Síndrome de Abstinência Alcoólica
A síndrome de abstinência alcoólica pode ocorrer em até 14% dos pacientes que sofrem de transtornos por uso de álcool [1]. Este tópico aborda diagnóstico, gravidade, manejo e prevenção deste quadro.
O Guia já abordou o transtorno por uso de álcool nos tópicos "Transtorno por uso de álcool: diagnóstico, tratamento e uso de baclofeno" e "Semaglutida para Transtorno por Uso de Álcool"
Apresentação clínica
A síndrome de abstinência alcoólica ocorre após a cessação ou redução abrupta, de forma intencional ou não, do consumo intenso e prolongado de álcool [2]. A exata quantidade e duração do uso de álcool necessários para desenvolver a síndrome não é precisa e varia entre indivíduos. O rastreamento do consumo de álcool em níveis de risco pode ser feito via questionários como o CAGE (alterado quando se responde “sim” para pelo menos duas perguntas) e AUDIT (em geral, positivo com pontuação > 8).

Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência podem ser neurológicos, psiquiátricos ou causados por hiperativaçãoautonômica e estão descritos na tabela 1 [3, 4]. Dentre as manifestações neurológicas, três se destacam por terem características próprias e estarem associadas a quadros mais graves:
- Alucinosealcoólica: quadro de alucinações que podem ser visuais, táteis e/ou auditivas, que surge entre 12 a 24 horas após a cessação da ingesta alcoólica e se resolve em 24 a 48 horas [5]. Rebaixamento do nível de consciência ou alteração de sinais vitais são incomuns. Ou seja, em geral, a alucinose alcoólica precede o delirium tremens.
- Convulsões: geralmente tônico-clônicas generalizadas, de curta duração e com curto período pós-ictal. Podem ser precoces na apresentação (a partir de 6 horas da cessação) e, em geral, se resolvem em até 48 horas [3, 6, 7]. O estado de mal epiléptico é raro [8].
- Deliriumtremens: manifestação de início mais tardio (> 72 horas) representado por um quadro de delirium (alteração de nível de consciência, déficit de atenção, confusão mental) associado à hiperativação autonômica excessiva (taquicardia, hipertermia, sudorese), alucinações e agitação psicomotora. A mortalidade pode chegar a 20%, especialmente relacionada à hipertermia, arritmias cardíacas ou complicações das convulsões [8, 9]. Pode durar de 7 a 14 dias.
A cronologia da apresentação clínica está representada na figura 1.

Pela variedade da apresentação clínica e presença de sintomas inespecíficos, existem diversos diagnósticos diferenciais para o quadro [4]. A tabela 1 organiza os principais diagnósticos diferenciais e características que podem auxiliar nesta diferenciação.
Diagnóstico e avaliação de gravidade
O diagnóstico é baseado em sinais e sintomas e pode ser feito com base nos critérios apresentados pelo DSM-V (tabela 2). O critério não determina uma quantidade de consumo em gramas de álcool por dia que se relacione diretamente com a ocorrência da síndrome.

Existem ferramentas que auxiliam na estratificação da gravidade da abstinência alcoólica. A Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol (CIWA-AR) é a mais conhecida, graduando a abstinência a partir da pontuação em [11]:
- Muito leve, se < 10 pontos.
- Leve, entre 10 a 15 pontos.
- Moderada, entre 16 a 20 pontos.
- Grave, se > 20 pontos.
O CIWA-AR não é uma ferramenta diagnóstica e está disponível aqui.

