Síndromes Coronarianas Agudas - Diretriz AHA/ACC 2025

Criado em: 26 de Maio de 2025 Autor: Tiago Lima Arnaud Revisor: João Mendes Vasconcelos

A nova diretriz da American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) de 2025 para síndromes coronarianas agudas [1] unifica e atualiza o manejo de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM-CSST), infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAM-SSST) e angina instável. O documento destaca o diagnóstico ultrarrápido com troponina ultrassensível, a terapia antiplaquetária dupla (DAPT) individualizada, a estratégia de revascularização completa e a prevenção secundária mais intensiva. 

O manejo medicamentoso agudo do infarto foi abordado no tópico "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio". Veja também "Novo Paradigma de Infarto: Oclusão Coronariana Aguda" e "Tratamento da Coronária Não Culpada no Infarto Agudo do Miocárdio".

Definição de síndrome coronariana aguda

O termo síndrome coronariana aguda (SCA) é utilizado para três cenários:

  • Infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAM-CSST);
  • Infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST (IAM-SSST);
  • Angina instável.

IAM-SSST e angina instável estão dentro da SCA sem supradesnivelamento de segmento ST (SCA-SSST). Apesar da palavra “síndrome”, o termo SCA é usado somente para agrupar essas doenças. As três condições são causadas por distúrbios na placa aterosclerótica dos vasos coronarianos (erosão ou ruptura), associados com trombose que pode obstruir parcial ou completamente o vaso. Podem ser entendidas como apresentações distintas da mesma doença [2-5]. 

Tabela 1
Critérios diagnósticos de infarto agudo do miocárdio (IAM) tipo 1.
Critérios diagnósticos de infarto agudo do miocárdio (IAM) tipo 1.

A definição de infarto agudo do miocárdio (IAM), com ou sem supradesnivelamento do segmento ST, é composta pela associação de dois critérios (tabela 1) [6]:

  • Evidência de injúria miocárdica aguda;
  • Sinais/sintomas de isquemia aguda ou achados eletrocardiográficos/radiológicos sugestivos de obstrução de coronária.

Injúria miocárdica aguda é a elevação e/ou queda de troponina com pelo menos um valor acima do limite superior da normalidade, às vezes descrito como acima do percentil 99 da população. Como exemplo, com uma troponina cujo limite superior é 14 ng/L, se um paciente apresenta exame inicial de 10 ng/L e em nova medida valor de 35 ng/L, houve injúria miocárdica aguda.

A angina instável ocorre quando pacientes têm achados clínicos sugestivos de SCA, porém sem injúria miocárdica, podendo ou não apresentar alterações eletrocardiográficas e/ou radiológicas sugestivas de obstrução de coronária [2, 3]. O uso de biomarcadores de injúria miocárdica ultrassensíveis mudou o diagnóstico de muitos pacientes com angina instável para IAM-SSST. No passado, esses pacientes não apresentavam alterações dos biomarcadores, pois a sensibilidade dos testes era menor. Os biomarcadores ultrassensíveis atuais se mostram alterados em muitos casos, caracterizando o diagnóstico de IAM-SSST. Mesmo com esse fenômeno, a hipótese de angina instável pode ser considerada em pacientes com dor torácica sem injúria miocárdica e sem outras explicações, especialmente naqueles de alto risco (o que pode ser definido com auxílio de ferramentas, como o escore HEART).

Tabela 2
Tipos de infarto do miocárdio.
Tipos de infarto do miocárdio.

Conforme a quarta definição internacional de infarto de 2018, o IAM pode ser classificado em cinco tipos diferentes (tabela 2) [6]. Esta revisão trata dos pacientes com infarto do tipo 1. A diretriz da AHA de 2025 não aborda a proposta de mudança de paradigma para infarto com oclusão coronariana aguda, discutida em "Novo Paradigma de Infarto: Oclusão Coronariana Aguda".

