Corticoides na Artrite Reumatoide

Criado em: 05 de Setembro de 2022 Autor: João Mendes Vasconcelos

O uso de corticóides em baixas doses nos pacientes com artrite reumatoide (AR) é corriqueiro. O estudo GLORIA, recentemente publicado na revista Annals of the Rheumatic Diseases, avaliou a eficácia e segurança dessa intervenção [1]. Vamos revisar o tema e entender o que essa evidência acrescentou.

Uso agudo de corticóides na AR

Em pacientes com AR em atividade, é comum no início do tratamento a introdução de prednisona para rapidamente reduzir os sintomas da doença. Isso é feito enquanto aguarda-se a ação mais lenta das drogas antirreumáticas modificadoras de atividade de doença (DMARDs, da sigla em inglês), como o metotrexate.

Doses de prednisona de até 15 mg são mais eficazes que anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou placebo no uso a curto prazo [2]. Essa dose pode alterar o humor ou causar hiperglicemia transitória, mas tem baixa chance de causar efeitos mais graves.

Alguns trabalhos sugerem um benefício de alta dose inicial de corticoides. O estudo COBRA encontrou que uma dose inicial de 60 mg/dia de prednisona reduzida paulatinamente para 7,5 mg/dia até a semana 6 e desmamada completamente na semana 12, em conjunto com DMARDs, resultou em redução do dano articular radiográfico [3].

Em situações de piora aguda da AR (flare), os corticóides podem ser aumentados transitoriamente. O UptoDate sugere o seguinte esquema: em pacientes em baixa dose ( < 7,5 mg/dia), a prednisona pode ser aumentada para 15 mg/dia por duas semanas e então retornada para a mesma dose em mais duas semanas; para flare mais grave, a prednisona pode ser aumentada para 0,5 mg/kg/dia e desmamada ao longo de 4 a 6 semanas.

Uso crônico de corticóides na AR

A evidencia no uso crônico não é tão clara como no agudo. Para doses entre 7,5 mg a 10mg/dia de prednisona por até 2 anos, os artigos mostram que há melhor controle de sintomas e menor progressão radiográfica [4-6]. Para a dose de 5 mg, o benefício é menos claro [7-10]. No entanto, mesmo doses tão baixas quanto 1 a 4 mg/dia podem ser efetivas em alguns pacientes [11].

Uma análise do banco de dados de doenças reumáticas dos Estados Unidos publicado em 2007, utilizando dados de mais de 12 mil pacientes, ajuda a elucidar essa questão [12]:

  • Dois terços usam corticóides em algum momento da doença
  • 36% do pacientes estavam usando corticoide no momento da pesquisa
  • Dos que estavam usando corticóides, 25% suspenderam a medicação no ano seguinte. Ainda desse grupo, um terço se manteve usando por mais de 5 anos.

O que essa nova evidência acrescenta?

O estudo GLORIA foi um ensaio clínico europeu com 450 pacientes idosos com AR ativa. Os pacientes eram randomizados para prednisolona 5 mg ou placebo. O desfecho primário foi atividade de doença medida pelo disease activity index (DAS28) e dano articular. Efeitos adversos também foram avaliados. Os pacientes foram seguidos por 2 anos.

A média de idade foi 72 anos e a maioria usava DMARD (63% metotrexate e 14% biológicos). Em 3 meses, o DAS28 melhorou em ambos os grupos, com uma diferença de 0,6 favorecendo prednisolona. Em 2 anos, a diferença entre os grupos reduziu, mas ainda favoreceu o corticoide. Os eventos adversos foram mais comuns no grupo corticóide, com um predomínio de infecções não graves. A densidade mineral óssea vertebral teve uma redução leve com a prednisolona.

A diretriz do American College of Rheumatology (ACR) de 2021 orienta que os corticóides não sejam sistematicamente prescritos para uso curto. O uso dessas medicações deve ser limitado para a menor dose e tempo possível. O painel considera que os eventos adversos superam os potenciais benefícios. Para uso crônico, o documento faz uma recomendação forte contra o uso dos corticóides.

Cuidados

Antes de iniciar terapia crônica com corticóides, deve ser solicitado rastreio de diabetes, perfil lipídico e densitometria óssea. Em toda consulta, deve ser pesquisado ganho de peso, aumento de pressão e sintomas de complicações (sintomas visuais, edema, polidipsia e outros).

Todos os pacientes devem receber 1200 mg de cálcio elementar, juntando dieta e suplementação, e 800 UI de vitamina D.

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