Sondagem Vesical e Retenção Urinária no Paciente Internado
A retenção urinária aguda é uma complicação urológica que pode acometer mais de 10% dos homens acima de 70 anos [1]. Cuidados apropriados com cateter vesical em pacientes internados podem reduzir custos e infecções associadas a esse dispositivo [2] Um novo algoritmo proposto para avaliação de pacientes internados em uso de cateter vesical foi publicado no JAMA Network Open em julho de 2024 [3]. Este tópico aborda o diagnóstico e o manejo de retenção urinária e uso de cateter vesical no paciente internado.
Diagnóstico de Retenção Urinária
Os principais sintomas de retenção urinária aguda (RUA) são dor vesical, sensação de bexiga cheia, urgência para urinar e incontinência nova. Apesar do quadro clínico, a condição pode ser de difícil diagnóstico, pois até 25% dos pacientes com RUA podem não ter sensação de bexiga cheia [4]. A RUA está relacionada com lesão renal aguda e infecção do trato urinário e ocorre em até 25% dos pacientes no pós-operatório [5].
As causas de RUA podem ser divididas em espontâneas ou precipitadas [6]. A apresentação mais comum é a RUA espontânea relacionada à hiperplasia prostática benigna [7, 8]. A importância dessa diferenciação é que a RUA com precipitantes necessita com menor frequência de abordagem cirúrgica para resolução.
Dos fatores precipitantes, os mais comuns são cirurgias recentes, medicamentos, uso de álcool recente, infecção urinária, constipação e mielopatias. Algumas etiologias são exclusivas das mulheres, como obstruções por estruturas pélvicas (como prolapso uterino) e a síndrome de Fowler. Outras causas estão na tabela 1 [7, 8, 9].

Neoplasias podem causar RUA. Além de câncer de próstata, frequentemente considerado por conta da proximidade anatômica, outros tumores relacionados são as neoplasias de bexiga, de intestino (ocasionando fecaloma), do trato genital feminino (com efeito de massa pélvica) e neurológicas, principalmente com acometimento medular [10].
O diagnóstico é confirmado pelo volume quantificado por sondagem vesical ou ultrassonografia. Não há consenso sobre o volume exato para confirmar uma retenção urinária. O valor com melhor acurácia para predizer risco de evolução para infecção urinária é 180 ml [11]. Exemplos de valores de corte utilizados para o diagnóstico são a saída de 200 ml após sondagem vesical ou a estimativa de 300 ml pela ultrassonografia.
Estimativa do volume vesical por ultrassonografia
Para estimar o volume vesical pela ultrassonografia, deve-se visualizar a bexiga em dois planos: longitudinal e transversal. O transdutor curvilíneo deve ser colocado na linha média do paciente, logo acima da sínfise púbica, com o indicador apontando no sentido cefálico. O transdutor deve ser direcionado para o interior da cavidade pélvica, já que a bexiga se localiza atrás da sínfise púbica. Nessa posição, visualiza-se um corte longitudinal da bexiga, utilizado para aferir a altura do órgão. Após essa janela, deve-se girar o transdutor em 90 graus e obter a visão transversal. Nesse plano, registram-se os valores de largura e profundidade da bexiga.
Com as medidas registradas, a fórmula para estimar o volume da bexiga é:
Altura x largura x profundidade x constante.
A constante pode variar a depender do formato da bexiga do paciente (cuboide, esférica, triangular). Caso não seja possível inferir o formato, deve-se utilizar 0,72 como constante [12]. Nesse site é possível encontrar imagens e uma calculadora para auxiliar na medição.
Sondagem vesical como tratamento para retenção urinária aguda
O tratamento de RUA envolve a descompressão da bexiga e o tratamento da etiologia. Existem três maneiras de realizar a drenagem da bexiga:
- Cateter vesical de demora ou de longa permanência, por via uretral: usado em pacientes com retenção urinária grave e obstrução da via urinária e naqueles hemodinamicamente instáveis para quantificação de diurese. Chamado também de cateter de Foley. Esse cateter possui um balão inflável na extremidade distal para mantê-lo fixo na bexiga.
