Tabagismo no Ambulatório

Criado em: 12 de Maio de 2025 Autor: Raphael Coelho Revisor: João Mendes Vasconcelos

Estima-se que tabagistas perdem pelo menos uma década de vida, em comparação com quem nunca fumou. A expectativa de vida aumenta em torno de 4 a 10 anos em quem para de fumar, dependendo da idade da cessação [1]. Este tópico revisa o tabagismo no atendimento ambulatorial.

Abordagem inicial e diagnóstico do tabagismo

Todo paciente deve ser questionado sobre tabagismo [2]. Rastrear se o paciente fuma aumenta as chances de prescrição de tratamento para cessação [3]. Apesar da preocupação em causar desconforto, evidências indicam que abordar o tabagismo está associado a maior satisfação dos pacientes [4]. 

Pacientes que fumaram menos do que 100 cigarros ou 100 g de tabaco durante a vida são considerados não tabagistas. O ex-tabagista é aquele que parou de fumar há 6 meses. O tempo de abstinência deve ser questionado [5].

As seguintes perguntas podem ser feitas ao abordar o tabagismo com o paciente:

  • Quantos cigarros você fuma por dia?
  • Há quantos anos?
  • Quantos cigarros fumou na vida? Mais ou menos do que 100 no total?
  • Você fuma todo dia?
  • Você fuma em alguma situação específica? Em quais situações?
Tabela 1
Diagnóstico de dependência à nicotina.
Diagnóstico de dependência à nicotina.

A quantificação do consumo é habitualmente descrita em “maços.ano” (número de maços por dia vezes o número de anos fumados). Um maço contém 20 cigarros. A avaliação inicial também inclui o tipo de produto consumido, a motivação para parar (se o paciente quer parar ou não), as tentativas prévias de cessação e a dependência de nicotina [5]. Os critérios diagnósticos de dependência estão disponíveis na tabela 1 e no protocolo clínico e diretrizes terapêuticas (PCDT) de tabagismo do Ministério da Saúde [6]. A dependência pode ser quantificada pelo teste de Fagerström (tabela 2). Maior dependência está correlacionada com maior dificuldade para parar e necessidade de manejo mais intensivo [5].

Tabela 2
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.
Teste de Fagerström para dependência à nicotina.

Estratégias para cessação do tabagismo

Existem diferentes estratégias para abordar pacientes tabagistas.

O modelo transteórico de Prochaska descreve o processo de mudança em cinco estágios: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção. Cada estágio representa um nível diferente de motivação e prontidão para mudar e as intervenções são adaptadas ao estágio no qual o indivíduo se encontra. Nem todos os pacientes passam por todas as fases ou podem passar de forma não linear. Esse modelo poderia gerar inércia terapêutica no paciente em pré-contemplação e não é claro se é mais eficaz do que outras estratégias [5,7,8].

Uma abordagem com evidência de eficácia para cessação é a dos 5 A’s (acrônimo derivado do inglês) [9]:

  • Ask (perguntar): perguntar e identificar o tabagismo.
  • Advice to quit (aconselhar a parar): aconselhar todos de maneira clara a pararem de fumar.
  • Assess willingness (avaliar a vontade): avaliar se há desejo em parar de fumar.
  • Assist (auxiliar): auxiliar e oferecer estratégias para cessação. Para quem não deseja parar, utilizar entrevista motivacional para aumentar a chance do paciente desejar parar no futuro.
  • Arrange follow up (agendar acompanhamento): assegurar um plano de monitoramento para quem deseja parar ou de reavaliação para quem não deseja.

Um estudo observacional identificou que as etapas de Assist e Arrange follow up são as mais associadas à chance de parar de fumar. Apesar de 70% dos médicos da atenção primária perguntarem para os pacientes se fumam, 56% chegam na etapa de auxiliar e oferecer estratégias e somente 10% cumprem a etapa de monitoramento [10]. 

Uma abordagem que simplifica a dos 5A’s se chama Ask-Advise-Connect. A última etapa é o encaminhamento para serviços ou recursos especializados, independentemente da prontidão para a cessação [11]. Nessa estratégia, o profissional que rastreou o tabagismo não acompanha o paciente e há necessidade de um atendimento posterior por um serviço que oferece os recursos terapêuticos. Uma metanálise de 13 ensaios clínicos indicou eficácia dessa abordagem em aumentar a abstinência [12].

Marcar a data para parar é uma prática comum e recomendada por alguns autores. Entretanto, uma revisão da Cochrane indicou com moderada certeza que reduzir a quantidade de cigarros até parar ou parar abruptamente são estratégias com eficácia semelhante [13]. 

