Nova Diretriz de Meningite Bacteriana Comunitária

Criado em: 23 de Junho de 2025 Autor: Frederico Amorim Marcelino Revisor: João Mendes Vasconcelos

Resumo

  • Em 2024, os agentes mais comuns de meningite no Brasil foram Streptococcus pneumoniae (27%), Neisseria meningitidis (15%) e M. tuberculosis (7%).
  • Nenhuma combinação de sinais e sintomas exclui ou confirma meningite antes da punção lombar. Se existe a suspeita de meningite, a punção lombar deve ser feita.
  • Em pacientes de maior risco de herniação cerebral, a diretriz da OMS sugere que uma TC de crânio seja realizada antes da punção lombar (tabela 1). As características do líquor ajudam a diferenciar etiologias bacterianas de virais (tabela 3).
  • Ceftriaxona ou cefotaxima são o tratamento empírico para todos os pacientes. O aumento de resistência do S. pneumoniae no Brasil pode indicar adição de vancomicina em algumas regiões. A tabela 4 resume demais aspectos do tratamento.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou sua primeira diretriz sobre o tratamento de meningite bacteriana em abril de 2025 [1]. A doença tem letalidade alta, chegando a 22% nos casos registrados no Brasil [2]. Esse tópico aborda o diagnóstico e o tratamento da doença.

Epidemiologia

Meningite é a inflamação das meninges que pode ser causada por infecções, doenças autoimunes, inflamatórias, neoplasias e medicações [3]. Alguns termos usados no contexto de infecções do sistema nervoso central podem ser confundidos com meningite e necessitam de esclarecimento:

  • Encefalite: inflamação cerebral difusa. Possui critérios clínicos específicos. Veja mais em "Encefalites".
  • Meningoencefalite: termo usado para pacientes com meningite e alteração do estado mental [3].
  • Cerebrite: inflamação cerebral localizada identificada em exame de imagem. Pode progredir para abscesso cerebral [4].
  • Ventriculite: infecção do revestimento ependimário dos ventrículos, comumente associada à presença de cateter intraventricular [5].
  • Paquimeningite: inflamação da dura-máter (paquimeninge). Geralmente é um diagnóstico feito por imagem.
  • Leptomeningite: inflamação da pia e aracnoide-máter (leptomeninge). Geralmente é um diagnóstico feito por imagem.

No Brasil, no ano de 2024, até setembro haviam sido notificados 14.352 casos de meningite, sendo 3.200 confirmadas como bacterianas. Os agentes mais comuns foram Streptococcus pneumoniae (27%), Neisseria meningitidis (15%), tuberculose (7%) e Haemophilus influenzae (3%). Além disso, 23% foram por outras bactérias e 23% foram consideradas meningites bacterianas não especificadas [2]. A letalidade das meningites bacterianas foi de 22%, comparado com 2,3% das virais. A meningite por tuberculose é abordada no tópico "Meningite Tuberculosa".

Fatores de risco para meningite bacteriana incluem infecção pelo HIV, asplenia, tabagismo, deficiência inata do complemento, neoplasia hematológica e extremos de idade [6].

Manifestações clínicas e decisão sobre punção lombar

Um estudo holandês com 1.412 episódios de meningite bacteriana encontrou como sintomas mais comuns a cefaleia (83%), febre (74%), rigidez de nuca (74%), escala de coma de Glasgow < 14 (71%) e náuseas (62%) [7]. Outros sintomas menos comuns foram paresia de membros ou afasia (22%) e paralisia de nervo craniano (9%). Isoladamente, esses sintomas possuem baixa acurácia para o diagnóstico. 

A tríade clássica de febre, rigidez nucal e alteração do estado mental ocorre em somente 21 a 60% dos pacientes [8-11]. Contudo, 95% tem pelo menos um dos três sintomas presente.

