Quando Terminar a Ressuscitação Cardiopulmonar?
Embora as diretrizes auxiliem na condução de uma ressuscitação cardiopulmonar (RCP), a decisão de quando suspender a ressuscitação não é bem definida. No JAMA Internal Medicine foi publicado um novo estudo sobre término de ressuscitação em ambiente intra-hospitalar em abril de 2025 [1]. Este tópico discute este estudo e revisa o tema.
Critérios para suspensão de ressuscitação cardiopulmonar
Não existe um tempo universalmente aceito para cessar as tentativas de ressuscitação cardiopulmonar (RCP).
As diretrizes americanas e europeias não determinam uma duração objetiva para a RCP. Em vez disso, recomendam que a decisão de interromper os esforços de ressuscitação seja baseada em múltiplos fatores, como qualidade das manobras (tempo de inadequação de profundidade de compressão, frequência, ventilação e dióxido de carbono expirado), ritmo inicial da parada e condição clínica prévia do paciente [2,3].
Conforme o tempo de RCP aumenta, a chance de sobrevida até a alta hospitalar e a chance de um bom desfecho neurológico diminuem. O desfecho neurológico é frequentemente medido pela escala CPC. Há uma queda desses desfechos após 20 a 30 minutos, atingindo um platô de sobrevida de menos de 1% após 33 a 39 minutos de ressuscitação [4,5].
Levantamentos sobre parada cardiorrespiratória (PCR) intra-hospitalar mostram que a mediana de tempo de duração da ressuscitação pelas equipes de saúde é de aproximadamente 19 minutos em não sobreviventes [6]. Hospitais com tempos de RCP médios mais longos (mediana de 25 minutos) tendem a ter melhores desfechos do que tempos mais curtos (mediana de 16 minutos) [7]. Fatores como idade avançada, baixa funcionalidade, presença de neoplasia metastática e disfunção de múltiplos órgãos são associados a menores chances de sobrevida e a tempos mais curtos de ressuscitação [6,8].
Ritmos cardíacos chocáveis, como fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TVSP), estão associados a maiores chances de sobrevida e melhores desfechos neurológicos, mesmo com tempos prolongados de ressuscitação. A diretriz europeia recomenda manter a ressuscitação enquanto o ritmo cardíaco for chocável [2]. Após 48 minutos de RCP em ritmos chocáveis, a probabilidade de sobrevida cai para menos de 1% [9].
Em pacientes intubados, o dióxido de carbono expirado (ETCO2) menor do que 10 mmHg, medido pela capnografia, por mais de 20 minutos está associado a menores chances de sobrevida em estudos observacionais [10]. Porém, o ETCO2 é influenciado por outros fatores como deslocamento do tubo orotraqueal, frequência da ventilação e uso da adrenalina e não deve ser usado como marcador isolado para cessar a ressuscitação [2].
Considerações no ambiente extra-hospitalar
A PCR extra-hospitalar está associada a piores desfechos clínicos e ao uso significativo de recursos médicos. A ressuscitação e o transporte de pacientes com chances muito baixas de sobrevida podem desviar recursos essenciais de casos com melhor potencial de recuperação.
Para otimizar o uso dos recursos, critérios de futilidade foram estabelecidos para identificar situações em que a continuidade dos esforços de ressuscitação não oferece benefícios significativos ao paciente. Esses critérios tentam identificar pacientes com baixíssima probabilidade de sobrevida — menor que 1%, segundo a diretriz da American Heart Association. Neste contexto, as diretrizes recomendam o uso das regras para cessação de esforços de ressuscitação (Termination of Resuscitation — TOR rules) pelos serviços médicos de emergência (por exemplo, SAMU) se todos os critérios abaixo forem atendidos [11-13]:
- Parada não testemunhada pela equipe de atendimento nem por quem prestou o primeiro socorro;
- Ritmo cardíaco inicial não chocável;
- Ausência de retorno à circulação espontânea após a terceira dose de adrenalina.
Essas regras foram validadas principalmente para equipes treinadas em suporte básico de vida, mas também podem ser consideradas por equipes realizando suporte avançado.
Quando todos esses critérios estão presentes, deve-se considerar cessar os esforços em conjunto com o julgamento clínico. Caso contrário, as diretrizes recomendam o transporte imediato ao hospital, garantindo que as técnicas de ressuscitação sejam mantidas adequadamente durante o deslocamento para não reduzir as chances de sobrevida [14,15].
Considerações em situações específicas
Trombólise na PCR por tromboembolismo pulmonar
Em casos de trombólise, o uso da alteplase deve ser feito na dose de 50 mg em bolus, podendo-se repetir em 15 minutos se não houver retorno à circulação espontânea neste tempo [16,17]. O uso da tenecteplase também é uma opção.
