Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio
O manejo medicamentoso inicial da síndrome coronariana aguda envolve o tratamento da trombose coronariana com antiagregantes plaquetários e anticoagulantes e o alívio da angina. Este tópico revisa os principais medicamentos e o momento adequado para sua administração até o momento da reperfusão.
Antiagregantes plaquetários
AAS (Aspirina®)
O AAS reduz eventos aterotrombóticos e mortalidade na síndrome coronariana aguda (SCA) [1]. Deve ser administrado em dose de ataque (162 a 325 mg) o mais precoce possível, independentemente da estratégia de revascularização, seguida de dose de manutenção diária (75 a 100 mg/dia). O comprimido deve ser mastigado para absorção e efeito mais rápidos [2].
O estudo clássico de AAS na SCA foi o ISIS-2 que evidenciou redução absoluta do risco de 2,4% na mortalidade. Isso representa um NNT de 42 somente pelo uso do medicamento [1].
Segundo antiagregante plaquetário — Inibidores de P2Y12
As diretrizes de SCA recomendam a adição de um inibidor de P2Y12 oral ao AAS para redução de eventos cardiovasculares maiores (MACE) [3, 4]. As opções disponíveis incluem clopidogrel, prasugrel e ticagrelor. O prasugrel ou ticagrelor são considerados superiores em relação ao clopidogrel como escolha do segundo antiagregante [5, 6].
O momento ideal para a administração, a dose inicial e a duração do tratamento variam conforme as características do paciente e aspectos relacionados à terapia de reperfusão. A tabela 1 agrupa as doses de ataque e manutenção dos diferentes antiagregantes plaquetários.

No IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST), a decisão do segundo antiplaquetário depende da estratégia de reperfusão:
- Angioplastia: preferência por ticagrelor ou prasugrel. O clopidogrel pode ser utilizado se estes não estiverem disponíveis. Em relação ao momento da administração, o pré-tratamento pode ser considerado conforme a diretriz europeia [4]. Pacientes que não receberam o segundo antiplaquetário como pré-tratamento devem receber no momento da angioplastia.
- Trombólise: o clopidogrel é a escolha nesse cenário [7]. Caso a angioplastia seja realizada após a trombólise, o clopidogrel pode ser trocado por ticagrelor ou prasugrel, desde que respeitado um intervalo mínimo de 24 horas da administração do trombólítico. Essa estratégia é chamada de escalonamento.
Na síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST), a decisão depende do tempo em que a angiografia coronariana diagnóstica é realizada:
- Estratégia invasiva precoce (angiografia coronariana em menos de 24 horas): não é recomendado o pré-tratamento, pois essa estratégia não reduz eventos isquêmicos e está associada a aumento do risco de sangramentos [8, 9]. O segundo antiplaquetário deve ser administrado na sala de hemodinâmica, após a angiografia coronariana diagnóstica (cateterismo), naqueles que realizarão angioplastia percutânea. Em alguns pacientes, a angiografia revela uma anatomia coronariana que é melhor tratada através da cirurgia de revascularização do miocárdio. Nesses casos, se a cirurgia puder ser feita precocemente, o segundo antiplaquetário não é administrado, pois elevaria o risco hemorrágico do procedimento e atrasaria a intervenção até o efeito do inibidor do P2Y12 se dissipar.
- Estratégia invasiva tardia (angiografia coronariana em mais de 24 horas): pode-se considerar o pré-tratamento com clopidogrel ou ticagrelor [3, 4]. O prasugrel só deve ser administrado após o conhecimento da anatomia coronariana através da angiografia diagnóstica.
Em todos os pacientes com SCA que não receberam inibidor de P2Y12 como pré-tratamento, uma dose de ataque é recomendada no momento da angioplastia para prevenir trombose do stent.
Em pacientes com SCA e indicação de anticoagulação a longo prazo (ex: fibrilação atrial), a terapia antitrombótica tem particularidades. Veja mais em "Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica".