Sinais clínicos como os de Brudzinski e Kernig possuem sensibilidade baixa, chegando a 5% em alguns estudos [12]. A ausência deles não exclui o diagnóstico de meningite. Outro sinal estudado é a piora da cefaleia após o paciente mexer a cabeça horizontalmente por alguns segundos (conhecido como jolt accentuation, em inglês). Esse sinal tem sensibilidade de 75,2% e especificidade de 60,8% com razão de verossimilhança negativa de 0,41 e positiva de 1,42. 

O diagnóstico de meningite é feito a partir de um quadro clínico suspeito, confirmado com a análise do líquor. Nenhum sinal clínico ou sintoma exclui ou confirma meningite antes da punção lombar. A decisão de realizar a punção se baseia na história clínica, conjunto de sinais e sintomas e a gravidade do paciente. Se existe a suspeita de meningite, a punção lombar deve ser feita.

A diretriz da OMS sugere que hemograma e provas inflamatórias como proteína C reativa (PCR) e procalcitonina podem ser considerados na investigação de meningite. A procalcitonina pode auxiliar na diferenciação entre meningite bacteriana e viral, com um valor acima de 0,5 μg/L sugerindo quadro bacteriano. Veja mais em  "Procalcitonina: Uso Clínico".

A coleta de hemocultura é recomendada para todos os pacientes e a taxa de positividade pode chegar a 75% [7]. A realização de exames de imagem como tomografia (TC) ou ressonância de crânio não é recomendada de rotina para o diagnóstico de meningite, mas pode ser considerada caso haja dúvida de outros diagnósticos. Também pode ser considerada antes da realização da punção lombar em alguns pacientes (veja mais em ‘Cuidados pré-punção lombar’).

Cuidados pré-punção lombar

A punção lombar para análise do liquor deve ser feita para toda suspeita de meningite, caso não haja contraindicações. A diretriz da OMS sugere não realizar punção lombar nos seguintes cenários:

  • Alteração da coagulação ou distúrbio de sangramento.
  • Infecção de pele ou suspeita de abscesso epidural no local da punção.
  • Instabilidade hemodinâmica ou respiratória.
  • Lesão intracraniana ocupando espaço com desvio de linha média.

Em pacientes com lesão intracraniana, como abscessos, empiema subdural ou infartos, com desvio de linha média, existe um receio de que a punção lombar possa causar ou acelerar uma herniação cerebral. A relação causal entre punção lombar e herniação não é clara, mas a diretriz da OMS sugere que uma TC de crânio seja realizada para excluir a presença de lesões intracranianas e desvio de linha média em pacientes de maior risco. A tabela 1 reúne as indicações de realizar TC de crânio e alguns achados de imagem que contraindicam punção lombar.

[tabela id=1341 index=1]

O início do antibiótico não deve ser atrasado caso haja contraindicação à punção lombar ou indicação de TC de crânio pré-punção. O antibiótico deve ser iniciado em até uma hora.

Análise do liquor

A meningite bacteriana é confirmada com crescimento de bactéria em cultura do líquor, mas outros exames podem auxiliar no diagnóstico (tabela 2). As alterações esperadas são aumento de celularidade com predomínio de neutrófilos, aumento de proteína e diminuição de glicose. 

[tabela id=1342 index=2]

Caso haja punção traumática e presença de sangue na amostra de liquor, o valor de leucócitos pode estar superestimado. Algumas regras podem ser utilizadas para ajustar o valor dos leucócitos a partir do valor das hemácias. Uma forma de correção possível é  subtrair 1 leucócito a cada 500 hemácias. Não há consenso sobre a melhor forma de correção. Correções subtraindo 1 leucócito a cada 1000 e 1500 hemácias são mais sensíveis, mas menos específicas [13]. 

Alguns parâmetros foram estudados para auxiliar na diferenciação de meningite bacteriana e viral (tabela 3). Leucócitos acima de 2.000 leucócitos/microL, proteína acima de 220 mg/dL, glicose menor que 34 mg/dL (1,9 mmol/L) e razão glicose no líquor/sérica menor que 0,23 sugerem infecção bacteriana. Pelo menos um desses critérios está presente em até 88% dos pacientes [10,14]. Outros autores colocam o corte de leucócitos em 1.000 leucócitos/microL [15]. Apesar desses limiares sugeridos, pacientes com meningite bacteriana podem apresentar leucócitos no líquor em valores menores que 100 leucócitos/microL, chegando até 16% dos pacientes em algumas séries de casos [8,9]. 