Diagnóstico e avaliação inicial

Na suspeita de SCA, o eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações deve ser realizado imediatamente e interpretado por um médico em até 10 minutos. O objetivo é identificar principalmente IAM-CSST e definir precocemente a estratégia de reperfusão e início da terapia medicamentosa [1]. A descrição dos achados eletrocardiográficos de pacientes com IAM-CSST e SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCA-SSST) está na tabela 3

Tabela 3
Achados eletrocardiográficos em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA).
Achados eletrocardiográficos em pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA).

A troponina ultrassensível I ou T (hs-cTn, sigla em inglês de high-sensitive cardiac troponin) é o biomarcador de lesão miocárdica de escolha pela sua alta sensibilidade, especificidade e valor preditivo negativo [7]. Deve ser obtida o mais rápido possível, mas não deve atrasar a terapêutica em casos de IAM-CSST. Quadro clínico e achados eletrocardiográficos são suficientes para o diagnóstico operacional de IAM-CSST e devem iniciar o tratamento imediato.

Pacientes sem critérios para IAM-CSST no eletrocardiograma inicial podem ser enquadrados em 4 cenários:

  • ⁠IAM-CSST que se desenvolveu após a chegada ao serviço de saúde
  • ⁠IAM-SSST 
  • ⁠Angina instável
  • Dor torácica não coronariana

Quando o ECG inicial não é diagnóstico e a suspeita clínica de SCA é elevada, o exame deve ser repetido de forma seriada, pois as alterações são dinâmicas e muitos pacientes têm um diagnóstico de IAM-CSST posteriormente. Não há consenso sobre em quanto tempo deve-se repetir o ECG. Em um estudo que avaliou 4.566 pacientes com o diagnóstico final de IAM-CSST, mas que o primeiro ECG não preenchia critérios de IAM-CSST, 15% dos pacientes entraram nos critérios de IAM-CSST em 15 minutos, 32% após 30 minutos e 72% após 90 minutos. O autor sugere considerar repetir o ECG em intervalos de 15 a 30 minutos [8, 9, 10].

Alguns pacientes não apresentam critérios para IAM-CSST, mas tem outros achados eletrocardiográficos sugestivos de isquemia (infradesnivelamento do segmento ST ou inversão de onda T). Esse cenário deve ser interpretado como SCA-SSST antes do resultado da troponina.

Nos pacientes em que o ECG inicial não caracteriza IAM-CSST ou outros achados de isquemia, deve-se aguardar o resultado da troponina e repetir o ECG de maneira seriada. Aqueles em que a troponina demonstra elevação significativa são diagnosticados com IAM-SSST e devem ser internados. Com o resultado da troponina disponível, caso persista a dúvida sobre SCA, a diretriz recomenda utilizar um fluxograma de tomada de decisão validado para guiar a conduta.

Um fluxograma de tomada de decisão possível é o high sensitivity HEART Pathway, que utiliza o escore HEART atualizado com a troponina ultrassensível nos tempos 0 e 2 horas para avaliar alta, observação ou internação hospitalar (fluxograma 1) [11]. Por essa ferramenta, pacientes de baixo risco com valores de troponina baixos e sem variação podem ser conduzidos ambulatorialmente. Por outro lado, aqueles com escores mais elevados e valores de troponina mais alterados devem ser internados. Pacientes com valores de troponina intermediários devem permanecer em observação, com uma terceira dosagem de troponina e ponderação sobre estratificação não invasiva. Os valores apresentados no fluxograma 1 são baseados no estudo referenciado, que utilizou o ensaio Beckman Coulter Access 2, e não podem ser generalizados para outros ensaios de troponina ultrassensível. Caso o serviço não tenha troponina ultrassensível disponível, o Heart Pathway convencional pode ser utilizado. 

Fluxograma 1
High sensitivity heart pathway para decisão sobre alta a pacientes com  síndrome coronariana aguda.
High sensitivity heart pathway para decisão sobre alta a pacientes com síndrome coronariana aguda.