Os inibidores de P2Y12 reduzem eventos isquêmicos após uma cirurgia de revascularização do miocárdio, mas exigem suspensão prévia para reduzir o risco de sangramento perioperatório [10]. O tempo de suspensão recomendado depende da droga:
- Clopidogrel: suspender 5 dias antes da cirurgia
- Ticagrelor: suspender 3 a 5 dias antes da cirurgia
- Prasugrel: suspender 7 dias antes da cirurgia
Inibidores da Glicoproteína IIb/IIIa
Antiagregantes plaquetários de uso parenteral, como abciximabe, eptifibatida e tirofibana, inibem a ligação do fibrinogênio ao receptor GPIIb/IIIa nas plaquetas. A maioria dos estudos que avaliou esses medicamentos foi conduzida antes da introdução dos inibidores de P2Y12 modernos e dos stents farmacológicos de última geração, limitando a aplicabilidade atual. [11, 12, 13].
Atualmente, esses agentes têm uso restrito a angioplastias com alta carga trombótica, perfusão distal subótima na angiografia coronariana e persistência de trombo intracoronário — recomendação IIa pela American Heart Association (AHA) [3] e European Society of Cardiology (ESC) [4].

O fluxograma 1 organiza qual medicamento utilizar em cada cenário.
Anticoagulação
A anticoagulação plena parenteral é recomendada para toda SCA, para reduzir eventos isquêmicos [14].
Ela deve ser mantida durante a hospitalização (máximo de 8 dias) ou até a revascularização (por angioplastia ou cirurgia), o que ocorrer primeiro. Nas indicações formais de anticoagulação, como fibrilação atrial ou trombo intraventricular, o anticoagulante deve permanecer após esse período. Veja mais em "Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica".
Recomenda-se evitar a troca entre diferentes tipos de heparina (crossover), devido ao aumento do risco de sangramento associado [15]. Uma metanálise encontrou que a enoxaparina é superior à heparina não fracionada em redução de mortalidade e IAM, embora aumente o risco de sangramento [16].
Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST)
Angioplastia primária: a heparina não fracionada (HNF, heparina sódica) é o anticoagulante padrão, devendo ser administrada na sala de hemodinâmica. A HNF costuma ser preferida pela familiaridade dos profissionais e possibilidade de monitoramento em tempo real através do tempo de coagulação ativado (TCA), com alvo terapêutico entre 250–300 segundos. A enoxaparina é uma alternativa válida [17]. A escolha fica a critério do serviço de hemodinâmica.
Estratégia fármaco-invasiva (trombólise seguida de angioplastia): a enoxaparina é a escolha, devendo ser administrada imediatamente antes do fibrinolítico [18, 19]. Deve ser administrada 30 mg em bolus por via intravenosa em pacientes < 75 anos, seguida pela administração subcutânea em doses de anticoagulação terapêutica. Pacientes > 75 anos devem receber apenas a dose subcutânea. A HNF pode ser utilizada, porém, exige controle através do TTPa. A tabela 2 traz as doses e ajustes necessários.

Síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST)
A escolha da anticoagulação depende da estratégia terapêutica adotada e do tempo até a realização da angiografia coronariana. As principais diretrizes apresentam algumas variações, mas de forma geral:
- Estratégia invasiva precoce (< 24 h após o diagnóstico): HNF é preferida, realizada preferencialmente na sala de hemodinâmica (recomendação I pela ESC) [4]. A enoxaparina subcutânea é uma alternativa, particularmente se a avaliação do TTPa for difícil (recomendação IIa pela ESC).
- Estratégia invasiva tardia (> 24 h do diagnóstico): enoxaparina [20] ou fondaparinux são opções. O fondaparinux está associado a menor risco de sangramento [21].
- Estratégia conservadora (pacientes que não serão submetidos inicialmente à angiografia): enoxaparina ou fondaparinux.
Manejo da dor
Estudos com placebo não demonstraram diminuição de mortalidade ou de disfunção ventricular com medicamentos anti-anginosos [22, 23]. A principal aplicação é para tratamento de sintomático. A reperfusão coronariana permanece como a intervenção mais eficaz para alívio da angina.
