Prevenção de Demência e Vacina para Zoster
Estima-se que em torno de 6% da população brasileira com idade acima de 60 anos tenha demência. A expectativa é que o número de casos se multiplique por cinco até 2050. Dois estudos observacionais relacionaram a vacina contra o herpes-zóster à redução do risco de demência em idosos. Este tópico revisa os fatores de risco e proteção de demência e atualiza o tema a partir da análise desses estudos [1, 2].
Fatores de risco e proteção de demência
Identificar fatores de risco modificáveis é fundamental para prevenir e reduzir o número de casos de demência. Alguns motivos tornam o estudo deste tema complexo, como:
- Fase pré-clínica longa. O processo neuropatológico começa anos ou décadas antes do diagnóstico. Isso encarece os estudos, por necessitarem de acompanhamento prolongado; prejudica a atribuição de causalidade (por exemplo, a atividade física pode reduzir anos antes do diagnóstico formal de demência, como uma consequência de processos neuropatológicos já em curso) e dificulta a definição de uma janela de tempo ideal para prevenção [3].
- Grupos de pacientes heterogêneos. Há diversos tipos de achados neuropatológicos para as demências. É frequente que indivíduos com um tipo de demência clínica apresentem mais do que um tipo de achado em autópsias [4]. Ao considerar o diagnóstico clínico de demência como uma doença única, perde-se a capacidade de identificação de fatores de risco específicos para cada subtipo de demência.
- Interações complexas entre fatores ao longo da vida. Por exemplo, a baixa escolaridade aumenta a probabilidade de piores ocupações, que aumentam exposições potencialmente danosas. Modelar essas interações exige coortes grandes, multicêntricas e ensaios caros e longos.
Há 14 principais fatores de risco modificáveis associados às demências (tabela 1). Estima-se que quase metade dos casos de demência são associados a um desses fatores. Estes dados são provenientes de revisões e metanálises publicadas em relatório de 2024 feito por uma comissão internacional do The Lancet [5].

Ensaios clínicos randomizados reforçam uma relação causal quando o tratamento do fator de risco reduz a incidência de demência. Há ensaios clínicos que identificaram redução de demência pelo tratamento de perda auditiva com próteses [6] e de hipertensão [7, 8].
Para os outros fatores, a evidência é proveniente de estudos observacionais que não têm o poder de estabelecer relação causal. Portanto, tratar esses fatores não necessariamente resulta em diminuição do risco de demência. Apesar disso, os autores sugerem que pode haver benefício, porque há estudos não randomizados de redução da probabilidade de demência a partir da modificação dos fatores de risco.
O estudo FINGERS foi um ensaio clínico randomizado e controlado que encontrou redução no declínio cognitivo de idosos que receberam uma intervenção em vários domínios. A intervenção envolvia aconselhamento nutricional, programa estruturado de exercícios, treino cognitivo computadorizado e controle de fatores cardiovasculares [9]. O treinamento ou estímulo cognitivo computadorizado em idosos podem ter pequeno efeito positivo que não se mantém a longo prazo, mas as evidências são consideradas de baixa qualidade [10].
Durante a confecção do relatório, a comissão do Lancet julgou que naquele momento alguns fatores não apresentavam evidências suficientes para serem incluídos, como: alterações do sono, da dieta, doenças dentárias, infecções sistêmicas, doenças mentais e vacinação.
Vacina para Herpes Zoster e prevenção de demência
Dois estudos observacionais publicados em 2025, conduzidos na Austrália [1] e no País de Gales [2], encontraram redução da probabilidade de demência em idosos relacionada à vacinação contra herpes zoster. O principal diferencial desses trabalhos foi o desenho, sendo estudos de quase-experimento, o que permitiu um maior poder para inferir causalidade.
No País de Gales, a vacinação gratuita contra herpes zoster com vírus vivo atenuado (Zostavax®) foi autorizada para idosos nascidos a partir de uma data determinada. Indivíduos na faixa etária indicada puderam se vacinar, enquanto outros não foram incluídos, mesmo sendo somente um pouco mais velhos. Essa política gerou uma mudança abrupta entre populações semelhantes, o que permitiu a utilização de um desenho de estudo observacional chamado quase-experimento utilizando regressão descontínua. Este método consegue comparar grupos diminuindo vieses por fatores confundidores, medidos ou não.
A pesquisa galesa utilizou a análise de prontuários eletrônicos e comparou os grupos de pacientes que nasceram próximos ao ponto de corte da idade para vacinação. A redução na probabilidade de demência foi de 3,5% em 7 anos de acompanhamento no grupo que se vacinou em relação ao controle.
O estudo australiano com 18 mil pacientes foi publicado logo após e utilizou metodologia semelhante. Avaliou prontuários de pacientes que receberam a Zostavax® pelo programa nacional de imunização do país. O trabalho encontrou resultados na mesma direção da pesquisa galesa, com redução de 1,8% na probabilidade de demência durante o acompanhamento de até 7 anos dos pacientes elegíveis à vacina.
Existe a possibilidade de que pessoas mais engajadas com a própria saúde se vacinem mais e apresentem melhores desfechos por terem hábitos mais saudáveis, em comparação com a população menos engajada e não vacinada. Ambos os trabalhos diminuíram este viés por compararem grupos semelhantes em idade, renda e saúde prévia, além de utilizar métodos estatísticos para verificação da robustez do estudo, simulações de testes placebo, comparações com outros fatores de risco e cortes de idade alternativos.
As principais limitações foram o sub-registro nos bancos de dados, tanto sobre a vacinação quanto para a demência, o que pode mascarar a real magnitude do benefício. As análises se concentraram em octogenários e na vacina de vírus vivo atenuado (Zostavax®), não sendo possível saber se a vacina recombinante (Shingrix®) ou faixas etárias mais jovens apresentariam efeito semelhante.
Um estudo norte-americano de 2024 sobre a vacina recombinante (Shingrix®) explorou a troca súbita entre Zostavax® e Shingrix® em uma coorte de pacientes. Foi encontrada redução de tempo livre de demência em seis anos, mas, por depender de períodos diferentes em vez de um corte etário rígido, oferece evidência metodologicamente inferior aos trabalhos australiano e galês [11].
A explicação fisiopatológica dos achados é especulativa. Existem hipóteses de que a vacina poderia reduzir algum tipo de inflamação crônica induzida pelo vírus latente ou modular a imunidade de forma protetora.
A força desses trabalhos não é a mesma de ensaios clínicos randomizados multicêntricos e controlados por placebo. Os achados não devem ser utilizados como prova de relação causal entre vacinação e redução de incidência de demência. Entretanto, é possível que não seja viável ou ético fazer estudos grandes e com placebo e que evidências com essa metodologia sejam suficientes para motivar a prescrição das vacinas também com esse objetivo.
A indicação primária de vacina para herpes zoster continua sendo prevenir a doença e suas complicações. Veja mais em "Herpes Zoster: Diagnóstico, Tratamento e Prevenção".
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