Pacientes com suspeita de SCA devem receber ácido acetilsalicílico (AAS) em dose de ataque de 162 a 325 mg. A escolha do segundo antiplaquetário e do anticoagulante dependerá do diagnóstico final e da estratégia de reperfusão escolhida, conforme discutido abaixo. O suporte de oxigênio deve ser prescrito somente para pacientes com SCA e hipóxia confirmada (saturação de oxigênio < 90%) com objetivo de manter a saturação ≥ 90%, a fim de melhorar o aporte de oxigênio para o miocárdio e reduzir sintomas anginosos [1].

Após a definição diagnóstica, o próximo passo mais importante é definir a estratégia de reperfusão do paciente.

Estratégias de reperfusão/revascularização

As estratégias de reperfusão disponíveis são:

  • Intervenção coronariana percutânea (ICP);
  • Trombólise;
  • Cirurgia de revascularização do miocárdio.

A disponibilidade, o tempo até a realização da ICP e a anatomia coronariana são os principais fatores para decidir qual a melhor estratégia.

A diretriz reforça que a comunidade (hospitais, serviços médicos de emergência, departamentos de saúde pública e governos) precisa estruturar sistemas regionais de tratamento de SCA. Deve-se garantir uma resposta coordenada para minimizar o tempo total de isquemia e melhorar a sobrevivência do paciente com IAM-CSST [1, 12].

Intervenção coronariana percutânea

A intervenção coronariana percutânea (ICP) recomendada é a angioplastia com implantação de stent. Esse procedimento é realizado na sala de hemodinâmica, após a angiografia coronariana por cateter (cateterismo) confirmar uma lesão coronariana obstrutiva que seja melhor tratada com essa estratégia.

A terapia com reperfusão coronariana por ICP é a preferencial para todo paciente com IAM-CSST. O documento ressalta que a ICP confere melhor sobrevida em comparação à trombólise como tratamento de reperfusão [13]. No contexto de IAM-CSST, a ICP deve ser realizada o mais rápido possível. O tempo da chegada do paciente até a realização da ICP é denominado tempo porta-balão (ver ‘IAM com supradesnivelamento do segmento ST: tratamento’).

Para os pacientes com SCA-SSST, o momento da ICP depende do risco do paciente. Pacientes de maior risco devem realizar a angiografia coronariana diagnóstica (cateterismo) mais precocemente. A maioria dos pacientes realiza a ICP dos vasos acometidos logo após a angiografia coronariana. Um subgrupo de pacientes, a depender dos achados angiográficos, se beneficia da cirurgia de revascularização do miocárdio (ver mais detalhes na seção abaixo sobre a cirurgia de revascularização).

Durante a angiografia coronariana, muitos pacientes apresentam estenoses significativas em vasos não culpados pelo infarto. A ICP também está recomendada nesses vasos, seja no momento da ICP do vaso culpado ou em um segundo momento. Para pacientes com choque cardiogênico, no primeiro momento somente o vaso culpado deve ser abordado. Veja mais em "Tratamento da Coronária Não Culpada no Infarto Agudo do Miocárdio".

A diretriz pontua que a preferência pela via de acesso é a radial por reduzir sangramento maior, complicações vasculares e mortalidade em comparação com a via femoral [1, 14].

Trombólise (fibrinólise)

A trombólise é uma opção somente para os pacientes com IAM-CSST. Ela está indicada para pacientes com IAM-CSST que não podem realizar ICP nos tempos preconizados. Em hospitais que não dispõem de ICP e a transferência tem duração maior que 120 minutos, a trombólise deve ser realizada em até 30 minutos para aqueles que não possuem contraindicação. Essa meta leva o nome de tempo porta-agulha. O trombolítico deve ser administrado em pacientes com início de sintomas a menos do que 12 horas.

Todo paciente submetido à trombólise deve realizar posteriormente uma angiografia coronariana por cateter. Ver mais no subtópico ‘IAM com supradesnivelamento do segmento ST: tratamento’.

Os agentes trombolíticos estão detalhados na tabela 4.

