Risco Pulmonar Perioperatório em Cirurgias Não Cardíacas

Criado em: 19 de Maio de 2025 Autor: Joanne Alves Moreira Revisor: João Mendes Vasconcelos

As complicações pulmonares pós-operatórias são associadas a piores desfechos, como maior tempo de internação, reinternação e mortalidade [1]. Este tópico revisa os principais fatores de risco, a avaliação de risco pulmonar e as intervenções protetoras no perioperatório.

Incidência de complicações e fatores de risco

As principais complicações pulmonares pós-operatórias são:

  • Atelectasia;
  • Broncoespasmo;
  • Derrame pleural;
  • Pneumonia;
  • Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) subjacente;
  • Insuficiência respiratória.

A incidência de eventos varia entre 2 a 19% em cirurgias não cardiotorácicas [2]. No Brasil, um estudo paulistano descreveu a incidência de 14% complicações pulmonares após cirurgias abdominais superiores e um estudo do Rio Grande do Sul fdescreveu a incidência de 20% de complicações após cirurgias de ressecções pulmonares [3, 4].

Os fatores de risco para o desenvolvimento de complicações pulmonares podem ser relacionados ao paciente ou ao procedimento cirúrgico e todos devem ser avaliados quanto à presença desses fatores (tabela 1).

Tabela 1
Fatores de risco para complicações pulmonares perioperatórias e grau de evidência.
Fatores de risco para complicações pulmonares perioperatórias e grau de evidência.

Fatores de risco relacionados ao paciente

Incluem idade maior ou igual a 60 anos, histórico de tabagismo, DPOC, apneia obstrutiva do sono, insuficiência cardíaca congestiva, dependência funcional e classificação pela American Society of Anesthesiologists (ASA) maior ou igual a II [5, 6, 7]. Obesidade e asma leve ou moderada não são fatores de risco significativos [8, 9, 10].

Hipertensão pulmonar é um fator de risco de complicações pós-operatórias, principalmente eventos cardiovasculares maiores e maior tempo para extubação. O risco aumentado justifica uma consideração cuidadosa da indicação cirúrgica e a ponderação do cancelamento da cirurgia ou da realização de um procedimento de menor risco [11-17].

Fatores de risco relacionados à cirurgia 

Cirurgias de emergência, anestesia geral e duração do procedimento maior que 2,5 a 4 horas são fatores de risco reconhecidos [5, 6]. O tipo de cirurgia também impacta, com maior risco em cirurgias de aorta, tórax, abdome superior, neurocirurgias, cabeça e pescoço e vasculares.

Como avaliar o risco?

A avaliação pré-operatória do risco pulmonar deve ser feita com escores de avaliação de risco de complicações, triagem para apneia obstrutiva do sono e solicitação de exames complementares, quando indicados.

Escores de avaliação de risco

As ferramentas preditoras de complicações pulmonares são eficazes em discriminar pacientes de maior risco [18, 19]. Alguns exemplos são:

Qualquer uma das ferramentes pode ser utilizada. Esses instrumentos auxiliam a identificar pacientes de maior risco, que se beneficiariam mais de intervenções específicas.

Triagem de apneia obstrutiva do sono

Pacientes com apneia obstrutiva do sono possuem risco até duas vezes maior de complicações pulmonares pós-operatórias [25]. Recomenda-se aplicar o escore STOP-BANG para rastreamento dessa condição. Uma pontuação maior que três é indicativa de risco de apneia obstrutiva do sono (tabela 2) [26].

Tabela 2
Escore STOP-BANG para apneia e hipopneia obstrutiva do sono (validação brasileira).
Escore STOP-BANG para apneia e hipopneia obstrutiva do sono (validação brasileira).

Exames complementares 

O American College of Radiology recomenda que uma radiografia de tórax pré-operatória de rotina geralmente não é apropriada em pacientes sem doença cardiopulmonar submetidos à cirurgia não cardiotorácica [27]. Uma metanálise encontrou que somente 0,1% apresentavam alterações que impactaram na evolução e no tratamento dos pacientes, aumentando os custos associados aos cuidados em saúde [28].

As provas de função pulmonar, como a espirometria, são habitualmente indicadas no pré-operatório de ressecções pulmonares ou em pacientes com sintomas respiratórios [9]. Uma metanálise avaliou o uso das provas de função pulmonar e gasometria arterial como preditores de complicações pulmonares pós-operatórias em cirurgias não torácicas. Os resultados foram inconclusivos [29]. Embora a DPOC seja subdiagnosticada, a avaliação com provas de função pulmonar pré-operatórios não adicionam valor prognóstico significativo à avaliação clínica padrão em pacientes com DPOC conhecida ou suspeita [9, 30].

O teste de caminhada de seis minutos auxiliou na previsão de complicações pulmonares pós-operatórias. O teste com distância menor ou igual a 300 metros teve uma correlação com maior tempo de internação e com a gravidade das complicações pós-operatórias [31].