Nitratos
Os nitratos são a primeira escolha entre os anti-anginosos. Nitroglicerina (Tridil®) e nitroprussiato de sódio (Nipride®) são as opções intravenosas. A nitroglicerina é a primeira escolha na SCA, em parte por não ter o risco teórico de “roubo de fluxo coronariano” [24, 25]. As formulações sublinguais disponíveis no Brasil são o dinitrato de isossorbida (Isordil ®) e propatilnitrato (Sustrate®). A formulação intravenosa tem a vantagem de rápida titulação conforme a resposta clínica. A principal contraindicação é no infarto do ventrículo direito. A suspeita ocorre no caso de acometimento da parede inferior, com necessidade de realização das derivações V3R e V4R. As doses e outras contraindicações estão na tabela 3.

Nitroglicerina (Tridil®):
- Fármaco de escolha entre os nitratos na SCA.
- Atua principalmente como venodilatador, promovendo redução da pré-carga. Com doses progressivamente maiores, pode ter ação vasodilatadora arteriolar, com redução da pós-carga.
Nitroprussiato de sódio (Nipride®):
- Potente vasodilatador, com ação predominante em arteríolas (vasos de resistência).
- Possível efeito de “roubo de fluxo coronariano”, agravando a isquemia em alguns casos — embora não haja contraindicação formal nas diretrizes [26, 27].
Nos casos de supradesnivelamento do segmento ST com alívio completo da dor após administração de nitrato, deve-se repetir o eletrocardiograma. A normalização do traçado pode sugerir vasoespasmo coronariano [28].
Morfina
A morfina não é recomendada como primeira linha para o alívio da dor na SCA (recomendação IIa pela ESC) [4]. Seu uso deve ser reservado para casos refratários aos nitratos em doses máximas toleradas. O estudo retrospectivo da iniciativa CRUSADE encontrou piores desfechos em pacientes que receberam o medicamento [29]. Os opioides podem interferir na ação dos inibidores da P2Y12, mas a relevância desse efeito é incerta [30-33].
Beta-bloqueador
As principais diretrizes recomendam o betabloqueador oral nas primeiras 24 horas do infarto, desde que não haja contraindicações, com benefício em redução de reinfarto e arritmias ventriculares [3, 4]. A maioria dos estudos que avaliou os betabloqueadores nesse contexto é da era pré-reperfusão e foram conduzidos em pacientes com infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) [34, 35].
O principal estudo contemporâneo sobre o tema incluiu 45 mil pacientes e avaliou o uso de metoprolol intravenoso seguido de administração oral [36]. Houve redução de alguns desfechos isquêmicos, porém com aumento da incidência de choque cardiogênico. Por esse motivo, a administração intravenosa de betabloqueadores não é recomendada de rotina.
Apesar dessas evidências, a diretriz da ESC ainda traz uma recomendação IIa para o uso intravenoso de betabloqueadores em pacientes sem sinais de insuficiência cardíaca aguda [37]. Já a diretriz da AHA sugere considerar a via intravenosa somente em casos específicos, como angina refratária ou hipertensão arterial significativa [3].
As principais contraindicações ao uso oral de betabloqueadores incluem:
- Congestão pulmonar — classificação Killip II a IV;
- Evidência de baixo débito cardíaco;
- Intervalo PR > 240 ms;
- Bloqueio atrioventricular de 2º ou 3º grau sem marca-passo;
- Bradicardia;
- Broncoespasmo ativo;
- Risco aumentado para choque cardiogênico (idade > 70 anos, PAS < 120 mmHg, taquicardia sinusal ou tempo prolongado até o tratamento) — esses fatores são contraindicações para o uso precoce de betabloqueadores (primeiro a segundo dia), antes da evolução clínica ficar mais clara [36, 38].
Os betabloqueadores mais utilizados são metoprolol, atenolol e carvedilol. O metoprolol é o fármaco com maior evidência de benefício nesse cenário [4, 39].
A terapia de longo prazo com betabloqueadores foi abordada em "Betabloqueador Após Infarto Agudo do Miocárdio"
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