Tabela 4
Agentes trombolíticos fibrina-específicos para infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).
Agentes trombolíticos fibrina-específicos para infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).

Cirurgia de revascularização do miocárdio

A cirurgia de revascularização do miocárdio é uma opção para a minoria dos pacientes com SCA, especialmente aqueles com doença coronariana multiarterial. A doença coronariana multiarterial é definida pela presença de estenose significativa (≥ 50%) em duas ou mais artérias e está presente em até 40% a 70% dos pacientes com IAM-SSST. Alguns desses pacientes podem se beneficiar de cirurgia de revascularização do miocárdio.

Os pacientes com IAM-SSST se beneficiam de cirurgia com maior frequência do que aqueles com IAM-CSST. Segundo o documento, entre os pacientes com IAM-SSST, aqueles que podem se beneficiar de cirurgia de revascularização durante a internação incluem os seguintes:

  • Estenose significativa do tronco da coronária esquerda (> 50%) com doença coronariana de alta complexidade;
  • Doença coronariana multivascular com doença coronariana complexa ou difusa;
  • Diabetes mellitus e doença coronariana multivascular com envolvimento da artéria descendente anterior;
  • Doença coronariana multivascular ou doença coronariana complexa do tronco esquerdo com disfunção ventricular esquerda grave. 

Para pacientes com IAM-CSST, a diretriz pontua que a cirurgia de revascularização de urgência/emergência é uma opção quando a ICP não é possível por razões anatômicas ou se a ICP não for bem sucedida, contanto que exista uma extensa área de miocárdio sob risco (recomendação 2a). 

IAM com supradesnivelamento do segmento ST: tratamento

O tratamento principal do IAM-CSST é a terapia de reperfusão por ICP ou trombólise. Esses pacientes também devem receber dupla terapia antiplaquetária (DAPT) e anticoagulação parenteral para redução de MACE. A dose e o momento de administração dependem da estratégia de reperfusão indicada e podem ser vistos com mais detalhes no tópico "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio".

Tabela 5
Considerações sobre a dosagem de antiagregantes plaquetários.
Considerações sobre a dosagem de antiagregantes plaquetários.

tabela 5 inclui as doses dos antiagregantes e a tabela 6 as doses dos anticoagulantes e momentos de introdução de cada um [1].

Tabela 6
Anticoagulação parenteral na síndrome coronariana aguda (SCA).
Anticoagulação parenteral na síndrome coronariana aguda (SCA).

Intervenção coronariana percutânea (ICP)

A terapia de reperfusão primária com ICP é preferencial em relação à trombólise. Deve ser realizada imediatamente para todos os pacientes com sintomas a menos de 12 horas e que se encontram no tempo porta-balão preconizado: 

  • Para pacientes atendidos em hospitais com capacidade para ICP, o procedimento deve ocorrer em até 90 minutos após a primeira avaliação do médico. 
  • Caso o paciente seja avaliado em um serviço sem capacidade para ICP, a transferência deve ser priorizada caso o procedimento possa ser realizado em até 120 minutos ou se houver contraindicação à trombólise (tabela 7) [1, 15].
Tabela 7
Contraindicações absolutas e relativas para terapia fibrinolítica.
Contraindicações absolutas e relativas para terapia fibrinolítica.

Pacientes com choque cardiogênico ou instabilidade hemodinâmica possuem indicação de ICP independente do tempo dos sintomas. 

Pacientes com sintomas entre 12 e 24 horas ainda podem se beneficiar de ICP (recomendação 2a). Naqueles com sintomas a mais de 24 horas, pode haver benefício com a ICP se existirem sinais de isquemia persistente ou arritmia ameaçadora à vida (recomendação 2a).

Em pacientes com início dos sintomas há mais de 24 horas e sem sinais de isquemia persistente ou instabilidade hemodinâmica e que possuem uma artéria totalmente ocluída relacionada ao infarto, a diretriz orienta não realizar a ICP.