Tratamento farmacológico e comportamental são eficazes e seguros para cessação do tabagismo. A combinação dos dois é mais eficaz do que as estratégias isoladas [14-17]. 

Durante o período de monitoramento, é indicado avaliar a adesão, efeitos colaterais, sintomas de síndrome de abstinência à nicotina e recaídas. A maioria das recaídas ocorre nos primeiros 3 meses após a cessação [18]. Pessoas que param de fumar por pelo menos 12 meses têm probabilidade de 35% de voltar a fumar em algum momento da vida. Frequentemente, é necessário introduzir novamente o tratamento [5].

Tratamento farmacológico do tabagismo

Os medicamentos de primeira linha são: terapia de reposição de nicotina, bupropiona e vareniclina (tabela 3) [5,6,16,19].

Tabela 3
Tratamento farmacológico do tabagismo.
Tratamento farmacológico do tabagismo.

A duração do tratamento é de 12 semanas, mas pode ser estendida por 6 meses ou mais [16]. 

A terapia de reposição de nicotina reduz a síndrome de abstinência. As formas mais utilizadas são os adesivos, gomas de mascar e pastilhas. Combinar o adesivo com formas orais é mais eficaz do que o uso isolado de ambos. Gomas de mascar e pastilhas têm início de ação em 20 a 30 minutos e duram em torno de 2 horas. São utilizadas nos momentos de maior fissura para substituir o cigarro que seria fumado. Adesivos fornecem níveis de nicotina mais estáveis para manutenção e devem ser trocados a cada 24 horas [16,20].

A bupropiona diminui a síndrome de abstinência pela inibição da recaptação de noradrenalina e dopamina. Aumenta o sucesso de cessação e tem a vantagem de evitar o ganho de peso esperado após a cessação (em torno de 4 a 5 kg em 10 anos) [21]. Pode ser mantida por mais de 6 meses para prevenção de recaídas. É contraindicada em casos de risco de crise convulsiva, como nos pacientes com epilepsia ou tumores intracranianos [22,23]. 

A vareniclina é um agonista parcial de receptores nicotínicos, reduz os sintomas de abstinência e o prazer dos efeitos da nicotina. É o medicamento mais eficaz quando comparado com bupropiona ou com uma terapia isolada de reposição de nicotina. Não há comparação com a terapia combinada de reposição de nicotina (oral e adesivo) [24]. O medicamento de referência é o Champix®, retirado do mercado brasileiro em 2020. Há alternativas genéricas em outros países e a possibilidade de importação do medicamento [25]. 

Opções de segunda linha são a nortriptilina e a clonidina. A diretriz europeia de 2025 considera a citisina, indisponível no Brasil, como de primeira linha [5].

A combinação de medicamentos tem maior eficácia do que o uso isolado, principalmente em pacientes com dificuldade de cessação. As combinações mais indicadas são a terapia de reposição de nicotina combinada (oral e adesivo) ou a terapia de reposição de nicotina com bupropiona [26,27]. A combinação de vareniclina com reposição de nicotina não parece mais eficaz do que vareniclina isoladamente, mas pode haver um benefício no subgrupo de pacientes que fumam mais do que 30 cigarros por dia [28-30]. 

O papel do cigarro eletrônico para cessação de tabagismo foi discutido em "Cigarro Eletrônico e Cessação do Tabagismo". Veja mais sobre o tratamento hospitalar do tabagismo em "Tratamento de Tabagismo no Paciente Internado".

Tratamento não farmacológico do tabagismo

Estratégias eficazes de tratamento comportamental incluem aconselhamento pelo médico ou enfermeira, individual ou em grupo, presencialmente, por ligação telefônica ou por mensagens de texto. Os pacientes podem se beneficiar de mais do que uma estratégia [15,17]. Abordagens psicoterapêuticas estruturadas, como a terapia cognitivo-comportamental(TCC), podem auxiliar o profissional na intervenção (tabela 4).

Tabela 4
Tratamento não farmacológico do tabagismo.
Tratamento não farmacológico do tabagismo.

O PCDT de tabagismo preconiza o tratamento combinado de medicamentos e aconselhamento terapêutico estruturado intensivo baseado em TCC. O tempo total é de 12 meses e envolve as etapas de avaliação, intervenção e manutenção da abstinência [6]. O aconselhamento terapêutico é feito em sessões periódicas, de preferência em grupo. O manual do coordenador que orienta como fazer essa abordagem pode ser encontrado aqui

Uma cartilha para orientação da cessação de tabagismo está disponível aqui.

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