[tabela id=1343 index=3]

Duas meta-análises sugerem que o lactato no liquor é superior aos outros marcadores para diferenciar meningite viral de bacteriana. O valor de corte utilizado foi de 32 e 35 mg/dL (3,5 e 3,9 mmol/L) [16,17]. O exame não auxilia na diferenciação de meningite bacteriana de etiologias como herpes, tuberculose ou fungos. Sangramentos também podem aumentar o lactato, como hemorragia subaracnoide [18].

Exames microbiológicos 

A diretriz da OMS sugere a realização de gram e cultura para bactérias em todos os pacientes com suspeita de meningite. Também recomenda a realização de testes moleculares, como reação em cadeia da polimerase (PCR) para bactérias e vírus, se disponíveis. Existem testes de PCR que investigam vários agentes ao mesmo tempo (PCR multiplex), alguns direcionados para a investigação de meningites, incluindo os microrganismos mais comuns (alguns laboratórios reconhecem também como “painel molecular para meningites”). Outros agentes podem ser investigados a depender da suspeita clínica, como pesquisa de Cryptococcus e M. tuberculosis em pacientes imunossuprimidos.

Tratamento e profilaxia

Antibiótico

A diretriz da OMS recomenda que ceftriaxona ou cefotaxima sejam o tratamento empírico para todos os pacientes. A adição de outros antibióticos deve considerar dois cenários:

  • Risco para infecção por Listeria monocytogenes: ampicilina ou amoxicilina devem ser adicionados ao esquema. 
  • Prevalência de S. pneumoniae resistente à penicilina ou ceftriaxona: vancomicina deve se adicionada. 

Os esquemas de antibiótico, as doses e o tempo de tratamento estão na tabela 4. As doses de antibióticos na meningite são maiores que o habitual para outras infecções devido à baixa concentração de antibióticos no sistema nervoso central.

[tabela id=1344 index=4]

A Listeria monocytogenes é uma bactéria que pode causar meningite, meningoencefalite e bacteremia em pacientes suscetíveis (tabela 4). O tratamento é feito com ampicilina ou amoxicilina. Alguns autores sugerem a adição de gentamicina como terapia combinada à ampicilina ou amoxicilina [19].

No Brasil, a resistência do Streptococcus pneumoniae à ceftriaxona está aumentando nos últimos anos. Em 2024, segundo o boletim de informação da vigilância das pneumonias e meningites bacterianas do Instituto Adolf Lutz, 17% dos S. pneumoniae em pacientes com meningites eram resistentes. A diretriz da European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases (ESCMID) de 2016 sugere a adição de vancomicina caso a prevalência de resistência seja maior que 1%. Os dados brasileiros são publicados sem divisão por região do país. É possível que esse não seja o perfil de todos os estados do país. O perfil epidemiológico local, se disponível, deve ser considerado na decisão de tratamento empírico.

Após o resultado da coloração de Gram, a antibioticoterapia pode ser ajustada a depender da suspeita do agente (tabela 4)

Corticoide

A diretriz da OMS sugere o uso de corticoide associado à primeira dose de antibiótico para pacientes com meningite. O corticoide está associado à diminuição de perda auditiva e sequelas neurológicas [20]. Esse benefício é mais claro em infecções por S. pneumoniae e H. influenzae e a diretriz sugere que seja suspenso o corticoide caso outro micro-organismo seja identificado. O corticoide mais usado nos estudos foi a dexametasona (tabela 4). 

Profilaxia

Sobre profilaxia pós-exposição, o documento recomenda que contatos próximos com doença por Neisseria meningitidis devem receber profilaxia em até 14 dias (tabela 5). O Ministério da Saúde também recomenda profilaxia em casos de Haemophilus influenzae.

[tabela id=1345 index=5]

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