Trombólise

Em pacientes com IAM-CSST, início dos sintomas há menos de 12 horas e tempo estimado para conseguir ICP maior do que 120 minutos, a terapia fibrinolítica (trombólise) deve ser administrada em até 30 minutos para aqueles que não possuem contraindicação [1]. Veja dicas de trombólise aqui.

É considerado como sucesso da trombólise para reperfusão coronariana os pacientes que preencherem os seguintes critérios de reperfusão:

  • Melhora dos sintomas isquêmicos;
  • Redução > 50% da elevação do segmento ST nas derivações anteriores ou > 70% em derivações inferiores [16];
  • Estabilidade hemodinâmica.

A diretriz não comenta sobre a presença de ritmo idioventricular acelerado (RIVA) como indicativo de reperfusão coronariana (figura 1). Essa alteração eletrocardiográfica transitória pode estar presente em mais de 50% dos pacientes que fazem trombolítico ou ICP [17]. Ela já foi utilizada como marcador de reperfusão, porém pode estar presente em pacientes com coronária ainda ocluída [17].

Figura 1
Ritmo idioventricular acelerado (RIVA).
Ritmo idioventricular acelerado (RIVA).

Para os pacientes que apresentam critérios de reperfusão após a trombólise, uma avaliação adicional com angiografia coronariana (cateterismo) e ICP deve ser realizada em até 24 horas. Essa estratégia é chamada de farmacoinvasiva e é capaz de reduzir mortalidade em 21% em comparação com a terapia padrão [18]. Pacientes que não possuem critérios de reperfusão devem ser imediatamente transferidos para realização de ICP.

Fluxograma 2
Abordagens do tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).
Abordagens do tratamento do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).

O fluxograma 2 resume as principais abordagens do tratamento do IAM-CSST.

SCA sem supradesnivelamento do segmento ST: manejo

Nos pacientes que não possuem supradesnivelamento do segmento ST, a elevação da hs-cTn > percentil 99 do limite superior da normalidade diferencia o IAM-SSST da angina instável. Esses pacientes podem ser classificados como de risco baixo, intermediário, alto ou muito alto (pacientes instáveis). A diretriz recomenda utilizar a combinação dos seguintes fatores para definir o risco (figura 2):

  • Condição clínica (Ex.: choque cardiogênico);
  • Eletrocardiograma;
  • Dosagem de hs-cTn;
  • Ferramentas de estratificação de risco: GRACE, TIMI para SCA-SSST.
Figura 2
Classificação de risco e momento da estratificação invasiva na síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST).
Classificação de risco e momento da estratificação invasiva na síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST).

O objetivo dessa classificação de risco é definir se o paciente será submetido a uma estratificação de risco com angiografia coronariana de forma precoce (< 24h do evento agudo) ou tardia (> 24h do evento agudo). A angiografia coronariana auxilia a escolha da  estratégia de tratamento mais adequada, seja revascularização (ICP ou cirurgia de revascularização do miocárdio) ou tratamento clínico.

A principal definição na terapia medicamentosa é o momento do segundo antiplaquetário e do anticoagulante, que depende do momento da realização da angiografia coronariana, conforme descrito abaixo. Para mais detalhes, veja o tópico "Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio".

Infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST

Fluxograma 3
Estratégia de estratificação invasiva versus não invasiva em síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST).
Estratégia de estratificação invasiva versus não invasiva em síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST).

Segundo a diretriz, todos os pacientes com IAM-SSST têm pelo menos risco intermediário e devem realizar estratificação de risco invasiva, ou seja, angiografia coronariana por cateter (cateterismo). O momento em que a angiografia é realizada depende do risco do paciente, conforme a figura 2. Conforme essa decisão, o paciente segue o fluxograma 3.

A definição do momento da angiografia coronariana altera a estratégia de administração do inibidor de P2Y12 (iP2Y12) e a escolha do anticoagulante parenteral da seguinte forma [1].