- Cateter vesical de alívio ou intermitente: realizado por via uretral, somente nos momentos programados para esvaziamento vesical. É uma alternativa ao cateter vesical de demora em paciente com retenção crônica. O cateter é fino e flexível, sem balão inflável, sendo retirado após o término da drenagem.
- Drenagem suprapúbica: utiliza o mesmo cateter de Foley, porém após uma punção suprapúbica.
No contexto de RUA, os cateteres por via uretral são os recomendados [13]. Opta-se por drenagem suprapúbica quando o paciente apresenta falha da passagem por via uretral ou possui contraindicação a procedimentos uretrais (como cirurgias uretrais recentes e anormalidades anatômicas). Essas contraindicações não são absolutas, mas indicam que o paciente necessita da avaliação de um urologista antes da tentativa de passagem de sonda uretral.
Entre os cateteres uretrais, a preferência é que sejam passados cateteres de alívio. O cateter de demora é a primeira opção em casos de lesão renal aguda (para estimar com precisão o débito urinário e não agravar a disfunção renal em caso de nova obstrução) ou infecção urinária [13].
As principais complicações da sondagem vesical de pacientes com RUA são:
- Sangramento: pode ocorrer em 11% dos pacientes. Essa incidência não difere se o paciente realiza a drenagem completa na primeira sondagem ou se faz uma drenagem gradual [14].
- Infecção urinária: veja mais em "Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical".
- Poliúria pós-obstrução: definida por diurese superior a 200 mL por hora durante 2 horas consecutivas ou mais de 3 litros de urina em 24 horas [15]. Após a desobstrução, o paciente deve ser monitorado para o desenvolvimento dessa complicação. Hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos podem se desenvolver.
- Lesão de uretra pelo balonete: ocorre quando o balonete é insuflado antes da confirmação de estar na bexiga (saída espontânea de urina ou irrigando e aspirando com uma seringa) [16].
- Falso trajeto: a sonda perfura a uretra e faz um trajeto que não leva à bexiga. Ocorre principalmente em pacientes com trauma local. Sangramento em grande quantidade é um alerta para essa complicação. Na suspeita, deve-se retirar a sonda e solicitar avaliação da urologia [16].
- Espasmo da bexiga: pode ocorrer devido a um balonete maior do que o necessário ou problemas no circuito. O paciente pode necessitar de uma sonda de tamanho menor ou terapia antiespasmódica com medicamentos para pacientes com bexiga hiperativa [13].
- Vazamento de urina ao redor da sonda: secundário a espasmo da bexiga ou a uma obstrução no cateter [13].
Quando retirar a sonda vesical
A necessidade da sonda vesical de demora deve ser revista frequentemente e o dispositivo deve ser retirado assim que possível, visando reduzir a taxa de infecção associada ao cateter [17]. Veja mais em "Infecção do Trato Urinário Associada a Cateter Vesical".
Quando a RUA é associada à hiperplasia prostática benigna, a administração de alfa bloqueador por 48 horas aumentou a chance de sucesso de retirada da sonda vesical [18].
O treino vesical com clampeamento do cateter antes da remoção não é recomendado, por poder elevar a incidência de infecção do trato urinário e prolongar o tempo até a primeira micção, especialmente em pacientes que usaram o cateter por menos de 7 dias [19].
Os principais fatores relacionados à reincidência de RUA após a retirada da sonda vesical são [8]:
- Idade acima de 70 anos.
- Próstata ≥ 50 g.
- Drenagem de mais de 1000 ml na cateterização prévia.
- Sintomas do Trato Urinário Inferior avaliado pelo escore internacional de sintomas prostáticos (IPSS, na sigla em inglês) acima de 20 pontos.