A estratificação de gravidade auxilia na escolha do tratamento inicial e na decisão de necessidadedeinternação e local da internação. Pacientes com CIWA-AR muito leve e leve podem ser considerados para acompanhamento ambulatorial. Já pacientes com pontuação moderada e grave são candidatos à internação hospitalar, sendo recomendado internação em UTI no caso dos graves. A ferramenta também auxilia na reavaliação desses pacientes, podendo ser repetida em intervalos a depender da gravidade. O fluxograma 1 organiza o manejo da síndrome de abstinência alcoólica com base no CIWA-AR.
Manejo e tratamento de suporte
O manejo da síndrome depende de anamnese e exame físico dirigido para os diagnósticos diferenciais. As condições da tabela 1 podem ser confundidores ou coexistirem com a síndrome de abstinência alcoólica. Por exemplo, o paciente pode ter cessado a ingesta de álcool abruptamente por uma condição subjacente, como trauma craniano, hepatite ou sepse [5]. Nesse cenário, as manifestações da síndrome de abstinência e da condição que levou à redução da ingesta se misturam no quadro clínico.
Terapia de suporte
- Deficiência de tiamina: a reposição é recomendada como profilaxia para a encefalopatia de Wernicke, especialmente em pacientes que receberão aporte de glicose. A dose diária recomendada é discutida na literatura. Em geral, administra-se de 100 a 500 mg via intravenosa, durante 3 a 5 dias [11, 12, 13]. A tiamina está comumente reduzida nos pacientes com síndrome de abstinência alcoólica [14].
- Distúrbios hidroeletrolíticos: hipocalemia, hipomagnesemia e hipofosfatemia são comumente encontrados em pacientes com uso crônico e abusivo de álcool [15, 16, 17]. Esses distúrbios devem ser pesquisados e corrigidos, se necessário. Não é recomendada a reposição empírica [13, 14].
- Hipovolemia: comum à apresentação, sendo recomendado otimizar o grau de hidratação com fluidos intravenosos, se necessário [13, 14].
Tratamento farmacológico
Uma estratégia recomendada para o tratamento farmacológico é a terapia guiada por sintomas [13]. Nessa abordagem, a medicação é administrada conforme a presença e a gravidade de sintomas e ajustada conforme reavaliações, ao invés de uma dose fixa recorrente. Em estudos randomizados, a terapia guiada por sintomas possui desfechos equivalentes e/ou superiores ao uso de doses fixas quanto ao controle dos sintomas de abstinência grave, requer doses totais menores de sedativos, e resulta em menor tempo de internação em UTI, de ventilação mecânica e de hospitalização [18, 19].
Em pacientes com sintomas graves e/ou CIWA-AR ≥ 20, pode-se ainda utilizar a abordagem adicional de front-loading. Nessa estratégia, doses moderadas a altas de um agente de ação prolongada (por exemplo, 20 mg de diazepam) são administradas com frequência no início do tratamento, para obter controle rápido dos sinais e sintomas de abstinência [13].
- Benzodiazepínicos: considerados primeira linha de tratamento [13], controlam agitação psicomotora, reduzem progressão para sintomas graves e ocorrência de delirium tremens e convulsões [20]. Diazepam, midazolam, lorazepam, clordiazepóxido e oxazepam são opções [5]; Há mais dados na literatura sobre diazepam e lorazepam. O diazepam apresenta início de ação mais rápido e meia-vida mais longa, facilitando a avaliação da resposta e titulação de dose. No entanto, possui metabólito de excreção renal e hepática, favorecendo a escolha de lorazepam se existir disfunção renal ou hepática [5, 21].
- Barbitúricos: o principal medicamento estudado desse grupo é o fenobarbital (Gardenal®). Alguns autores sugerem o uso em monoterapia [5], baseado em estudos nos quais a comparação com os benzodiazepínicos resultou em equivalência nos desfechos [22 - 25]. No entanto, a indicação mais consensual na literatura está em utilizá-lo como medicação de escolha em pacientes com abstinência grave e refratários aos benzodiazepínicos [5]. A definição de refratariedade não é precisa. Pode ser considerada refratariedade se forem administradas doses maiores do que 50 mg de diazepam ou 10 mg de lorazepam na primeira hora ou mais do que 200 mg de diazepam ou 40 mg de lorazepam nas primeiras três horas de tratamento, sem controle dos sintomas. As doses recomendadas de fenobarbital estão descritas no algoritmo do fluxograma 1. O fenobarbital também está indicado nos casos de convulsões reentrantes ou estado de mal epiléptico que não responderam aos benzodiazepínicos. O fenobarbital é o medicamento de escolha nesses casos, em detrimento da fenitoína, comumente utilizada nos demais cenários [14, 26, 27].
- Outras medicações: existe descrição do uso de outras medicações, como propofol (nos casos de pacientes com abstinência grave que necessitam de intubação) [28], quetamina e dexmedetomidina. Gabapentina e carbamazepina podem ser utilizadas como adjuvantes, especialmente nos pacientes com abstinência leve [13].
Prevenção
Pacientes com transtorno de uso de álcool possuem risco aumentado de desenvolver síndrome de abstinência alcoólica quando internados. Nenhum sinal ou sintoma isoladamente parece capaz de predizer o risco de desenvolvimento da síndrome de forma significativa [29].

No entanto, a escala de previsão de gravidade de abstinência alcoólica (PAWSS, da sigla em inglês) pode ser aplicada e possui bom desempenho para prever o desenvolvimento da síndrome (sensibilidade de 93% e especificidade de 99%). A escala está representada na tabela 3. Pacientes com 4 pontos ou mais na escala PAWSS possuem alto risco de desenvolver a síndrome e se beneficiam de profilaxia farmacológica [13]. Opções de fármacos e suas dosagens estão listadas na tabela 4.

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