  • Angiografia precoce (< 24 h): administrar AAS na sala de emergência, administrar iP2Y12 e anticoagulação parenteral na sala de hemodinâmica após a angiografia.
  • Angiografia tardia (> 24 h): administrar AAS, iP2Y12 e anticoagulação parenteral já na sala de emergência.

Angina instável

Pacientes de risco baixo (angina instável) podem realizar estratificação invasiva (angiografia coronariana) ou não invasiva (testes de estresse ou angiotomografia de coronárias). Caso a estratificação não invasiva mostre achados sugestivos de isquemia, o paciente deverá realizar uma angiografia coronariana.

Esses pacientes também seguem o fluxograma 3.

Cuidados após terapia inicial

DAPT

A estratégia padrão é manter pelo menos 12 meses de dupla terapia com antiagregantes plaquetários após a ICP (recomendação 1a). A terapia dupla consiste em um iP2Y12 e o AAS. Caso o paciente tenha realizado ICP, a diretriz sugere que o inibidor de P2Y12 de escolha seja o ticagrelor ou prasugrel.

A diretriz também dá enfoque aos casos em que há indicação de terapia tripla (AAS, iP2Y12 e anticoagulante oral), nos quais a suspensão do AAS após 1-4 semanas da ICP com manutenção das demais medicações permite redução do risco de sangramento mantendo a prevenção de MACE (recomendação 1b).

Com menor evidência, o documento cita o cenário de pacientes que possuem um alto risco de sangramento intrínseco por fatores outros não necessariamente relacionados à terapia medicamentosa. Propõe-se uma estratégia para redução do risco de sangramento com suspensão de um dos antiagregantes plaquetários, sem preferência entre AAS ou iP2Y12, após 1 mês da realização da ICP (recomendação 2b).

Os detalhes das diferentes estratégias e os tempos de uso estão no tópico "Fibrilação Atrial e Doença Coronariana: Estratégia Antitrombótica".

Inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona

É recomendada a adição de um inibidor da enzima conversora de angiotensina (iECA) ou de um bloqueador do receptor de angiotensina (BRA) em pacientes com fatores de alto risco, como fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 40%, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus ou IAM-CSST de parede anterior (grau de recomendação 1a) [1].

A adição de um antagonista de receptor mineralocorticoide também é recomendada nos casos em que há FEVE ≤ 40% com sintomas de insuficiência cardíaca e/ou diabetes mellitus (grau de recomendação 1b) [1].

Terapia para dislipidemia

Todos os pacientes com SCA são considerados de muito alto risco cardiovascular, devendo receber estatina de alta potência (recomendação 1A). A diretriz coloca como opção a introdução desde o início da dose máxima tolerada de estatina associada à ezetimiba (recomendação 2b). A meta de LDL é de 55 mg/dL.

Caso o paciente não atinja a meta com estatina de alta potência em 4 a 8 semanas, outras terapias devem ser utilizadas, como ezetimiba (caso não tenha sido utilizada no início), inibidores de PCSK9 e ácido bempedoico.

Colchicina

Alguns estudos recentes, como o COLCOT (Colchicine Cardiovascular Outcomes Trial), demonstraram que a colchicina, quando adicionada ao tratamento padrão após um IAM, pode reduzir significativamente MACE, incluindo morte cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e revascularização coronariana urgente [19, 20]. A nova diretriz da AHA considera razoável a introdução de colchicina dose baixa para redução de MACE (recomendação 2b).

Ecocardiograma

Um ecocardiograma sempre deve ser realizado antes da alta hospitalar, pois além de verificar a função valvar e ventricular, pode detectar trombos no ventrículo esquerdo (VE) e complicações mecânicas.

Caso a FEVE esteja reduzida (≤ 40%), recomenda-se repetir o exame em 6 a 12 semanas para orientar melhor as decisões terapêuticas nos pacientes que permanecem com FEVE reduzida e para considerar futuramente a colocação de um cardiodesfibrilador implantável (CDI) como forma de prevenção primária [1].

