Novo Consenso de Choque Cardiogênico

Criado em: 05 de Maio de 2025 Autor: Lucca Cirillo Revisor: João Mendes Vasconcelos

O choque cardiogênico ocorre quando um insulto cardíaco reduz o débito cardíaco e resulta em hipoperfusão orgânica. Esse tema foi abordado no Guia em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". Um novo consenso do Colégio Americano de Cardiologia (ACC) [1], publicado em março de 2025, motivou uma atualização dos principais pontos do diagnóstico e manejo deste tema. 

Avaliação inicial e nível de cuidado

A etiologia do choque cardiogênico pode ser dividida em quatro grupos segundo o Shock Academic Research Consortium (SHARC) [2]:

  • Infarto agudo do miocárdio (IAM)
  • Insuficiência cardíaca: categoria que engloba pacientes com disfunção ventricular primária que não estejam no contexto de IAM. Inclui indivíduos com disfunção miocárdica aguda e aqueles com cardiomiopatia crônica agudizada, isquêmica ou não isquêmica; 
  • Pós-cardiomiotomia: habitualmente no período perioperatório;  
  • Secundária: condições que não são primariamente do miocárdio, mas que causam disfunção ventricular. Inclui arritmias, doenças valvares e doenças pericárdicas. 

A identificação precoce do estado de choque cardiogênico é crucial para iniciar condutas e intervenções que impactarão nos desfechos. Os critérios mais utilizados para o diagnóstico de choque cardiogênico incluem hipotensão associada à evidência de congestão ou diminuição do débito cardíaco. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". A diretriz ressalta que esses critérios falham em identificar o paciente com choque cardiogênico normotensivo, condição associada com aumento de mortalidade [3,4].  

Sintomas, exame físico e sinais vitais fornecem grande parte das variáveis que serão utilizadas no diagnóstico de choque cardiogênico. Hipotensão, taquicardia e pressão de pulso reduzida (< 25% da pressão sistólica) devem levantar a suspeita de choque cardiogênico. Após a suspeita clínica, a avaliação deve ser complementada com função renal, eletrólitos, gasometria, lactato, marcadores de lesão hepática, troponina e peptídeo natriurético (BNP). O eletrocardiograma (ECG) deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita diagnóstica. Achados de isquemia aguda (especialmente supradesnivelamento de ST) devem acelerar a realização de angiografia coronariana por cateterismo. Se estiver disponível, a ecocardiografia transtorácica ou uma avaliação cardíaca ultrassonográfica à beira leito (POCUS cardíaco) estão recomendados. Veja mais neste vídeo sobre avaliação cardíaca com POCUS. A diretriz propõe o mnemônico SUSPECT para resumir os principais componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico e auxiliar no diagnóstico e manejo, resumidos na tabela 1.

Tabela 1
Componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico - mnemônico SUSPECT.
Componentes da avaliação inicial do choque cardiogênico - mnemônico SUSPECT.

O diagnóstico inicial não requer avaliação hemodinâmica avançada/invasiva (como pressão de oclusão da artéria pulmonar, aferida por cateter de artéria pulmonar/Swan-Ganz). Contudo, quando presente, a avaliação hemodinâmica invasiva é útil para esclarecer o grau de envolvimento ventricular e o perfil volêmico do paciente. Algumas evidências sugerem que obter a avaliação completa do perfil hemodinâmico do paciente está associada com menor mortalidade intra hospitalar [5,6]. A diretriz da ACC recomenda integrar parâmetros invasivos e não invasivos para obter uma avaliação precisa do fenótipo do choque cardiogênico. 

A diretriz classifica o serviço de saúde em níveis de cuidado para pacientes em choque cardiogênico. Serviços de nível 1 dispõem de todos os aspectos do cuidado envolvido no choque cardiogênico, incluindo unidades de cuidado intensivo especializadas, dispositivos de assistência circulatória e equipes de transplante cardíaco. Serviços de nível 2 e 3 são de menor complexidade e devem identificar centros de nível 1 para possíveis transferências e interconsulta a distância. 

Pacientes em serviços de níveis 2 e 3 devem ser avaliados para transferência, especialmente se tiverem uma parada cardiorrespiratória revertida, estiverem em uso de droga vasoativa ou se um dispositivo de assistência circulatória estiver sendo considerado. Todo paciente deve ser avaliado nos seguintes aspectos para auxílio na decisão de transferência e conduta apropriada:

  • Qual o estágio do choque cardiogênico pela classificação SCAI/SHOCK
  • O paciente se beneficia de dispositivo de assistência circulatória externa?
  • Existência de contraindicação absoluta ao escalonamento do tratamento (p.ex. doença terminal, diretiva antecipada de vontade)?
  • Quais os recursos disponíveis no serviço de saúde atual (leito de UTI, especialistas, dispositivos de assistência circulatória)? 
  • O paciente está estável hemodinamicamente para a transferência? 
Fluxograma 1
Avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.
Avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.