Aos pacientes que falham na tentativa de retirada de sonda vesical, uma nova tentativa em alguns dias apresenta uma taxa de sucesso perto de 30% [8]. Aos que falham a segunda tentativa, pode ser necessária uma cirurgia se a etiologia da RUA for hiperplasia prostática. O paciente pode ir para casa com sondagem e realizar a cirurgia de maneira eletiva [20]. Um tempo prolongado de cateterismo está relacionado com maior chance de infecção urinária [8]
Os pacientes que vão para casa com o cateter vesical devem receber algumas orientações:
- Higienizar as mãos antes de manusear a sonda vesical.
- Deixar o saco coletor abaixo da cicatriz umbilical, para evitar refluxo de urina.
- Esvaziar o saco coletor quando o volume estiver próximo da metade.
- Trocar o cateter periodicamente. O tempo não é consensual, mas é comum recomendar a troca a cada 4 semanas [16]
Algoritmo de abordagem ao paciente com retenção urinária aguda

O documento [3] cria um algoritmo para responder três perguntas (fluxograma 1):
- Quando sondar o paciente com suspeita de RUA?
- Quais pacientes têm risco de uma cateterização difícil?
- Como decidir entre uma sonda vesical de alívio ou de demora?
Quando sondar o paciente com suspeita de retenção urinária aguda?
Há duas situações principais em que se deve considerar sondar o paciente: quando existem sintomas de retenção urinária ou quando não ocorre diurese espontânea após a retirada de uma sonda vesical. Em ambas as situações, o documento recomenda a ultrassonografia para estimar o volume vesical. Se a estimativa de volume for de pelo menos 300 ml em pacientes sintomáticos ou 500 ml em assintomáticos sem diurese há mais de 4 horas, deve-se realizar a cateterização vesical. Pode ser utilizada a sondagem vesical de alívio ou a sondagem vesical de demora.
Se não houver ultrassonografia no serviço, o documento não define recomendações sobre como proceder ou qual sondagem utilizar para pesquisa de retenção urinária.
Quais pacientes têm risco de uma cateterização difícil?
Os fatores de risco para sondagem difícil podem ser divididos em dois tipos: aqueles em que a sondagem pode ser tentada por uma enfermeira experiente e aqueles que necessitam de avaliação de um urologista antes da tentativa.
Segundo os autores, os fatores que indicam cateterização difícil, mas que não necessitam de avaliação de um urologista antes da tentativa são:
- Histórico de inserção difícil de cateter.
- Sexo masculino com mais de 55 anos, com próstata aumentada ou com histórico de câncer de próstata.
- Histórico de prolapso do assoalho pélvico ou cirurgia de suporte da bexiga.
Esses pacientes devem ser submetidos à sondagem vesical por uma enfermeira com experiência em passagens difíceis. Deve-se perguntar ao paciente o que funcionou na última vez, como tamanho e tipo de sonda.
Os pacientes que necessitam de avaliação do urologista antes de tentar a sondagem são os seguintes:
- Cirurgia ou trauma recente na bexiga, uretra ou próstata, ou prostatite.
- Histórico de estenose uretral, falso trajeto ou neobexiga.
- Histórico de cirurgia reconstrutiva do trato geniturinário.
- Esfíncter urinário artificial.
Como decidir entre uma sonda vesical de alívio ou de demora?
O documento traz que a maioria dos médicos perguntados prefere iniciar com a sonda vesical de alívio primeiro. A troca da sonda de alívio por uma de demora pode ser realizada nos seguintes casos:
- Pedido do paciente, como em pacientes que vão de alta com sonda e não conseguem fazer o cateterismo de alívio em casa.
- Pacientes que estão necessitando de sondagem em intervalos menores que 4 horas.
- Pacientes com grandes volumes de repetição, como diurese maior que 500 ml a cada 4 horas.
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