, porque essa posologia é mais tóxica [14]. Um estudo recente encontrou que a ingestão do medicamento com alimentos ricos em cafeína atenuou esses sintomas [15]. A tabela 1 expõe alguns efeitos colaterais possíveis associados ao MTX [13].

O aumento de risco de infecções em pacientes em uso de MTX já foi estudado e parece pequeno e sem impacto em infecções graves [16, 17]. No entanto, a partir de doses como 20 mg por semana, pode ocorrer diminuição da resposta à vacinação. A partir dessa dose, vacinas com vírus vivo atenuado devem ser evitadas. Em pacientes que estão com a doença reumática bem controlada, a interrupção por 2 semanas para a vacinação com vacinas de agentes inativos (como influenza e SARS-CoV-2) deve ser encorajada [18, 19].
A interrupção do medicamento em pacientes com infecção ainda é um tema sem consenso. Deve-se ponderar a gravidade do quadro infeccioso, o grau de atividade da doença autoimune e o potencial risco de interações medicamentosas com os antimicrobianos (tabela 2) [20]. Em geral, o medicamento costuma ser suspenso em infecções que necessitam de internação. Nas infecções leves com baixo potencial de gravidade (exemplo, faringite ou cistite), pode-se considerar manter o MTX.

Em relação ao período perioperatório, a diretriz do American College of Rheumatology/American Association of Hip and Knee Surgeons de 2022 recomenda que o medicamento seja mantido em pacientes que realizarão artroplastia eletiva de quadril ou joelho [21].
O MTX pode interagir com algumas drogas, dispostas na tabela 2 [22]. A interação com sulfametoxazol-trimetoprima é relevante quando o antibiótico é prescrito na dose de tratamento, mas é habitualmente tolerado em pacientes em dose de profilaxia (três vezes por semana) [23, 24, 25].
Monitorização
Os exames indicados antes do início do tratamento e para o monitoramento dos pacientes ainda são motivo de debate. No entanto, há consenso quanto à necessidade de acompanhar provas de lesão hepática (como transaminases), hemograma e função renal ao longo do tratamento. Alguns solicitam uma radiografia de tórax antes do início do tratamento para avaliar a presença de intersticiopatia pulmonar [1]. Uma diretriz de 2025 conduzida pela Sociedade Brasileira de Reumatologia indica a realização de prova tuberculínica (PPD) antes do tratamento com MTX [26]. O Ministério da Saúde do Brasil (através do Manual de Recomendações e Controle da Tuberculose no Brasil 2ª edição) e a Organização Mundial da Saúde não explicitam essa indicação [27, 28].
Intoxicação por metotrexato e pneumonite
Apesar de raro, o MTX pode levar à intoxicação com sintomas ameaçadores à vida, com uma mortalidade de 12% [29]. Em pacientes de risco, como aqueles com mais de 80 anos, doença renal crônica ou doença hepática preexistente, a não suplementação de ácido fólico e a superdosagem foram os principais fatores associados à intoxicação [1]. Alguns casos de intoxicação ocorrem por confusão com a tomada semanal, tomando o medicamento inadvertidamente todos os dias, motivo pelo qual a posologia semanal deve ser enfatizada [30].
Um estudo retrospectivo encontrou que os principais sintomas de intoxicação foram mucosite, febre, infecções (como pneumonia) e púrpura na entrada do pronto-socorro [29]. A mielossupressão é uma complicação potencialmente grave da intoxicação e confere risco aumentado de infecções oportunistas. A dosagem de MTX sérico auxilia a confirmar o diagnóstico da intoxicação, no entanto, pelo acesso limitado, acaba sendo pouco utilizado na prática e o diagnóstico costuma ser feito pelo contexto e exclusão de outras causas.
Após o diagnóstico de intoxicação, o MTX deve ser suspenso e o ácido folínico (leucovorin®) é o agente de escolha para o tratamento. Esse agente é utilizado primariamente para prevenir toxicidade grave em infusões de altas doses de MTX, em protocolos que se guiam pelo nível sérico de MTX. Na intoxicação por uso de baixas doses de MTX, não existe papel claro para a posologia baseada em nível sérico e doses empíricas variando de 15 a 25 mg a cada 6 horas via intravenosa são utilizadas [31]. O ácido folínico costuma ser mantido até a resolução da pancitopenia, redução das transaminases e melhora do quadro clínico (estomatite e demais sintomas gastrointestinais). Em pacientes com insuficiência renal associada, a glucarpidase é uma enzima que reduz rapidamente as concentrações séricas de MTX [32]. Apesar de ser autorizada pelo Federal and Drug Administration (FDA), não se encontra disponível no Brasil.
A pneumonite induzida por MTX é uma complicação pulmonar rara, mas potencialmente grave, sendo considerada uma reação de hipersensibilidade. O quadro clínico é variável, podendo se apresentar como leve dispneia ou até como síndrome do desconforto respiratório do adulto (SDRA) grave com necessidade de ventilação invasiva. Não há um padrão tomográfico ou histopatológico patognomônico. O tratamento envolve suspender a droga e medidas de suporte de forma precoce [33]. Apesar da pneumonite como efeito adverso agudo, trabalhos recentes questionam a relação do metotrexato com fibrose pulmonar crônica. Existe uma diminuição do risco de intersticiopatia pulmonar em pacientes com artrite reumatoide usuários de MTX [34, 35]. No caso em que pacientes com artrite reumatoide sejam diagnosticados com pneumopatia crônica, a interpretação provável é de manifestação extra-articular da artrite reumatoide. O MTX pode ser usado em pacientes com fibrose pulmonar leve a moderada. Nos casos graves, evita-se o uso pelo risco de pneumonite aguda em um pulmão com pouca ou nenhuma reserva funcional.
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