Pacientes com choque cardiogênico secundário a IAM que permanecem refratários após a realização do cateterismo (com ou sem angioplastia) quase sempre devem ser referenciados a um serviço nível 1 [7]. O fluxograma 1 resume as principais metas de avaliação e manejo das primeiras 24 horas do paciente em choque cardiogênico.

Tratamento: terapia farmacológica, suporte circulatório e suporte ventilatório

Terapia farmacológica

O tratamento farmacológico é dividido em três pilares:

  • Reduzir congestão (se presente); 
  • Otimizar o débito cardíaco; 
  • Aumentar a perfusão para órgãos vitais; 

A avaliação da volemia deve responder se existe congestão. O paciente em choque cardiogênico que mantém o perfil hipervolêmico pode apresentar isquemia de microcirculação e piora de disfunções orgânicas, principalmente rins, fígado e trato gastrointestinal. Os diuréticos de alça (como furosemida) são a terapia de escolha para hipervolemia. O bloqueio sequencial do néfron com associação de diuréticos (veja o tópico "Diureticoterapia na Insuficiência Cardíaca Aguda") e a terapia de substituição renal/ultrafiltração são indicadas em caso de refratariedade. 

No paciente hipotenso (PAS < 90 mmHg), a diretriz reconhece não haver um consenso claro sobre a escolha da primeira droga vasoativa. Os autores pontuam que a noradrenalina é uma escolha razoável de vasopressor, objetivando um alvo de pressão arterial média > 60 a 65 mmHg.

Vasodilatadores (nitroglicerina e nitroprussiato) podem ser considerados no paciente normotenso, visando redução da pós-carga. Contudo, os agentes inotrópicos (como dobutamina, milrinona e levosimendana) também podem apresentar esse efeito de redução de pós-carga. Veja mais em "Dobutamina: Uso Clínico". No contexto de choque cardiogênico, os inotrópicos podem ser preferidos, por atuarem diretamente na contratilidade miocárdica. Não há preferência entre agentes inotrópicos, porém, em pacientes com lesão renal aguda, o uso do milrinona deve ser cauteloso, dado seu metabolismo renal e longa meia-vida. A diretriz destaca que uma revisão da Cochrane de 2020 não encontrou evidência suficiente para favorecer uma droga específica nesse contexto [8]. 

Dispositivos de assistência circulatória

O estudo DanGer Shock foi o primeiro a demonstrar os benefícios do uso de dispositivos de assistência circulatória (Impella CP®) em pacientes com choque cardiogênico secundários a IAM com supradesnivelamento de segmento ST e disfunção ventricular esquerda importante. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória". A diretriz recomenda considerar o uso nesse perfil de pacientes e destaca a carência de evidências para outras etiologias, especialmente no contexto de insuficiência cardíaca crônica agudizada. 

O paciente que for candidato ou estiver em uso de um dispositivo de assistência circulatória deve ser considerado parar a avaliação por uma equipe de cuidados paliativos, tendo em vista que terapias definitivas (como transplante cardíaco) podem ser potencialmente inapropriadas para alguns pacientes [9] (veja mais em "Insuficiência Cardíaca na Hospitalização: Posicionamento do Colégio Americano de Cardiologia"). 

Suporte ventilatório

A ventilação com pressão positiva (não invasiva ou invasiva) traz diversos efeitos hemodinâmicos pela interação cardiopulmonar e, frequentemente, será necessária durante o manejo do choque cardiogênico [10]. A ventilação não invasiva (VNI) pode reduzir a necessidade de ventilação mecânica e mortalidade intra-hospitalar. Veja mais na revisão "Ventilação Não Invasiva (VNI)". 

O emprego da pressão expiratória final positiva (PEEP) aumenta a resistência vascular pulmonar, levando à diminuição da pré-carga para os ventrículos, diminuição da complacência e diminuição da pós-carga para o ventrículo esquerdo. O efeito hemodinâmico predominante irá variar a depender de três fatores:

  • Quanto de dependência de pré-carga está presente. Quanto maior a dependência de pré-carga (como na hipovolemia), maior a probabilidade de PEEP elevada reduzir o débito cardíaco.
  • Contratilidade e desempenho ventricular esquerdo. Se a disfunção do ventrículo esquerdo predomina e o débito é limitado pela pós-carga, a PEEP pode melhorar o débito cardíaco.
  • Presença de disfunção ventricular direita. A redução do retorno venoso e o aumento da resistência vascular pulmonar pela PEEP podem reduzir o débito cardíaco nesse cenário. 
Fluxograma 2
Efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva.
Efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva.

O fluxograma 2 resume os principais efeitos hemodinâmicos da ventilação com pressão positiva e como manejar a ventilação mecânica no choque cardiogênico.

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