A RCP deve ser mantida por 60 a 90 minutos após a administração do trombolítico [18]. Esta duração aumenta o tempo para o trombolítico agir e há evidência de retorno tardio em alguns relatos de casos [19,20].
Veja mais em "Tratamento de Tromboembolismo Pulmonar de Alto Risco".
Hipotermia acidental
Pacientes que apresentam hipotermia antes da parada cardiorrespiratória (PCR) têm melhor sobrevida e prognóstico neurológico [21].
A temperatura deve ser restituída a níveis acima de 30 ou 32 °C durante a reanimação. As diretrizes não fornecem um tempo exato para se manter a ressuscitação após o controle de temperatura. Um estudo evidenciou um tempo médio para reaquecimento de 141 minutos, devendo-se manter a ressuscitação após normotermia por tempo adequado conforme julgamento clínico [22]. Pacientes em uso de terapia extracorpórea (principalmente ECMO) podem ter bons desfechos mesmo após horas de ressuscitação [23,24].
O aquecimento com terapia extracorpórea (especialmente ECMO venoarterial) é superior aos métodos convencionais, como infusão de líquidos aquecidos e cobertores térmicos [25,26]. Recomenda-se o uso de escores prognósticos, como o escore HOPE, para avaliar a indicação dessas terapias. Esses escores parecem mais confiáveis do que somente o nível de potássio para prever desfechos em hipotermia [27].
Afogamento
Em vítimas de afogamento, a hipóxia é a principal causa de PCR. É recomendado o início de ventilação de resgate (por até 1 minuto) durante o resgate aquático quando possível. Após o resgate, deve-se iniciar a compressão torácica rapidamente. A instalação do desfibrilador externo automático (DEA) não deve atrasar as compressões, visto que ritmos chocáveis são pouco frequentes em afogamento. O tempo de ressuscitação deve seguir conforme critérios clínicos, exceto se houver presença de hipotermia.
Intoxicação
É indicado o uso de antídotos conforme a etiologia da intoxicação (veja tabela 1). Pode-se considerar prolongar a ressuscitação após administração do antídoto para garantir efeito adequado [18]. Veja mais em "Intoxicações Ameaçadoras à Vida".
O estudo novo sobre PCR intra-hospitalar
Escores prognósticos como CASPRI (tabela 2) e GO-FAR são usados para predizer o desfecho neurológico após uma PCR intra-hospitalar [28,29]. Além de escores prognósticos, a regra UN10 foi criada para auxiliar na decisão de parar a ressuscitação intra-hospitalar e se baseia em três critérios:
- Parada não presenciada.
- Primeiro ritmo cardíaco não chocável.
- Duração de RCP maior que 10 minutos.
A presença dos três critérios sugere a interrupção da ressuscitação. Estudos de validação externa da regra UN10, porém, apresentaram uma taxa de 6% de falsos positivos, considerada elevada [30,31]. Ou seja, 60 pacientes a cada 1.000 poderiam sobreviver até alta hospitalar mesmo que a regra sugerisse parar a ressuscitação.
Neste contexto, o estudo do JAMA Internal Medicine [1] buscou desenvolver e validar uma nova regra com baixa taxa de falsos positivos para apoiar decisões sobre interrupção da ressuscitação. O estudo foi observacional e baseado em registros de PCR intra-hospitalar em países escandinavos (Dinamarca, Suécia e Noruega). A regra foi derivada com dados da Dinamarca e validada nos três países. O desfecho primário foi mortalidade em 30 dias.
Uma taxa de falso positivo de menos de 1% foi considerada aceitável, como sugerido pelas principais diretrizes para considerar uma ressuscitação fútil.
Foram derivadas cinco regras a partir da coorte da Dinamarca. A regra que obteve melhores resultados foi a que avaliou estas quatro variáveis (todas devem estar presentes):
- Ausência de monitorização.
- Parada não testemunhada pela equipe assistente.
- Ritmo inicial em assistolia.
- Tempo de ressuscitação maior ou igual a 10 minutos.
Na coorte combinada dos três países, a taxa de falso positivo foi de 0,6% (IC 95%: 0,3–0,9%), ou seja, 3 a 9 pacientes em cada 1.000 poderiam sobreviver em 30 dias mesmo que a regra sugerisse parar. A regra foi positiva em 11% da amostra, o que indica que a regra poderia evitar um número significativo de ressuscitações potencialmente fúteis. Resultados semelhantes foram observados em pacientes com menos de 65 anos.
Apesar dos resultados promissores, a regra ainda precisa de validação externa. Regras para interromper a ressuscitação apresentam alta variabilidade entre diferentes regiões e devem considerar aspectos éticos e culturais de cada país [28-30].
O estudo oferece uma regra que pode auxiliar na decisão de terminar esforços de ressuscitação por futilidade, podendo ser considerada em conjunto com outros fatores clínicos e prognósticos.
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