Veja mais mais sobre o papel do ecocardiograma após IAM no "Betabloqueador Após Infarto Agudo do Miocárdio", no subtópico 'Ecocardiograma no infarto agudo do miocárdio'.

Reabilitação cardíaca

Todos os pacientes com SCA devem ser encaminhados antes da alta hospitalar para programas ambulatoriais de reabilitação cardíaca. Comprovadamente essa estratégia reduz mortalidade, reinfarto, readmissões hospitalares e melhora o estado funcional, principalmente em idosos com DAC [1].

Meta de hemoglobina

Pacientes com anemia crônica devem ter alvo de hemoglobina > 10 g/dL (recomendação 2b). O trabalho MINT avaliou se há benefício em uma estratégia mais liberal de transfusões (meta de hemoglobina > 10 g/dL) em relação a uma estratégia conservadora (meta de hemoglobina > 7 g/dL) em pacientes pós IAM. Foi encontrada uma tendência de benefício em pacientes com estratégia liberal, porém sem diferença estatística. O NNT de 62 para mortalidade veio às custas de utilização 3,5 vezes maior de unidades de hemácias no grupo liberal. 

Veja mais sobre o estudo MINT em "Quando Transfundir Concentrado de Hemácias", no subtópico 'Transfusão de hemácias no infarto do miocárdio e o estudo MINT'.

Complicações

Choque cardiogênico

Quando há choque cardiogênico ou instabilidade hemodinâmica, a reperfusão de emergência do vaso culpado por meio de ICP ou cirurgia de revascularização do miocárdio deve ser realizada o mais rápido possível, independente do tempo de sintomas. Nesses casos, a mortalidade aumenta progressivamente a cada atraso de 10 minutos após 1 hora, chegando a > 80% após 6 horas de atraso [21].

A diretriz traz de novidade que em alguns pacientes selecionados o uso de suporte mecânico circulatório com bombas de fluxo micro axial (Impella®) pode reduzir mortalidade, mas aumenta risco de sangramento, isquemia de membros e insuficiência renal [1]. Veja mais em "Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória" e "Novo Consenso de Choque Cardiogênico".  

Complicações mecânicas

Essas complicações são raras, mas ocorrem com maior frequência nos pacientes com IAM-CSST [22]. Apresentam-se clinicamente como dor torácica recorrente ou refratária, insuficiência cardíaca acompanhada de sopro novo, choque cardiogênico ou morte súbita na primeira semana após o IAM. As características estão na figura 3. Após a suspeita, o diagnóstico costuma ser feito pelo ecocardiograma.

Figura 3
Características clínicas das complicações mecânicas no infarto agudo do miocárdio.
Características clínicas das complicações mecânicas no infarto agudo do miocárdio.

A correção cirúrgica definitiva é o tratamento de escolha. 

Complicações elétricas e prevenção de morte súbita

Distúrbios de condução, bradiarritmias e taquiarritmias ventriculares e supraventriculares podem ocorrer no período após um IAM. 

O marcapasso permanente está indicado nos seguintes cenários: evidência sustentada (> 72 h) de bloqueio atrioventricular (BAV) de alto grau, BAV Mobitz tipo II, BAV de terceiro grau e bloqueio de ramo alternante não resolvidos após realizada a reperfusão [1].

Em relação à prevenção de morte súbita, o cardiodesfibrilador implantável está indicado nos seguintes pacientes [1]:

  • Fração de ejeção <= 30% e NYHA I, II ou III;
  • Fração de ejeção <= 35% e NYHA II ou III;
  • Fração de ejeção <= 40% e taquicardia ventricular induzida no estudo eletrofisiológico.

Esses pacientes devem ter expectativa de vida superior a um ano e a fração de ejeção utilizada deve ser aferida pelo menos 40 dias após o infarto.

Pericardite

Pode surgir de 1 a 3 dias após o IAM, decorrente da inflamação local causada pela necrose miocárdica. Geralmente é transitória e resolve espontaneamente em poucos dias com tratamento conservador. Uso de analgésicos como paracetamol pode ser usado para alívio sintomático [1].