Entre os preditores laboratoriais, existem boas evidências somente para o valor de albumina sérica inferior a 3 g/dL [5].

Intervenções pré, intra e pós-operatórias

Pré-operatórias

O tabagismo é um fator de risco para complicações pós-operatórias, incluindo mortalidade geral, infecções, complicações da ferida operatória, admissão em UTI e desfechos negativos pulmonares e neurológicos [32-35].

Uma metanálise identificou uma redução de complicações pulmonares e de feridas operatórias em pacientes com pelo menos quatro semanas de cessação do tabagismo antes da cirurgia. Estudos observacionais relataram que períodos mais longos de cessação (maiores que seis meses), em comparação com períodos mais curtos, tiveram uma redução média de 20% no total de complicações [36, 37].

O período perioperatório deve ser utilizado como uma oportunidade para cessação do tabagismo, independentemente do tempo que antecede o procedimento cirúrgico, pelos benefícios a longo prazo. Uma metanálise sugere que a cessação perioperatória conduz a uma cessação superior a 12 meses em parte dos pacientes [9, 38]. Veja mais em "Tabagismo no Ambulatório".

Deve-se manter as medicações broncodilatadoras em uso prévio, visando à compensação da doença pulmonar de base [17]. Idealmente, pacientes com asma ou DPOC devem estar fora de uma exacerbação no momento da cirurgia. Em cirurgias eletivas, deve-se tratar a exacerbação adequadamente e realizar o procedimento após o quadro estar resolvido. Em pacientes com diagnóstico ou suspeita de SAHOS, deve-se realizar terapia com pressão positiva (CPAP) e preferir analgesia multimodal [9, 39].

Pacientes de risco de complicações pulmonares podem se beneficiar de um programa de condicionamento pré-operatório, envolvendo exercícios aeróbicos, respiratórios e musculares (pré-habilitação) [40]. Essa intervenção pode reduzir o risco de complicações pulmonares [41, 42].

Intraoperatórias

Prefere-se raquianestesia, anestesia peridural ou bloqueios anestésicos regionais em vez de anestesia geral, sempre que possível. Uma metanálise comparou a anestesia geral com o bloqueio neuraxial em pacientes cirúrgicos. O trabalho encontrou que os pacientes submetidos a bloqueio neuraxial apresentaram menor mortalidade geral, incidência de pneumonia e insuficiência respiratória [43, 44].

A ventilação pulmonar protetora — volume corrente de 6 a 8 ml/kg e aplicação de PEEP — reduz complicações pulmonares [9, 45, 46, 47].

Bloqueio neuromuscular residual no pós-operatório pode aumentar o risco de hipoventilação e complicações pulmonares [48, 49]. Apesar da baixa qualidade das evidências, a American Society of Anesthesiologists recomenda a monitorização neuromuscular quantitativa para evitar bloqueio neuromuscular residual [50]. A reversão do bloqueio neuromuscular com sugamadex e a limitação do tempo cirúrgico também são recomendadas para minimizar o risco [9, 50, 51].

Pós-operatórias

Há risco de efeito residual da anestesia, portanto, deve-se manter monitorização e suporte ventilatório adequados [52].

Mobilização precoce, analgesia e as estratégias de expansão pulmonar são recomendadas para reduzir o risco de complicações [19]. Uma coorte evidenciou que cada aumento de 4 minutos por hora na mobilização se associou a uma redução de 25% nas chances de complicações (incluindo pulmonares) e com menor tempo de internação hospitalar [53]. A analgesia pode facilitar a mobilização e favorecer inspirações profundas, apesar de alguns fármacos se associarem com hipoventilação e eventos adversos pulmonares (como opioides e gabapentinoides). A analgesia multimodal visa a controlar a dor e minimizar os riscos dos analgésicos [54].

Os pacientes com alto risco de complicação pulmonar pós-operatória devem realizar técnicas de expansão pulmonar [9, 55, 56]. Essas intervenções incluem expiração forçada, inspiração profunda, espirometria de incentivo e fisioterapia respiratória. Uma revisão sistemática encontrou que essas técnicas melhoraram a função respiratória no pós-operatório e diminuíram o risco de complicações [57]. Essas intervenções são idealmente ensinadas e treinadas antes da cirurgia.

O suporte respiratório não invasivo (ventilação não invasiva ou cateter nasal de alto fluxo) pode ser considerado em pacientes que apresentam insuficiência respiratória, especialmente quando há uma indicação precisa, como edema pulmonar ou DPOC exacerbada. No entanto, não há evidência clara de benefício no uso profilático de rotina dessas estratégias [58, 59]. Veja mais sobre ventilação não invasiva, incluindo o uso no pós-operatório, em "Ventilação Não Invasiva (VNI)", no subtópico 'Pós-operatório'.

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