O diagnóstico é feito com a presença de dor torácica pleurítica e um dos critérios a seguir:

  • Atrito pericárdico na ausculta.
  • Alterações eletrocardiográficas, como depressão no segmento PR ou elevações côncavas difusas do segmento ST. No contexto de IAM, podem ser simplesmente elevações do segmento ST ou alterações dinâmicas da onda T.
  • Derrame pericárdico novo na ecocardiografia.

Caso a pericardite se apresente de forma tardia ou crônica, frequentemente terapia adicional pode ser necessária. Entre as opções de tratamento, há o AAS em altas doses - 500 a 1000 mg, a cada 6-8 h até melhora dos sintomas, e a colchicina - 0,5 a 0,6 mg, uma a duas vezes ao dia, durante 3 meses [1].

Trombo no ventrículo esquerdo

Costuma ocorrer em pacientes com IAM-CSST de parede anterior com longo tempo necessário para a reperfusão. O exame de imagem inicial para diagnóstico é o ecocardiograma, mas a ressonância cardíaca é mais sensível [1].

O tratamento requer anticoagulação, mas como os pacientes já estão em uso de DAPT sempre deve ser avaliado o risco de sangramento versus o benefício da prevenção de um evento tromboembólico.

Quando anticoagulados, os pacientes devem ser reavaliados em 3 meses com exame de imagem para avaliar se há trombo residual e decidir se a anticoagulação pode ser suspensa ou deve ser estendida [1].

Aproveite e leia:

19 de Maio de 2025

Medicamentos no Infarto Agudo do Miocárdio

O manejo medicamentoso inicial da síndrome coronariana aguda envolve o tratamento da trombose coronariana com antiagregantes plaquetários e anticoagulantes e o alívio da angina. Este tópico revisa os principais medicamentos e o momento adequado para sua administração até o momento da reperfusão.

5 de Maio de 2025

Novo Consenso de Choque Cardiogênico

O choque cardiogênico ocorre quando um insulto cardíaco reduz o débito cardíaco e resulta em hipoperfusão orgânica. Esse tema foi abordado no Guia em “Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória”. Um novo consenso do Colégio Americano de Cardiologia (ACC), publicado em março de 2025, motivou uma atualização dos principais pontos do diagnóstico e manejo deste tema.

17 de Junho de 2024

Choque Cardiogênico e Dispositivos de Assistência Circulatória

O infarto agudo do miocárdio é a principal causa de choque cardiogênico. Atualmente, a mortalidade de choque cardiogênico ainda é alta, podendo chegar a 50%. A rápida identificação e instituição de suporte hemodinâmico é crucial. Em março de 2024, foi publicado o estudo DanGer Shock no New England Journal of Medicine sobre uso da bomba de fluxo microaxial (dispositivo Impella CP) no choque cardiogênico após infarto. Este tópico expõe o manejo do choque cardiogênico e o que o estudo acrescentou.

8 de Janeiro de 2024

Quando Transfundir Concentrado de Hemácias

Anemia e hemotransfusões são frequentes em pacientes internados. Já se investigaram diferentes limiares para transfusões, com uma tendência atual para preferir metas restritivas (hemoglobina mais baixa) à liberais (hemoglobina mais alta). Estudos sobre esses limiares em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) ainda são escassos. Em novembro de 2023, foi publicado o estudo MINT no New England Journal of Medicine, que comparou metas em pacientes com IAM. Neste tópico serão abordadas as indicações de hemotransfusão em diferentes grupos e os resultados do estudo.

17 de Fevereiro de 2025

Novo Paradigma de Infarto: Oclusão Coronariana Aguda

Uma nova classificação propõe distinguir o infarto agudo do miocárdio conforme a presença ou ausência de oclusão coronariana, em contraste com a abordagem tradicional baseada no supradesnivelamento do segmento ST. Duas publicações recentes reforçam essa proposta. Este tópico explora essa nova perspectiva.